O jogo aproximava-se do seu fim. A bola, em trajetória despretensiosa, cruzava o campo na altura da intermediária em direção à linha de cal que demarca a lateral. O camisa seis do time adversário, ansiando pelo domínio da jogada colocou todo seu esforço na busca por seu objeto de desejo. Para seu infortúnio, do lado oposto, com os olhos fixados no couro branco da esfera, não estava um jogador qualquer.
Com a facilidade de quem usa as mãos para dar à bola seu movimento, o atleta oportunista, com cabelo estilo moicano, encaixou a ponta do pé direito por debaixo da redonda, virou o corpo sobre o quadril e observou o curso parabólico da pelota que reencontrou a ponta de sua chuteira colorida sob olhares boquiabertos de quem teve o privilégio de testemunhar a obra de um artista.
Seria apenas mais um dos presentes que o futebol nos oferece de tempos em tempos, mas o epílogo se mostrou ainda mais interessante. Como desfecho da jogada, a bola acabou descansando no fundo da rede, sacramentando a vitória do time. O fato mais marcante, no entanto, foi que o autor escreveu com os pés seus versos, em rima mais que perfeita, no mesmo dia em que entrou para o rol dos dez ídolos que mais vestiram o manto sagrado do Clube de Regatas do Flamengo.
Leonardo da Silva Moura, dono da camisa dois do Mais Querido, honra há quase nove longos anos a mística de uma posição que já foi defendida por craques como Leandro e Jorginho. Quatrocentos e sessenta e oito jogos. A história, que começou no dia de junho em que se comemora o amor chega aos dias de hoje como um casamento que deu certo.
Em tempos do nomadismo movido pelo desejo irracional por dinheiro e fama, Leonardo representa um dos últimos exemplares de uma espécie quase extinta dos jogadores identificados com seus clubes. Ao beijar o escudo podemos ter a certeza da reciprocidade do ato. Recebe, em troca, o afago sincero de toda uma Nação que valoriza seus ídolos.
Léo Moura é ídolo. Conquistou o privilégio sem procurar atalhos. Construiu sua história sob o fundamento do trabalho duro, humildade, entrega e busca incessante da perfeição. Como em todo casamento, enfrentou crises e adversidades aproveitando-se delas para estreitar os laços da relação. Nunca sucumbiu à tentação da outra, quando a vontade foi desistir.
Para alcançar o posto quase cativo de outro Léo, o Júnior, outro grande ídolo rubro-negro e cuja origem foi também na lateral, Leonardo Moura precisaria nascer e jogar de novo. Mas até o final do ano, pode ultrapassar o lendário Carlinhos e se tornar o sétimo da lista. Andrade terá a quinta colocação ameaçada, caso o lateral renove seu contrato por mais um ano.
Independente da colocação, fazer parte dos top 10 é um privilégio que apenas os verdadeiros ídolos podem alcançar. Vida longa aos jogadores que ainda nos fazem lembrar dos bons tempos do futebol, em que a pele dispensava o uso da camisa, pois estampava de forma indelével o escudo no lado esquerdo do peito.
Léo Moura, obrigado.
FLAVIEW