Após semanas sendo bombardeado pela torcida, pela mídia e, hoje sabemos, por parte da cartolada que manda no Flamengo, Jayme de Almeida rodou. Mandar o técnico embora quando os resultados em campo não aparecem é a solução preferida entre os chamados executivos do futebol brasileiro. Não adianta porra nenhuma, mas dá a impressão de que algo está sendo feito, além de ser muito mais fácil e barato mandar só um pra vala do que demitir 22 jogadores.
Fui contra a saída de Jayme desde a primeira especulação a respeito, sou um fanático pela continuidade administrativa e nunca coloquei na conta do treinador as evidentes carências em material humano que o Flamengo apresenta. Com esse elenco capenga e seus titulares vitalícios trocar de técnico é como flagrar o Ricardão chacoalhando a esposa e mandar tirar o sofá da sala. Mas diante da comoção provocada pela demissão do Jayme é pura perda de tempo tentar discutir a adequação da medida.
Porque mesmo aqueles que esbravejavam há meses pela cabeça do treinador se revoltaram com a forma como, supostamente, se deu a demissão. Insuflados por uma cobertura esportiva demagógica e muito jeca, que promove o coitadismo e se arroga o direito de determinar externamente o modus operandi dos clubes, geral caiu de pau na diretoria do Flamengo. Que já não é das mais queridas, principalmente por ter construído, quero acreditar que contra sua própria vontade, uma imagem arrogante e elitista ao adotar com frequência medidas duras, antipáticas, antipopulistas e antieleitoreiras.
Demissões nunca são suaves, sempre causam dor. No Flamengo então as demissões são tradicionalmente traumáticas. Lembram como Luxemburgo foi demitido em 2012, minutos apos a presidente do Flamengo garantir urbi et orbi a sua permanência após a classificação para Libertadores diante do Real Potosí? E a auto-demissão de Mano Menezes, na coletiva pós-jogo? E a demissão do Zico, que pediu o boné pelo Whatasapp?
Ninguém acha legal ficar sem emprego. E muito menos se é um emprego com alto salário e enorme projeção pública. Fato que, a princípio, justifica qualquer reação negativa por parte do demitido e de seus pares, posto que o corporativismo é um sentimento natural e instintivo entre qualquer categoria profissional. Mas é uma frase que deve ser dita preferencialmente cara a cara, olho no olho, doa a quem doer. Noblesse oblige.
Quase ninguém contesta a demissão em si, mas quase todo mundo se revoltou com o fato do Jayme não ter sido avisado antes que o Anselmo Góis publicasse a nota em sua coluna n’O Globo. Como se o Flamengo tivesse algum poder para evitar os vazamentos de informações e controlar a busca incessante dos profissionais de mídia por notícias exclusivas, furos e bombas. Como se o Flamengo fosse capaz de contratar ou demitir alguém em sigilo. E durante boa parte do dia de ontem o Flamengo ficou tomando porrada de todos os lados, mesmo sem ter confirmado oficialmente a demissão.
Vacilou o Flamengo? Sim, e muito, porque independentemente do planejamento que havia sido feito para comunicar a demissão do Jayme esse planejamento caiu por terra quando saiu a nota do Anselmo. O Flamengo não reagiu, se manteve monolítico, aferrado ao seu planejamento de comunicação prévio, sem se adaptar à realidade dos acontecimentos. E enquanto não falou com Jayme o Flamengo não se pronunciou oficialmente. Provavelmente porque sabiam que demitir o treinador pelo telefone repercutiria muito mal.
Enquanto isso, na praia, em seu dia de folga, Jayme não se furtou a atender aos jornalistas que o procuravam. E sem menor cerimônia se pôs a comentar a sua demissão antes de ter falado com alguém do clube. Angariou simpatia, se vitimizou, mas foi profissionalmente insubordinado, já que como funcionário do clube não deveria ter discutido a matéria com a imprensa antes de conhecer a posição oficial do clube.
Cá pra nós, Jayme demonstrou uma certa ingenuidade ao se declarar perplexo e surpreso com o desfecho de sua temporada no cargo. Jayme tem mais de 40 anos de futebol profissional nas costas, já sabe perfeitamente como as coisas são no Flamengo. Treinador de futebol é um cargo transitório, sujeito à cobranças imediatas e definitivas e Jayme sabia muito bem que poderia ir pra pista a qualquer momento. Não ter percebido que o gato estava há semanas no telhado com os resultados que vinha obtendo em campo depõe contra sua inteligência.
Jayme deu mole, se expôs desnecessariamente e foi usado sem escrúpulos por maus jornalistas muito mais compromissados com a busca pela audiência do que com o relato isento dos fatos. Garoteou clamorosamente. Mas o Flamengo também deu muito mole. Após o vazamento da informação deveriam ter encontrado Jayme e formalizado a demissão que já era de conhecimento publico. Mesmo que fosse pelo telefone. Não o fizeram e expuseram o clube durante intermináveis horas à sanha da carnívora imprensa de Sucupira.
O pior foi que o Flamengo voltou a vacilar quando se pronunciou oficialmente. A nota oficial foi desastrosa, vazada no repugnante estilo de roteiro de telemarketing, deu a impressão de que se dirigia à imbecis incapazes de discernir entre o certo e o errado. O que será que passa pela cabeça do autor da frase – vemos que chegou a hora da implantação de uma nova etapa, já prevista anteriormente no plano de trabalho elaborado pelo Conselho Diretor do Flamengo? Melhor nem comentar sobre quem aprovou o texto da nota.
Imaginem se os clubes tivessem a obrigação moral de comunicar ao seus treinadores da iminência de suas substituições antes que se iniciassem as especulações sobre o tema na imprensa. O Flamengo teria que ter avisado ao Jayme que ele seria demitido mais ou menos em dezembro do ano passado. É óbvio que não é assim que a banda toca. Não pode ser o Anselmo Góis, nem o PVC e nem a Sonia Abrahão quem vai decidir a hora em que o Flamengo tem que ligar pro seu funcionário. Essa prerrogativa ainda é do clube. Mas depois que arrombaram a porta o clube não pode se esconder, tem que se posicionar o mais rápido possível. Mais um mole em Comunicação, o calcanhar de Aquiles dos carecas.
Talvez seja novidade pra muita gente, mas o futebol profissional é um sistema bruto e impiedoso onde, infelizmente, há muito pouco espaço para a ética. Os resultados dentro de campo são determinantes, se eles não aparecem o planejamento vai pro espaço e os contratos assinados são rompidos com extrema facilidade. Exatamente por isso que alguns contratos de trabalho tem uma multa rescisória alta. É pra ninguém ficar putinho quando for demitido. Caso alguém ainda não saiba, a multa rescisória do Jayme é de 3 milhões de reais.
Dizem que vem aí Ney Franco. É bom que ele seja informado de uma imutável Lei da Natureza: que o grande favorito pra ser o próximo ex-técnico do Flamengo é sempre o atual técnico do Flamengo. Para evitar a reedição de mimimi ridículo e demonstrar todo seu profissionalismo a diretoria do Flamengo tem que chegar pro Ney Franco enquanto ele ainda está segurando a caneta com que assinou seu contrato e falar assim: Olha, Ney, seja bemvindo, mas fique sabendo que estamos pensando em demiti-lo. Não se preocupe, não é pra agora, mas assim você já fica avisado.
Fonte: Urublog