Não pretendo voltar a esse assunto tão cedo, até porque infelizmente uma pequena parcela do público encara a troca de ideias e a divergência de opiniões como algo pessoal, como se fosse uma briga de botequim sobre Grêmio e Inter, Cruzeiro e Atlético, Flamengo e Vasco. Volto agora, contudo, ao tema apenas porque é muito difícil tratar de algo tão complexo em um único post e também para dar uma satisfação aos mais de 170 leitores que se dispuseram a comentar, mais ou menos metade deles discordando de minha opinião.
A questão do preço do ingresso nas novas Arenas, em especial no Maracanã, e mais detidamente em jogos do Flamengo, para mim se resume a encará-la com uma visão humanista ou com uma visão mercantilista. Ambas têm justificativas, ambas estão “certas”, mas ambas são excludentes. A minha visão segue o caminho humanista, e continuará seguindo, mesmo com definições agressivas como “demagógica” ou “ingênua” por parte de alguns. E a base de minha posição é a certeza de que futebol é uma manifestação cultural inteiramente distinta de qualquer outra. Não consigo reduzi-la a comparações com cinema, teatro, shows de música e outros. Futebol é futebol, é esporte de massa, sempre foi. Mas, repito, respeito até o fim o pessoal do lado pragmático. Acho que quando tivermos disputando os campeonatos os times da Coca-Cola, Apple, Bradesco, IBM, Votorantim, por exemplo, aí conseguirei pensar no futebol de modo mercantilista. Enquanto a disputa for entre Flamengo, Fluminense, Corinthians… me perdoem, mas eu fico com minha ingenuidade.
Devo dizer ainda que apoio qualquer iniciativa ou política de gestão que vise à organização financeira dos clubes de futebol. É evidente que ninguém vai se sustentar muito tempo com dívidas em cima de dívidas. Mas, cá entre nós, que ninguém nos ouça: já ouvi muitas torcidas gritando “É campeão!”, ou “Recordar é viver, Assis acabou com vocês”, ou “E ninguém cala, esse chororô”… ou ainda “Timão, ê ôôô, Timão, ê ô!”. Jamais ouvi nada como “É, superáávit!”, ou “Recordar é viver, meu clube é mais rico que o de vocês”… ou “Patrimôôniooooo, patrimôôniooo!” Não digo isso para dizer que proponho o caos nas finanças dos clubes. Digo isso para que se reflita que futebol não é só dinheiro, que clube de futebol tem que ser campeão, se possível dando lucro. Tem gente ilustre por aí achando que clube tem que dar lucro, e se possível ser campeão.
Uma das “acusações” que recebi é de tirar a responsabilidade do consórcio por uma divisão mais racional no preço dos ingressos, e jogar tudo para cima do Flamengo. Vamos lá, talvez eu não tenha sido bem claro. É óbvio ululante que o consórcio poderia abrir mão de uma parte ínfima de seus lucros e cobrar no máximo R$ 30 por 1/8 de seus ingressos. Mas consórcio, repito, não tem torcida, não tem história, não tem o menor compromisso social. Acho muito mais utópico que esse grupo tenha preocupações sociais. Consórcio também não entende nada de torcida e de Rio de Janeiro. Primeiro, não queria bandeiras e torcida sem camisa. Agora, quer que carioca retire ingressos com antecedência. Só não dei gargalhadas com as enormes filas nos jogos Fluminense x Cruzeiro e Botafogo x Vitória porque me solidarizo inteiramente com os torcedores que enfrentaram filas, do lado de fora do estádio, até o início do segundo tempo. O próximo passo do consórcio será colocar voluntarios noruegueses para orientar o público. Talvez, suecos. Ou finlandeses. É o padrão desses países que o Consórcio quer nos enfiar pela goela. Nesta sexta, recebo com alegria a informação de que o governador Sérgio Cabral, enfim, pode rever o contrato com esse grupo por causa do cancelamento das demolições do Célio Barros e Júlio De Lamare.
Cobro do Flamengo porque entendo que o clube deve se preocupar mais com todos os segmentos de sua enorme e fiel torcida. Repito: não acredito numa matemática e numa gestão em que 10 mil ingressos a R$ 30 possam afetar as finanças do clube, ou que por causa desse “prejuízo” o clube deixe de montar bons times. No Flamengo 1 x 1 Botafogo do último fim de semana, tivemos algo em torno de 18 MIL GRATUIDADES!!! Isso é um escárnio, um escândalo. Gratuidade, em futebol, só para quem está trabalhando. Não sei quem fez essa farra de distribuições. Se foi o Consórcio, está errado. Se foi o Flamengo, está errado. Só não me venham, por favor, dizer que, se as finanças dos clubes e do consórcio suportam 18 mil ingresso de 0-800, não podem suportar 18 mil ingressos a R$ 30 ou R$ 20. Ingênuo ainda vai, talvez eu seja mesmo. Trouxa, não!
