Carioca e falta de atitude não são os vilões na Libertadores.

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Não sou muito fã do Bernardinho, mas há muitos anos ele disse uma frase que nunca esqueci. A seleção feminina de vôlei era notória freguesa das cubanas, que sempre interrompiam nossa corrida ao topo. E depois da derrota na Olimpíadas de Sidney, a imprensa queria saber do treinador as razões dos seguidos fracassos, sempre atribuídos a uma espécie de amarelada na hora decisiva, um certo desequilíbrio emocional. Bernardinho, com aquele jeito ríspido, foi – Detesto “psicologismos” como explicações para coisas óbvias. Cuba ganhou porque é melhor. No dia que o Brasil for melhor que Cuba, vencerá.
Nos últimos, sei lá, 10 anos, a Libertadores se tornou um parque de diversões dos times brasileiros, que passaram a vencê-la em série. Times com baixa expressão em conquistas nacionais, como Atlético MG e Inter, cujos últimos títulos foram conquistados quando a maioria dos leitores sequer era nascida, compensam seus insucessos derrotando os Pachucas e Olímpias. Analisando friamente, o Brasileirão e mesmo a Copa do Brasil são competições muito mais difíceis e com adversários são mais cascudos, mas pouca gente parece se dar conta disso. E se o Flamengo antes tinha participações bissextas no torneio do continente, elas agora são frequentes. Como joga e não vence, a torcida começa a buscar explicações para o fato da taça não vir para a Gávea.
O primeiro vilão é o atual mordomo do futebol brasileiro, sempre disposto a carregar a culpa por todas as nossas mazelas, o campeonato estadual. Há mesmo quem acredite que se o clube disputasse o Carioca com o time sub-17 e deixasse os titulares confinados no Ninho do Urubu, de lá saindo apenas para excursionar nos jogos da Libertadores, tudo seria mais fácil.
De nada adianta lembrar que nenhum dos últimos campeões da Libertadores adotou essa estratégia e alguns chegaram até a levantar os respectivos regionais no mesmo ano. Nenhum debate que envolva futebol é racional e conduzido por evidências, somos todos adeptos da lógica do wishful thinking.
O segundo culpado é uma suposta falta de atitude do time, carente de malícia, esperteza e garra. É uma linha de pensamento fundada na crença de que a Libertadores não é apenas um campeonato ditado pelas regras convencionais, mas há nele uma mística adicional, traduzida pela imagem de carabineros protegendo as cobranças de escanteio, pelo idioma castellano, pelas arquibancadas embaladas por ritmos marcados pelas murgas. Isso criaria um ambiente um tanto fantasmagórico, que amedrontaria nossos tímidos jogadores e os faria fracassar.
Pena que não é nada disso. O Flamengo, quando perde na Libertadores, encontra adversários de nome estranho e camisas esquisitas, mas que são simplesmente melhores do que nós, por mais duro que seja reconhecer. Para quem nasceu debaixo do Cristo Redentor, de frente para a Lagoa Rodrigo de Freitas e a poucos passos da praia do Leblon, não é fácil mesmo acreditar que uns bolivianos criados no ar rarefeito possam se apresentar dignamente, é melhor pensar que se trata de uma versão do Audax com traços indígenas. Mas nem sempre é assim.

Separei uma imagem. Com imagens talvez seja mais fácil convencer de que não tem nada de esquisito na nossa tímida campanha, só equívocos do futebol mesmo. São segundos antes da jogada que selou nossa sorte em La Paz. O Flamengo partia com a bola dominada na sua defesa. André Santos, pela lateral esquerda, sofre a aproximação de um adversário. Mesmo tendo Muralha livre ao seu lado, ele prefere um longo recuo para o Samir, que nem aparece na foto, mas todos sabemos que o zagueiro estava sozinho, na grande área, onde acaba escorregando e cedendo a posse de bola, o que o leva a cometer o pênalti, afinal convertido no único gol do jogo.
O que a imagem mostra? Primeiro, uma ótima visão do setor intermediário do gramado. Dá para perceber que o Flamengo saía para o jogo com 5 jogadores, mas o Bolívar marcava com 7. Isso nos primeiros minutos da partida, sendo que pouco antes o time local já tinha mandado um petardo em direção ao gol de Felipe. Ou seja, a tática do técnico espanhol que os caras contrataram para arrumar o time era semelhante à de Felipão na Copa das Confederações: um pressing absurdo no início do jogo, para forçar o erro do adversário na saída de bola. E onde estava o time do Flamengo? Sei lá, mas só posso acreditar que lá na frente, esperando uma bola longa para surpreender o adversário.
Agora me digam: como é que o Flamengo, jogando no estádio rival e na altitude (que interfere na trajetória da bola e cansa mais rápido), se apresenta para o jogo com o time tão espaçado? O lógico não seria o contrário, jogar compactado, sair tocando a bola com tranquilidade e ter superioridade numérica na defesa?
E notem o adversário, especialmente os que acham que o Bolívar disputaria a Série D do Brasileirão. O posicionamento tático é perfeito, os caras fecharam todos os espaços e forçam o Flamengo a cometer um erro. Não fosse naquele instante, seria logo depois. Quando André Santos recua a bola, bem na frente do atacante, ele já está correndo para ficar no mano a mano com Samir.
O único desfecho possível dessa jogada é um embate pessoal entre o atacante e o zagueiro, que era o último homem. A tendência, pelo espaço, é que o zagueiro triunfe, mas isso nem sempre acontece – e se o padrão se repete, uma hora a vitória pessoal acabará sendo do atacante.
Lances como esses tem se repetido na Libertadores (e mesmo em jogos do desprezado Carioca). O Flamengo está com uma crônica dificuldade de fazer a transição entre os setores e com uma proposta de jogo equivocada para situações específicas, especialmente nos jogos fora de casa.
Reconheço que Jayme teve limitações e situações inesperadas, mas a graça do futebol está em superá-las. E agora, que os bolivianos deram uma mãozinha na tabela de classificação (o que só reforça o conceito de que se trata de um time digno), está na hora de deslocar o foco para o que realmente importa no jogo chave contra o Emelec.
Não é o Carioca ou a falta da atitude correta que devem ser responsabilizados por nossas duas derrotas passadas. Nem mesmo a expulsão do Amaral ou o escorregão do Samir. O Flamengo simplesmente não está conseguindo jogar compactado, tem se oferecido como uma presa fácil para a marcação, o meio de campo não está funcionando.
Então, o caminho é fazer o básico: o empate nos serve, a pressão está com o adversário, a deficiência a ser corrigida é um controle melhor os espaços. Compacta o time, melhora a saída de bola, aumenta o senso de marcação e estuda exaustivamente as jogadas do Emelec, que não é nenhum bicho-papão.
E, mais do que nunca, fé nos Inexplicáveis Poderes do Manto. Vai dar certo, acreditem.
Walter Monteiro
Fonte: Urublog
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