Decidi escrever este Pitaco quase 24 horas após a decisão para poder relativizar o peso do conteúdo emocional e poder explicar melhor nossa conquista. Enquanto jogadores enfatizavam a importância do título como uma forma de resposta a tantas críticas durante a temporada, eu prefiro tentar analisar o “conjunto da obra”. Afinal, nenhuma equipe é campeã apenas por que teve mais raça, mais técnica, ou mais sorte. Há que se ter um pouco de cada, assim como o equilíbrio e harmonia entre os componentes que fazem os campeões.
Com o título, muita coisa ficou aparentemente simples de ser analisada. Ser profeta do passado é fácil, e a imprensa esportiva sabe muito bem aproveitar isso. Não personificarei os oportunistas, até por que todos sabem onde eles trabalham, e fazem dos meios de comunicação um espaço privilegiado para angariar audiência à custa do Flamengo. Boa parte deles adora quando as notícias do Mengão ocupam significativamente as páginas policiais. Falar mal do Flamengo lhes garante atenção, todavia, em um dia como o de hoje, como não poderia deixar de ser, tecem rasgados elogios ao time antes taxado de fraco e seriíssimo candidato ao rebaixamento no Brasileirão.
O título conquistado tem um nome e usa óculos: Jayme de Almeida. Esse senhor conseguiu fazer omelete a partir de ovos de codorna. Onde treinadores renomados como Luxemburgo e Mano Menezes sucumbiram, provavelmente mais barato que Jorginho, e com certeza, com um salário bem menor do que o de Dorival Junior, Jayme aproveitou o período de auxiliar técnico de todos esses aí, associado ao rubro-negrismo de sua vida e o profundo conhecimento acerca do purgatório que existe na Gávea, para poder desenvolver uma espécie de empatia coletiva.
Jayme deu mostras do que poderia fazer pelo Flamengo quando assumiu o time na última rodada do primeiro turno do Campeonato Brasileiro, quando fomos jogar em Santa Catarina contra o Criciúma. A situação da nossa equipe era bastante desconfortável. A campanha era péssima, e a entrada na Zona de Rebaixamento era esperada até mesmo pelos mais otimistas. Confesso que esse talvez tenha sido o único jogo do Flamengo na temporada que sequer tive motivação para assistir. O resultado de 3×0 para nós foi pra lá de surpreendente.
Naquele jogo Jayme lançou ninguém menos que… Samir, esse baita zagueiro que por pouco Mano Menezes não o queimaria, ao inventá-lo na lateral esquerda contra o Cruzeiro no Mineirão. Talvez um dia ele possa vir a ser um lateral, mas hoje, mesmo com 18 anos, em minha opinião, ele já pode ser considerado titular absoluto da zaga do Flamengo, e não é por falta de concorrência, mas sim por que o garoto é bom de bola demais!
Muitos irão discordar de mim, mas acho que em termos táticos o time já estava arrumado por Mano Menezes. Não quero colocar essa questão como um centro de polêmicas, mas sim como uma forma de engrandecer o trabalho de Jayme de Almeida. Ocorre que Jayme não tem medo de testar suas convicções. Samir e Amaral são amostras dessas convicções. Mas, mesmo enfrentando a nossa contrariedade, Carlos Eduardo e Diego Silva também são.
Eu não estava no Maracanã ontem. Não posso medir a intensidade e o quanto pesou o apoio da Magnética. Só a Torcida não ganha jogo. Time bom é aquele que joga diante do grito do torcedor, mas que também sabe se comportar para superar a ansiedade e as vaias oriundas da arquibancada. E daí está o segredo do título da copa do Brasil de 2013. O Flamengo soube superar os fantasmas do passado e nos manter esperançosos na construção de um Clube de Futebol que seja do tamanho de seus apaixonados torcedores.
Pouco antes da partida eu pensava nas decisões de Copa do Brasil que perdemos. O quanto foi doída a perda para o Grêmio em 1997, o quanto fomos equivocados na forma de encarar o Cruzeiro em 2003, e a forma melancólica como perdemos para o Santo André em 2004. O arco-íris apostava nesse histórico para ver o Atlético do Paraná sair campeão do Maracanã. Ocorre, porém, que nada acontece por acaso.
