Mulambada, deixando um pouco de lado o semi-analfabetismo galhofeiro que caracteriza nosso humilde bloguinho, e para estimular os bons hábitos do estudo, documentação e preservação da história do Flamengo, hoje iniciamos uma nova série
no Urublog. Nas próximas semanas Gustavo Roman, jornalista, historiador e dono de um dos maiores acervos de jogosde futebol do país, vai nos mostrar um pouco do Flamengo do fim dos anos 70, a verdadeira base do Mengão Campeão do Mundo. Gustavo é o co-autor de Sarriá 82, o que faltou ao futebol arte? E de Os 30 jogos inesquecíveis do Flamengo, autor de No campo e na moral, Flamengo Campeão Brasileiro de 1987, As 150 maiores curiosidades das Copas do Mundo e atualmente finaliza a biografia do Leandro, ex-lateral daquele mágico escrete rubro-negro. Pra quem, como eu, viveu essa época de ouro é muito maneiro reencontrar os heróis rubro-negros que foram do carioqueta a Tókio passando o rodo geral. Espero que vocês curtam como eu curti.
Introdução:
Pode o momento mais vitorioso da história de um clube começar com uma derrota, uma espécie de marco zero? No caso do Flamengo, que dominou o futebol carioca e brasileiro entre 1978 e 1983, pode-se afirmar que sim.
E qual teria sido esse instante mágico, capaz de transformar a dor de uma derrota em garra e união,unidas ao talento imensurável de alguns dos grandes jogadores rubro-negros. Sem dúvidas, esses foram elementos que se tornaram combustíveis indispensáveis para a enxurrada de títulos que viria a seguir.
Os atletas são unânimes em afirmar que a derrota de maneira traumática para o Vasco, no Campeonato Carioca de 1977, em uma disputa de pênaltis das mais cruéis, fez com que o grupo se reunisse num restaurante e fizesse um pacto. Aquele time serviria de base para os próximos anos. Reforços? Só os pontuais. A equipe não seria desmanchada.
Graças a essa reunião, pudemos acompanhar a geração de Zico, Júnior, Adílio, Tita, que já estavam lá e que seriam somados a Leandro, Andrade, Vítor, Raul, Mozer e tantos outros que ajudaram a colorir de vermelho e preto o mundo.
Convido o leitor a embarcar nessa viagem, que tratará de mostrar não só as conquistas, como também os percalços no caminho. Afinal, nunca nada foi fácil para o Flamengo. Relembre jogos inesquecíveis, jogadas sensacionais e curta os bastidores daquela epopéia que tem início no Campeonato Brasileiro de 1977, disputado no começo de 1978. Passa pelo Certame Nacional de 78 até chegar no Carioca daquele mesmo ano e no inesquecível gol de Rondinelli, o ponto de partida para tantas voltas olímpicas, em tão pouco tempo.
Iremos juntos até o Brasileiro de 1983. Saboreando e revivendo as maiores conquistas do clube mais querido do Brasil!
Gustavo Roman
Capitulo 1- 1978
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1.1) As férias
Depois de perder de maneira traumática o estadual de 77, quando foram derrotados na disputa de pênaltis pelo Vasco, os jogadores do Flamengo se reuniram e firmaram um pacto. Era hora daquela equipe começar a ganhar títulos. Para Zico, “o marco inical daquela equipe vitoriosa foi a derrota no estadual de 77, especialmente pelo Tita. Ele era muito jovem e entrou só pra bater o pênalti. Acabou perdendo e o grupo se fechou em torno dele. Saímos do Maracanã arrasados. Fomos para um restaurante e fizemos um pacto. O time era esse, não precisava de reforços significativos. Nós seremos vencedores. Precisamos acreditar no trabalho que estamos fazendo. E assim foi. Só nós, jogadores e a Comissão Técnica estavam lá. Foi o início de tudo”. O primeiro desafio seria o campeonato nacional. A promessa seria posta a prova.
A campanha no certame nacional foi das melhores. Nas duas fases preliminares, o rubro-negro teve o terceiro melhor aproveitamento, ao lado do Botafogo e atrás apenas de Palmeiras e Atlético-mg. A equipe vinha embalada, mas a bagunça imperava na CBD. As fases decisivas do campeonato só seriam disputadas em 78.