Podia recorrer ao passado e citar inúmeros timaços do Flamengo que foram montados sem a dependência visceral da bilheteria. Mas vamos a um exemplo de hoje: o Fluminense. O clube acaba de contratar o rubro-negro Vanderlei Luxemburgo, por um salário, segundo se comenta nas Laranjeiras, em torno de R$ 700 mil. Desses, pouco mais de R$ 500 mil são pagos pelo patrocinador, e apenas o “resto” pelo clube. Ou seja, o clube conta com seu rico patrocinador para montar um grupo campeão, e não com as migalhas dos torcedores.
Li por aí quem garantisse que esses 10% de ingressos mais baratos iriam cair na mão de cambistas. Bem, até onde sei cambistas vendem ingressos muito procurados em grandes espetáculos, ou os mais caros. Em mais de 40 anos de Maracanã, jamais vi um cambista oferecendo ingressos de geral. Além do mais, o remédio para isso não é excluir os pobres, e sim reprimir os cambistas.
Outra “acusação” que alguns desavidos fizeram é a de que, se em alguns pontos eu divirjo da diretoria rubro-negra, significa que eu estou “na oposição” ou me relacionando com a oposição política do clube. Escrevem sem saber sequer para qual time torço. Minha função aqui é comentar os assuntos relativos ao esporte. Em alguns, pensarei como a atual diretoria. Em outros, não. A gestão do Flamengo volta-se, flagrantemente, para a arrecadação de recursos como prioridade. Parabéns, problema dela, é legítimo. A mim cabe comentar. Acho estranho, por exemplo, explicar o aumento na mensalidade do clube por conta da comparação com clubes vizinhos como o Paysandu, o Country, o Piraquê. Mais uma vez se compara o Flamengo, um clube cuja base é o povo, com clubes de milionários. Concordo com o aumento, não com a explicação. Mas a direção foi eleita democraticamente e sabe o que faz e como pensa.
Já que citei o Fluminense, cito agora o Botafogo do presidente Maurício Assunção. Ao comentar a conclusão das negociações com o consórcio Maracanã, Maurício foi claro: “Negociamos porque, sem o Engenhão, o Botafogo precisava de um plano B para jogar em sua casa, o RIO DE JANEIRO”. Perfeito. Não tenho dúvidas que o Botafogo poderia arrecadar até mais se mandasse jogos fora da cidade. Assim como o Corinthians, ou qualquer outro grande clube. Mas os jogos têm de ser mandados nos estados dos times, como sempre foi. O Botafogo manda no Rio, o Corinthians manda em São Paulo, o Atlético manda em Belo Horizonte, o Grêmio manda em Porto Alegre. E o Flamengo manda no Rio. Mas, o Flamengo agora entende diferente, que assim seja. O Maracanã não mudou? Não é o “novo” Maracanã? Talvez tenhamos também o “novo” Flamengo. Muito prazer em conhecê-lo, seja bem vindo.
Aliás, para fechar estes temas chatos e polêmicos, não posse deixar de comentar que concordo com a indignação do presidente do Botafogo em relação às imagens do presidente do Flamengo cantarolando no Maracanã a famosa musiquinha ofensiva ao Botafogo, a do chororô. O Flamengo se “moderniza” onde não deveria, e nos aspectos em que dever-se-ia adaptar aos novos tempos age como nos velhos. Antes do advento das fotos via celular, até dava para um presidente de clube ironizar o adversário no anonimato da massa. Agora, onde todos somos vigiados 24 horas por dia, um presidente de clube deve seguir sempre um código de conduta exemplar. Não vi, por exemplo, a presidente Dilma Rousseff imitar um toureiro quando o Brasil venceu a Espanha na Copa das Confederações. Sempre vi, em transmissões de jogos internacionais, presidentes de repúblicas ou de clubes vibrando com as próprias vitórias, sem atacar ou ironizar os adversários. É assim que tem de ser. Pegou muito mal…
Fonte: Blog Entre as Canetas