Manifestações extra campo à parte, o Flamengo que jogou ontem confirmou a maturidade já demonstrada anteriormente, que até já estava presente ainda na era Mano Menezes, mas que virou marca registrada desse grupo. E foi essa maturidade que nos proporcionou a alegria da conquista. A maturidade já se manifestara nas duas partidas contra o Botafogo, mas, principalmente após o gol de Sasha, logo no início da partida contra o Goiás em pleno Maracanã, como após o golaço de Marcelo no primeiro jogo da decisão no Paraná, que está situado em uma Região do Brasil onde raramente fazemos partidas convincentes.
Materializei toda a minha angústia na decisão de 2004 contra o Santo André. A partida de ontem possuía ingredientes semelhantes. A cor branca da camisa do adversário também. O que mudou? O time atual comprovou-se melhor em todos os sentidos. Todos os sentidos! Uma equipe de futebol não é constituída simplesmente por um grupo de bons jogadores, mas sim atletas, se doando para a equipe, construindo gradativamente um grande grupo unido por objetivos em comum, em prol do resultado coletivo.
O grande erro em 2004 foi que, diante de uma equipe que se fechou no primeiro tempo, o Flamengo achava que tinha a obrigação de vencer a qualquer custo a partida. Ou seja, se o Santo André não queria jogar, por qual motivo, o dono da casa, que tinha o resultado por 0x0 como favorável, saiu desesperada e desorganizadamente para cima no segundo tempo? O resultado todos já sabem. A explicação mais fácil é o tal do “ôba-ôba”, mas me desculpem, dentro de campo isso sequer pode ser cogitado. Abel Braga e a comissão técnica foram os maiores responsáveis pelo insucesso naquela ocasião.
Já ontem, enquanto para muitos o jogo estava perigoso, posso afirmar categoricamente que, mesmo com toda a tensão característica de uma decisão, o Flamengo foi senhor absoluto da partida. O Felipe fez uma única defesa durante os pouco mais de 90 minutos. Também pudera, o setor defensivo dos cariocas anulou praticamente tudo que os paranaenses tentaram, a ponto de, em um dado momento eu pensar que eles eram treinados pelo Joel Santana, que tinha uma única jogada no Botafogo de Loco Abreu, o chutão na direção da área adversária. Mas Samir, Walacce e Amaral devem ter saído com dor de cabeça com tantas bolas que cortaram.
Gostei muito da partida que o Flamengo fez. O time não entrou em campo para dar show. O Flamengo tinha plena consciência do que tinha que fazer para ser campeão. E a sorte acompanhou a técnica, que foi ampliada pela raça, e plenamente respondida pela Magnética que, ao dar votos de confiança ao time de Jayme, ao não vaiar Cadu, ao respeitar a decisão pela entrada de Diego Silva, foi coroada com o título.
Todo o elenco está de parabéns. Os reservas nitidamente torceram e jogaram junto com os titulares. A alegria estampada nos olhos do Cesar me dá uma esperança de que novos talentos serão revelados ao longo das próximas temporadas. Ganhamos mais que um título. Reconquistamos a esperança de ver um Flamengo respeitado por todos e temido pelos adversários. Muitos estavam equivocados em dizer que este elenco era fraco. Na prática, cada jogador está sendo forjado para ser um homem capaz de carregar o Manto Sagrado.
Se alguém insistir em chamar o Flamengo de Felipe, Léo Moura, Walacce, Samir, Chicão, Elias, Paulinho, Luiz Antonio de fraco, eu vou querer saber quantos times da atualidade no Brasil são tão mais fortes que o nosso, pois dos 5 times que estão no G4 do Campeonato Brasileiro, nós despachamos 4, incluindo o incontestável campeão Cruzeiro.
E o Hernane? Relegado a segundo plano por Jorginho, revezado com o Marcelo Moreno pelo Mano, o cara ainda conseguiu ser o artilheiro do Carioca, da Copa do Brasil, do Novo Maraca, e ainda disputa a liderança dos goleadores no Brasileirão e a façanha de ser o atacante com mais gols no Brasil em 2013. E nós ainda vamos querer ficar menosprezando o futebol do Brocador? Atacante vive de gols! Sem mais!
Cordiais Saudações Rubro-Negras!
Ricardo Martins – Embaixada Fla BH