No dia 27 de dezembro aconteceu, na arena do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, o mais importante clássico do Campeonato Brasileiro de 2013. No novo embate entre a Legalidade e a Moralidade, a primeira saiu vencedora; e foi por goleada. Diferente do ambiente renovado e modernizado das equipes e dos estádios de futebol, em vista da proximidade da segunda copa do mundo no Brasil, o cenário do jogo atestou o atraso, o compadrio e a primazia dos interesses dos mais poderosos sobre os menos favorecidos.
Nada mudou na intrincada estrutura político-desportiva do futebol nacional. O presidente da confederação, sem saber como lidar com a enxurrada de acusações e escândalos, governa do exílio através de seus fantoches canastrões. Os Zveiter se perpetuam na cadeira principal do tribunal. Compondo a cena, uma safra aparentemente renovada de auditores e advogados, todos carregando Filho no sobrenome.
Equipes perfiladas, câmeras ligadas, vamos ao jogo. A Moralidade toma a iniciativa. É correto punir de forma tão exagerada erros de escalação pretensamente tão irrelevantes? Para ser mantido o princípio pro competizione devem ser alterados os resultados de campo? Diante da miríade de normas, regulamentos e códigos e das tantas possibilidades de interpretação, onde fica o princípio jurídico do in dubio pro reo?
A Legalidade contra-ataca com o argumento indefectível de que a lei deve ser cumprida. Como negar? Mas deve ser cumprida por quem? Pela Portuguesa, com certeza. Os votos, todos eles redigidos antes mesmo da argumentação da defesa, relacionam artigos, alíneas e subalíneas sem deixar dúvida alguma da tipicidade do delito e da culpa do réu.
O Fluminense, principal beneficiado pela vitória da Legalidade, tem sido foco de reações revoltadas de torcidas de todo o Brasil. Despindo-me das vestes da paixão com que me cubro em dias de jogo do Flamengo, afirmo, sem ter dúvida: não houve virada de mesa. O campeonato de 2013 não foi decidido no tapetão. O time tricolor, mais uma vez se beneficiou do erro alheio.
Atacar o rival, não nego, é prazeroso. Quem não enche a boca para gritar segunda divisão no primeiro encontro com o adversário tantas vezes rebaixado no campo? Não defendo o fim das provocações. Acontece que, insistindo na tese do tapetão, acabamos ignorando o mais importante: se a Legalidade vai prevalecer, as leis e aqueles (ir) responsáveis por aplicá-las precisam mudar.
O Fluminense não é culpado pelas negociatas de Ivens Mendes. Tampouco foi quem pediu a impugnação do jogo do Botafogo por causa da escalação do Sandro Hiroshi. Eles caíram no campo, sem dúvida. Desportivamente são da segunda divisão. Mas as decisões dos tribunais e da CBF, casuísticas, convenientes e baseadas em interesses escusos são as verdadeiras ervas daninhas do nosso futebol.
A quem serve o emaranhado de regras e todas as suas brechas? Seria tão difícil a implantação de um sistema de controle e comunicação de jogadores aptos ou não a jogar determinada partida? A quem interessa a confusão? Quem lucra com a ambigüidade? A impressão que dá é que a meia dúzia de doutores da justiça vive em estado permanente de busca pelo deslize do desavisado e usam a aplicação da lei de acordo com sua conveniência, sempre motivados por poder, política e dinheiro.
Perder três pontos, além daqueles conquistados no jogo, é razoável? Se tivesse perdido apenas o ponto conquistado no jogo em que escalou de forma indevida seu jogador, a Portuguesa não teria caído. Os donos do plano de saúde não estariam comemorando mais um retorno à primeira divisão sem disputar a segunda.
Uma multa de apenas R$ 1.000,00 é suficiente? Um valor realmente significativo não teria um efeito educativo mais efetivo nos que decidem por escalar ou não um jogador? Ver Petraglias e Euricos desfilando pelos corredores de clubes e federações nos dias atuais é correto? Em países sérios, figuras como estas estão banidas do esporte.
A conclusão é que nosso sistema aniquila a moral em nome de uma falsa Legalidade. Clubes de segunda jogam na primeira, dirigentes de segunda riem da nossa cara entre uma e outra taça de champagne.
Os times de futebol são as cartas jogadas na mesa pelos reis da desmoralização. Nós, os torcedores, os bobos da corte, que não sabemos se podemos comemorar títulos e não temos certeza de quem foi rebaixado até que a última palavra seja dada por eles.
Escondidos atrás das máscaras da Legalidade, as maiores autoridades do futebol continuam a envergonhar aqueles que ainda emprestam seu tempo e seu coração ao esporte mais incrível inventado pelo gênio humano.
FLAVIEW