O envolvimento com o jogo, a doação ao time, a sensibilidade de assumir ela própria o controle e conduzir a equipe, que sofria com suas limitações e seus desfalques. A sabedoria de perceber o quanto o título era importante para o clube após um ano duro, após traumáticas e seguidas derrotas para o rival. Assim foi a torcida do Vasco.
O êxtase de quem viu a taça perto, muito perto, após o gol de pênalti de Douglas. De quem tinha a convicção de que merecia ganhar.
O grito de gol ensandecido, um dos mais altos que este novo Maracanã já ouviu, após o empate que parecia improvável, nos acréscimos. O delírio após o apito final. Esta era a torcida do Flamengo ao fim do clássico.
Do outro lado da arquibancada, a decepção de quem tentava assimilar um duro golpe. O Maracanã viveu uma montanha russa de emoções. Quem estava lá, passou longe de ver um espetáculo brilhante. Mas viveu a mais genuína experiência do que é o futebol.
É isso que queremos destruir? Este campeonato não vale nada? Então por que uns riam, outros choravam? E a discussão provocada pelo erro capital da arbitragem? Por que tanto barulho, se a ocasião é tão desinteressante?
Porque quem faz do futebol parte importante da sua vida, sabe que clubes gigantes como Flamengo e Vasco, e como tantos outros Brasil afora, se alimentam de títulos, sim. E se este título for nacional, sul-americano, mundial, melhor.
Mas também se alimentam da rivalidade, do drama dos confrontos decisivos contra seus adversários tradicionais, jogos capazes de mexer com a memória afetiva do torcedor. Quando os rivais se enfrentam, há uma história em jogo. Não são 22 homens que disputam uma partida, uma taça. São duas instituições que cresceram se alimentando da disputa. É um capítulo a mais desta história sendo escrito.
Permitir que, ano após ano, esta rivalidade aflore numa decisão, num jogo de vida ou morte, é parte da nossa cultura. É patrimônio brasileiro, e não anomalia brasileira.
Mas a que conduz um Estadual? Classifica para que torneio? Libertadores, Mundial? Não, a nada. E nem precisa. A emoção, a experiência de viver uma final já nasce completa. É ganhar ou perder, viver ou morrer. Quantos jovens torcedores não podem ter se apaixonado ontem pelo futebol?
Claro que não precisamos ocupar três meses do ano com o Estadual. Claro que ele precisa se reformular. Só não podemos deixá-lo morrer. Cultura não se mata.
E por que o Flamengo foi campeão? Por que não o Vasco? Difícil explicar. Foi daqueles clássicos que soam como um apelo a nossa humildade. A humildade de entender que em futebol, muitas vezes, acontecem coisas que não se explica. A bola entra e ponto final.
Taticamente, como time, como coletividade, o Vasco era melhor. Foi melhor na grande maioria dos 180 minutos da decisão. E ainda teve mais alma, mais entrega. Parecia ser quem verdadeiramente desejava a taça como questão de vida ou morte.
O Flamengo tem um elenco com certa dose a mais de qualidade do que o rival. Nada extraordinário, mas sutilmente melhor. Talvez por isso, e ainda mais diante dos desfalques vascaínos, tenha sido dominado territorialmente, mas tenha corrido poucos riscos. Em esparsos contra-ataques, foi o Flamengo quem teve as melhores chances. Raras chances.
Só que, após as expulsões, após tomar o gol, foi-se o que o Flamengo ainda tinha de ordem tática. O time parecia entregue, a torcida também. E veio o gol de Márcio Araújo. Porque futebol não se explica.
Houve festa no Maracanã, houve festa na cidade. Mas há quem insista que não vale nada.
Fonte: Blog do Mansur