Portugal foi um dos países mais afetados pela crise econômica européia, inciada em 2008. Um em cada sete empregos desapareceu. A maioria a partir de 2011, quando entrou em vigor o plano de resgate internacional da economia portuguesa. Os dados são da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Números recentes mostram reação. O desemprego que era de 17,4% no ano passado aparece na casa dos 15,3% em índices mais recentes.
Claro que o futebol não passa ileso por tudo isso. Clubes perderam faturamento quando acabou o apoio de prefeituras, por exemplo. Ou ao serem comunicados por seus patrocinadores que não haveria como seguir juntos diante da óbvia queda de consumo. E, naturalmente, torcedores passaram a ir menos aos estádios num momento no qual desempregados obviamente não podem comprar ingressos e quem seguem na ativa precisa economizar o que puder ante o risco de perder o trabalho amanhã.
Atletas de times menores passaram por maus momentos em Portugal desde que a crise européia teve início. Houve brasileiros que ficaram sem clube e tiveram que procurar empregos em outras áreas, informais até, sem registro ou qualquer garantia. Era a única opção para sobreviverem até surgir nova oportunidade em algum clube — clique aqui e leia mais a respeito.
Num cenário desses, mais do que nunca os times de lá não aparecem exatamente como grandes potências internacionais. E evidentemente passam longe de competirem com os mais ricos. Mas ainda assim contratam muito. Sul-americanos em especial, a ponto de terem mais jogadores do que podem utilizar. E então emprestam essas “sobras” aos clubes brasileiros, que, cada vez mais, duelam por elas.
Primeiro foi Elias, que o Flamengo utilizou em 2013 e tentou contratar de vez no começo do ano. Não chegou a um acordo com o Sporting e anunciou sua desistência. Então o Corinthians entrou na parada de vez e os rubro-negros voltaram às conversas com os dirigentes do clube de Lisboa. Um quase leilão foi estabelecido e os corintianos ficaram com o atleta. Detalhe: pagando € 500 mil a mais do que receberam quando o venderam, três anos antes. Negócio estranho, não?
Agora é Alan Kardec, que o Benfica contratou ao Vasco e já emprestou ao Santos e ao Palmeiras. No time alviverde virou destaque. E motivo de duelo com o São Paulo, que está levando o atacante para o Morumbi. Um atleta que se valorizou por conta de uma especulação sobre sua convocação para a seleção da CBF, que ainda não aconteceu desde então. Um bom jogador, de fato, mas superestimado no momento.
Como Elias, Kardec encontra no combalido futebol brasileiro uma valorização mais do que exagerada. Sem mercado na Europa, ambos reinam por aqui como se fossem as últimas bolachas (ou biscoitos) do pacote. Talvez até sejam. O fato é que esse cenário merece pelo menos uma reflexão. Eles valem tanto? Por que lá fora não dão a mínima para ambos e aqui há toda essa loucura por esses jogadores, que de fato se destacam no Brasil?
No caso de Alan Kardec, vale ressaltar que suas boas atuações e gols de 2013 para cá aconteceram em massacrante maioria em competições menores. Metade dos 28 tentos foram feitos na Série B. Outros 9 no Campeonato Paulista com a camisa do Palmeiras. Três na segundona portuguesa pelo Benfica B e apenas um na Taça da Liga a versão lusa da Copa do Brasil (veja o quadro acima).
Em primeira divisão, independentemente do país, um gol, contra o Criciúma, na primeira rodada deste ano. O site Futdados detalha isso tudo — clique aqui e confira os números dele e de outros jogadores, como Hernane “Brocador”, Jô, Alexandre Pato, Fred, Leandro Damião, Diego Tardelli e Luís Fabiano.
Kardec marcou em clássicos, um contra cada rival paulista, Santos, Corinthians e São Paulo, para onde se encaminha. Mas teve a maioria dos seus bons momentos diante de times menores (veja o quadro à esquerda). É um jogador que tem atuado bem, de fato, mas ainda não teve sequer a chance de provar, desde seu retorno ao Brasil, que vale tanto assim. E apenas como curiosidade, no Benfica se destaca Lima, centroavante que passou pelo Santos em 2008 após perambular por Paysandu, Iraty, J. Malucelli, Paraná e Juventus. Ainda defendeu o Avaí antes de se aventurar por Belenenses, Braga e chegar ao campeão português.
Walter é outro que foi desejado por muitos times brasileiros na virada de 2013 para 2014. O robusto centroavante, que não gostou de ficar fora da vitória do Fluminense sobre o Palmeiras por 1 a 0, já foi emprestado a Cruzeiro e Goiás pelo Porto, desde que o clube português o contratou ao Internacional, em 2010. Mesmo tendo se saído bem no ano passado, os portistas não se interessaram por seu retorno, repassando-o aos tricolores até o final do ano que vem.
É claro que não existe uma lógica nisso. Há quem tenha mais sorte aqui ou ali, se adapte melhor e mais rapidamente, quem tenha maiores chances ou não caia nas graças do técnico. Mas todas essas informações servem para cada um de nós parar e pensar: jogadores que times de Portugal não querem ver por lá são disputados a tapa pelos grandes do Brasil. Isso é normal?
Fonte: Blog do Mauro Cezar Pereira