É fácil apagar as pegadas. Difícil é caminhar sem pisar o chão.
Lao Tsé existiu? Se existiu, tudo o que se atribui a ele foi realmente dito pelo fundador do Taoismo, aquela filosofia do Yin-Yang? Não importa, a frase acima teria sido dita por ele e, convenhamos, é bem bonita.
Nessa semana que agora termina o Flamengo viveu de tudo um pouco. E chega ao fim dela com o ânimo renovado, a esperança em alta, a torcida unida para buscar a necessária reação no Campeonato Brasileiro. De uma hora para outra, todo mundo que estava com os ânimos no fundo do poço passou a acreditar com firmeza na volta por cima.
E por que? Porque, finalmente, saímos da inércia e começamos a agir. Medalhões come-dorme foram afastados, o técnico foi substituído, os reforços foram inscritos, a torcida promete apoiar até em treino, há uma busca frenética por ingressos, agora mais em conta. Tudo mudou, rapidamente.
O que foi decidido essa semana podia ter acontecido há 1 mês ou até mais, só que o tempo foi passando e ninguém fez nada. A vexatória exibição em Porto Alegre fez com que todos se mexessem. E, dentre esses, um grupo de ex-presidentes, capitaneados por Márcio Braga, foi visitar nosso querido Eduardo Bandeira de Mello pedindo providências.
Esse episódio foi o pontapé inicial da mudança, mas agora, que o céu se abriu, a moda é criticar quem lá esteve. Faz sucesso no mundo digital um ótimo texto chamado “O Ataque das Múmias“, criticando a iniciativa dos nossos ex-presidentes.
O texto, como disse, é bom, mas acho deplorável que a gente aja com esse nível de desprezo ao nosso passado – o que é uma contradição em si mesmo, dado que o nosso melhor está, justamente, na época que algumas das “múmias” comandavam o clube.
O que mais me surpreende na atual direção do Flamengo é a obsessão diuturna pela política interna. Eles respiram política 100% do seu tempo. Na minha visão, foi justamente essa pressão de ex-presidentes que fez a diretoria se mover – afinal, se era para afastar André Santos ou trocar Ney Franco, por que não antes?
Se “múmias” fossem, só por isso já teria valido a pena terem levantado da tumba, porque o astral, felizmente, mudou. Mas, convenhamos, múmias não é o termo mais adequado a quem se doou tanto pelo Flamengo.
Como Eduardo Bandeira de Mello está aprendendo a duras penas, é muito abrasiva a vida de um presidente do Flamengo e curta a distância entre o aplauso e o desprezo. Ele sofre, hoje, o que muitos outros antes sofreram, impotente para dar conta de tantos problemas com recursos tão escassos.
Se todos os que o antecederam são “múmias” a assombrar nosso futuro, é o caso de perguntar: como, afinal, nos tornamos o maior clube do país, com crescimento acelerado justamente nos últimos 40 anos, quando a nossa distância para os nossos rivais aumentou?
Eu tenho muito respeito por cada um que se sentou naquela cadeira mítica e, com graves sacrifícios pessoais, se doou ao Flamengo por alguns anos. Até para os mais criticados e odiados eu olho com carinho, porque em todos eles há uma paixão latente pelo Flamengo e os muitos erros quase sempre eram frutos da ansiedade de acertar.
Poderia falar de vários ex-Presidentes, mas vou me ater somente a dois grandes, que merecem o nosso máximo respeito.
George Helal, que dá nome ao nosso CT. Futuro CT, melhor dizendo, porque ali é uma eterna obra inacabada. Ele batiza o CT porque teve o mérito de comprar o terreno em 1984, quando a maioria dos leitores não era nascida ou era bem pequena – até eu, que sou coroa, era menor de idade. E, por incrível que pareça, esse terreno é a nossa única aquisição patrimonial nesses anos todos. Helal, que tem 82 anos, vai a Gávea com frequência, costuma estar presente em todas as reuniões do Conselho e atende a todos com simpatia, embora cada vez menos os mais jovens o procurem para conversar ou sua opinião seja tomada com atenção.
Marcio Braga, tão criticado e suposto líder das ditas múmias, tem 78 anos e vai menos ao clube, porém é muito ouvido nas horas de crise. Dos 6 títulos brasileiros que temos, Marcio era presidente em 4 e nos outros 2 era presidente do Conselho Deliberativo. A história do Flamengo se conta antes dele e depois dele. Será que não sobrou um cantinho de gratidão no nosso coração por ele?
Atrasos de salário, dívidas impagáveis, vexames desportivos, nada disso é exclusividade de uma gestão em particular no Flamengo e não estamos livres disso nem na atual. