Finalmente, vivenciamos um Campeonato Brasileiro em que não levo fé em time algum.
Eu tentei, juro que tentei. Assisti aos jogos dos mais diferentes times. Vi virtude e possibilidades em elencos como os de Cruzeiro e Internacional. Vi padrão de jogo e líderes inflamados em Botafogo e Coritiba. Aguardei o despertar de forças e conjuntos estabelecidos, como Corinthians e Atlético-MG. Saudei a coragem gremista de encarregar o ídolo Renato Portaluppi de comandar o elenco.
Mas a verdade é que os times são, no máximo, razoáveis. Ninguém desponta na turma, nem há um sistema tático ou elenco à prova de desfalques. Obviamente esta é uma linha de raciocínio perigosa de ser escrita, já que alguém vai ganhar o campeonato no fim (e sua torcida certamente tentará me provar que eu estava errado), mas pondere comigo, torcedor: ninguém está com cara de campeão a quatro rodadas do fim do primeiro turno.
É uma percepção que tenho desde quarta-feira e que confirmei com os resultados do ultimo fim de semana. Na quarta, eu assisti a Fluminense x Corinthians, zero a zero safadíssimo. De um lado o campeão brasileiro, do outro o campeão invicto do mundo, e a Maracarena vazia silenciava diante daquela desconfortável sessão de tortura. Não foi muito melhor o Goiás 1×1 Flamengo no Serra Dourada.
Botafogo 3×3 Internacional foi uma boa partida entre dois clubes que me pareciam candidatos a algo. Foi um jogo franco de dois times corajosos, mas a inconsistência do Botafogo no fim – que apenas repetiu frustração vista ante o Flamengo – me levou a crer que o atual líder não é um favoritaço. Ganhar da Portuguesa, convenhamos, é o mínimo que se espera de quem ocupa o G4. Mesmo assim, o 3 a 1 no Canindé foi produto de um Botafogo lento, pouco inspirado e, por boa parte do tempo, envolvido.
Já o Internacional confirmaria depois no 0 a 0 ante o Atlético-MG que, mesmo com um jogador a mais, está obcecado pela ideia de empatar, não importa onde, nem contra quem. À beira do campo, o elenco me parece sofrer com a pressão exercida por Dunga, que jamais será um grande técnico se a cada rodada tiver que se vingar de cada pessoa que um dia o criticou na vida. Perto dele, até Wolverine parece um cara ponderado.
Há motivos, porém, para que este blog acredite que o G4 atual merece mais atenção que as configurações anteriores.
Nenhum desses motivos é da ordem do encantamento, da certeza da superioridade estonteante ou do toque de clarins que apenas os profetas escutam. Infelizmente, terei que ir ao mundo chão dos números para fundamentar o que pretendo e ainda considerar que a Copa do Brasil, que recomeça neste meio de semana, vai bagunçar mais do que explicar.
1. O Corinthians subiu ao G4 muito agradecido à decisão de Péricles Bassols, que redefiniu as visões do que é pênalti na atualidade. O que me chama a atenção é que a defesa de Cássio, Gil e Paulo André sofreu apenas seis gols em 15 partidas – todas as outras sofreram mais que o dobro. Costuma ser uma das credenciais dos recentes campeões brasileiros. Até o fim do primeiro turno, essa cidadela enfrentará bons testes psicológicos: pega Vasco (fora), Flamengo (casa), Internacional (fora) e Náutico (casa). A Copa do Brasil, contra o Luverdense-MT, pouco assusta.
2. O Grêmio, que já venceu o Botafogo, atingiu sua terceira vitória consecutiva, ante o Vasco fora de casa. Contra um Flamengo veloz mas improdutivo no Mané Garrincha, Renato Gaúcho e seus tricolores poderão chegar a uma série de quatro triunfos, o que só Atlético-PR e Internacional conquistaram até agora*. Esse embalo pode ser fundamental, uma vez que, depois do Fla e até o fim do primeiro turno, os gaúchos enfrentarão a tabela mais fácil: a fraca Ponte Preta (16o lugar), o razoável Goiás (9o lugar) e a débil Portuguesa (18o. lugar). Pela Copa do Brasil, algum desgaste contra o imaturo Santos não o deve impedir de avançar.
3. O Cruzeiro, de altos e baixos, goleou o Vitória e se mantém no G4. Tem o mesmo número de triunfos que o Botafogo, mas o ataque é o mais positivo do torneio (Cruzeiro 31 x 27 Botafogo) e a defesa é um pouco melhor que a do líder (Cruzeiro 14 x 17 Botafogo). Depois de visitar a Ponte na próxima rodada, receberá o Vasco, voará para encarar o Bahia e hospedará o Flamengo – o qual já enfrenta a partir desta semana pela Copa do Brasil. Contra esses times de meio de tabela e diante de confrontos tensos pelo torneio eliminatório, parece-me provável que o Cruzeiro cometerá ao menos um tropeço.
4. Por fim, se o líder Botafogo vencer o perigoso Atlético-PR no Durival de Brito na próxima rodada, certamente conquistará o primeiro turno. Restariam o vice-lanterna São Paulo (12 partidas sem vencer), o Coritiba, que perde muito sem o lesionado maestro Alex, e o desacreditado Criciúma. Tem partidas de Copa do Brasil contra o Atlético-MG, o que, depois da Libertadores e do sentimentos nas nuvens que ela proporciona, é uma incógnita. E ressalto que tudo isso fica muito mais difícil se Bolívar e Seedorf se ausentarem por algum motivo.
São tendências que fariam sentido em qualquer lugar do mundo, menos aqui. Num campeonato em que William Batoré da Ponte Preta é o artilheiro e o redondíssimo Walter, o grande acontecimento, eu não me surpreenderia em nada se a Portuguesa, especialista em jogar bem e perder, conseguisse seis vitórias consecutivas e espalhasse medo e terror por esse certame de times medianos.
Precisamos de mais bola urgentemente: na noite de domingo, as redes sociais só falavam do selinho fanfarrão de Emerson Sheik num amigo, publicado no Instagram e comentado como se fosse a trombeta do apocalipse entre o corintianismo mais primitivo.
É sinal de que este Brasileirão está devendo assunto.
* Errata: a primeira versão deste texto omitia a série de quatro vitórias seguidas do Inter (Vasco, Fluminense, Flamengo e São Paulo), por confusão com o jogo do São Paulo, que foi antecipado.
Fonte: Blog do Márvio dos Anjos