Nas férias, como de costume, muitas especulações. Jairzinho, o furacão da Copa de 70, então jogando na Venezuela, chegou a tentar cavar a sua contratação. O Presidente Marcio Braga tratou logo de rechaçar qualquer possibilidade não somente dele, mas da chegada de qualquer reforço. Não havia dinheiro em caixa para isso. Mesmo assim, a imprensa ventilava os nomes de Mauro e Biro-Biro, atletas do Sport. Claro que ambos não passaram nem perto da Gávea.
A CBD definiu no início de janeiro os grupos da terceira fase. O Grupo S tinha além do Flamengo, Vasco, Santos, Corinthians, Caxias e Londrina. A chave T era composta por Atlético-mg, Botafogo, Cruzeiro, Bahia, Fast e América-rj. No grupo U, encontravam-se Ponte Preta, São Paulo, Xv de Piracicaba, Botafogo-sp, Sport e Grêmio. Finalmente, na chave V ficaram Operário-ms, Palmeiras, Santa Cruz, Remo, Desportiva e América-rn. Somente o primeiro classificado de cada grupo qualificava-se para as semifinais.
Antes da reapresentação dos jogadores, a Comissão Técnica, liderada pelo treinador Jaime Valente (substituto de Claudio Coutinho, dirigindo a Seleção Brasileira) escolheu a cidade de Vassouras para a pré-temporada. Ao mesmo tempo, Marcio Braga convocou uma reunião com os torcedores, para saber de suas aspirações e, especialmente, pedir para que eles se tornassem sócios do clube.
1.2) A Pré-temporada
Logo na reapresentação, no dia 18, Jaime Valente tratou de escalar a equipe que estrearia na terceira fase do brasileirão com Cantareli, Toninho, Rondineli, Nélson e Júnior, Carpegiani, Adílio, Luís Paulo e Zico, Osni e Claudio Adão. Nos testes físicos, Adílio mostrou uma forma excepcional, nem parecendo estar voltando de inatividade. Quando a CBD divulgou a tabela, a revolta tomou conta do Flamengo. A primeira rodada marcava o clássico contra o Vasco. Os dirigentes afirmavam, com razão, que se a partida fosse marcada mais pra frente, os jogadores estariam com mais ritmo de jogo e melhores preparados para desenvolver um futebol melhor. Além disso, o domingo marcado pela entidade coincidia com a realização do Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1, o que dividiria a atenção do público. Tudo em vão. Fla e Vasco iriam mesmo abrir a fase decisiva do nacional.
Depois de alguns dias de intenso trabalho físico, onde os preparadores Sebastião Lazaroni e Francalaci comandaram o show, Jaime marcou o primeiro coletivo do ano. Empate de 2 a 2 com os reservas, reforçados por três juniores que foram incorporados ao elenco de profissionais (Tita, Lino e Jorge Luís). Os gols foram marcados por Zico e Claudio Adão para os titulares e Tita e Jorge Luís, para os reservas. Mesmo com o pouco tempo de preparação, a atuação da equipe pouco agradou o treinador. Em sem velocidade e com problemas graves de posicionamento.
No dia 26, foi disputado o único amistoso antes do clássico. Mesmo enfrentando uma equipe amadora, formada pela seleção do Vale do Paraíba, o rubro-negro só venceu por 2 a 1 (gols de Zico e Nélson). Apesar disso, as perspectivas para a estréia eram boas. Afinal, o Vasco vinha tendo problemas para renovar o contrato de Dirceu, titular da Seleção Brasileira.
Na véspera do jogo, Marcio Braga entrou em contato com o Guarani, dono do passe do zagueiro Nélson, e avisou que o Flamengo iria comprar o jogador. O valor estipulado era de 900.000 cruzeiros, já que o fla já havia pago 100.000 quando do empréstimo. E para motivar ainda mais os jogadores, Coutinho, então em observações finais para a convocação da Seleção para a Copa da Argentina, iria assistir a partida.
Fonte: Urublog