O Flamengo, como poucos, é pródigo em mastigar os seus filhos.

Quando Jayme de Almeida resolveu relacionar Carlos Eduardo, o Fantasma do Planejamento, num jogo-chave contra o Bolívar pela Libertadores, em La Paz, pensei: “está aí uma sentença”. Naquela escalação, como noutras, o Jayme de 2014 parecia à espera da Redenção do Destino, força destinada a curar os feridos e reparar os humilhados. Nos piores momentos deste ano frio e de arquibancadas frias para um Flamengo de pouco talento, reconheçamos: Jayme entregou-se ao cata-vento.

Dito isso, impressiona a maneira como Jayme, ganhador do primeiro título nacional do Flamengo em quatro anos, foi demitido. Aliás, não impressiona. O Flamengo, como poucos, é pródigo em ser Cronos, em mastigar os seus filhos. O que já fez com Andrade, no time principal, e com Adílio, na base, é o que o Flamengo faz agora com Jayme, zagueiro campeão carioca de 1974 e treinador campeão da Copa do Brasil de 2013 e do Carioca de 2014.

Sim, no Flamengo, os serviços prestados conduzem ao limbo: não garantem transparência na hora do “adeus”, longe disso. Por que Jayme não sabia? Por que o clube não considerou Jayme digno de saber? Por que Jayme não foi avisado da procura por um substituto? Na ausência de evidências em contrário, titulares de cargos de confiança devem ser tratados num regime de confiança (no fim, inclusive) – não no Flamengo: na Gávea, batatas assam in absentia.

(Aderisse à moda das seleções da Copa e lançasse um novo slogan para seu ônibus, o Flamengo desta segunda-feira já teria um: “O motorista perdeu o emprego e não sabe”.)

Há quem culpe a imprensa, por ter revelado algo destinado a correr “em seu curso”, entre quatro paredes. Pois parabéns à imprensa, tão combalida. É papel dela noticiar bem e noticiar logo, de preferência. Se por isso ela é culpada, algo de errado há com quem a culpa.

O peixe que Jayme comia com sua mulher quando soube da notícia já estava frito. Que agora encontre mercado. Que não caia no ostracismo reservado aos treinadores negros no Brasil – fenômeno que os cínicos atribuem às leis do mercado. Que esteja Jayme na vanguarda, sempre de chuteira preta, ao lado de nomes como Cristóvão Borges.

Fonte: Chuteira Preta