Um empurra-empurra entre o governo federal e a CBC (Confederação Brasileira de Clubes) faz com que entre R$ 90 e R$ 100 milhões do dinheiro público destinado à formação de atletas em esportes olímpicos estejam parados em uma conta bancária da entidade. A verba é destinada aos clubes formadores de atletas de base em diversas modalidades pela Lei Pelé, mas segue sem uso quase dois anos após o início de seu repasse à confederação.
O governo federal diz que a CBC pode distribuir o recursos entre os clubes desde que começou a receber, em fevereiro de 2012. Já a entidade alega “falta de segurança jurídica” e que se fizer isso terá problemas com órgãos de controle como o TCU (Tribunal de Contas da União). Alega que ainda não liberou a bolada pois falta o Ministério do Esporte terminar a parte dele na definição das regras para uso dos recursos.
Enquanto o impasse continua Flamengo, Esporte Clube Pinheiros, Fluminense, Grêmio Náutico União, Minas Tênis Clube, Corinthians e Iate Clube de Brasília, todos clubes com tradição na formação de atletas olímpicos, reclamam da demora e colocam dúvidas sobre a gestão do processo de liberação do dinheiro conduzido pela confederação.
Os clubes afirmam que “não reconhecem a atual diretoria da CBC como representantes dos clubes formadores de atletas olímpicos e paralímpicos”, em manifesto divulgado em julho e subscrito pelas sete agremiações. “Em processo pouco transparente, com indícios de irregularidades e ao arrepio da verdadeira democracia, essa diretoria foi eleita em março de 2013, em sufrágio com chapa única sem a participação da maioria dos clubes formadores de atletas”, diz o documento, que afirma ter pedido providências ao Ministério do Esporte.
Lei Pelé
O montante é fruto do 0,5% da arrecadação das loterias da Caixa Econômica Federal que a Lei Pelé destina para os chamados “clubes formadores de atletas olímpicos”. A Lei Pelé (Lei 9.615) foi aprovada em 1998 no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, mas foi modificada pela Lei 2.395 de 2011, batizada de Nova Lei Pelé. Com as mudanças, a CBC passou a ser considerada a entidade adequada para centralizar os recursos previstos na lei e distribuí-los para aplicação em esporte de base olímpico nos clubes.
Desde então, a entidade não distribuiu nem um real. Inicialmente, a confederação afirmou que faltava a regulamentação da Nova Lei Pelé, sem a qual não poderia usar os recursos. Feita a regulamentação, em abril deste ano, a CBC afirma que falta agora uma portaria do Ministério do Esporte, especificando quanto a entidade pode gastar para montar a estrutura necessária para selecionar e acompanhar os clubes e projetos beneficiados com o dinheiro público.
“Temos que ter toda a cautela na aplicação destes recursos”, afirma Arialdo Boscolo, presidente da CBC de 2001 até o início deste ano e atual presidente do Conselho Consultivo da entidade. “Não podemos errar e temos que fazer a coisa 100% correta. “Onde está escrito que já pode usar, me mostra. É dinheiro público, e temos que ter um cuidado especial com ele”, afirma o dirigente.
Segundo ele, dos 131 clubes filiados à entidade, cerca de 44 demonstraram interesse em desenvolver projetos de base na formação dos atletas olímpicos. De acordo com Boscolo, uma comissão elabora a foram de usar os recursos. “Firmaremos convênios com os clubes para projetos específicos e teremos toda uma estrutura para acompanhamento deles”, diz Boscolo. O dirigente afirma que o dinheiro poderá ser aplicado apenas no esporte de base, e não em categorias principais e atletas profissionais. Devem ser aceitos projetos em todas as modalidades olímpicas de qualquer clube, menos o futebol masculino. Limites de verba, permissão para aplicação em infraestrutura e outros pontos seguem indefinidos.
O Ministério do Esporte afirma, através de sua assessoria de imprensa, que a CBC ainda não liberou os recursos para os clubes interessados por que não quis, já que havia condição legal para isso, mas confirma que ainda emitirá um ato para definir este pormenor. “O Ministério está ouvindo a CBC, o Confao (Conselho dos Clubes Formadores de Atletas Olímpicos) e os próprios clubes na tentativa de sanar divergências e chegar a definições comuns. O Ministério vem fazendo uma série de reuniões para discutir o assunto com o segmento”, afirma a nota enviada ao UOL Esporte.
‘Distorção da lei’
“A CBC distorce a lei e o dinheiro vai se perder”, diz Alexandre Póvoa, vice-presidente de Esportes Olímpicos do Flamengo. “Os clubes realmente formadores de atletas olímpicos estão insatisfeitos com o modelo elaborado pela entidade. “Da forma que está até a própria CBC pode propor e tocar um projeto de formação de atletas. A entidade não tem transparência e representatividade. Queremos que todos tenham acesso ao dinheiro, mas que seja considerada a relevância de cada um, e não qualquer clube sem condições propor projetos que não vão levar a lugar nenhum só para angariar um pouco da verba”, diz Póvoa.
Ele diz que o Flamengo, que no início do ano cortou investimento na ginástica olímpica e judô, conta com cerca de mil atletas em nove modalidades olímpicas, a maioria em categorias de base. Ao todo, 196 atletas que passaram pelo clube já representaram o Brasil em Jogos Olímpicos. De acordo com Póvoa, o déficit do departamento de esportes olímpicos ainda é de R$ 6 milhões por ano. “A CBC é legalmente a entidade correta para receber estes recursos, mas o Ministério do Esporte tem que supervisionar e temos que ter certeza que o dinheiro chegará para formar atletas olímpicos”, diz.
Para o superintendente de esportes olímpicos do Fluminense, René Machado, a CBC não é transparente com o “prazo e muito menos os critérios”. “O que sabemos é que a regulamentação interna aprovada desconsiderou a ajuda ao atleta, tão necessária, desvirtuou o objetivo de formação de atletas pelos clubes incentivando o esporte educacional e aprovou o absurdo da CBC receber recursos para formação de atletas. O prejuízo causado para a formação de atletas é irrecuperável”, afirma ele.
“Nossas opiniões sobre critérios foram completamente desconsiderados passando o incentivo a ser distribuído para quaisquer clubes e a Instituições Educacionais , deturpando absolutamente o objetivo inicial que era apoiar efetivamente os clubes que realmente investem na formação de atletas”, completa o vice-presidente do Fluminense, Ricardo Martins.
Em meio a toda essa discussão, ainda não há prazo para que o dinheiro comece a ser utilizado na formação de atletas na base de modalidades olímpicas, e o dinheiro segue sendo depositado na conta da CBC onde está se acumulando.
Fonte: UOL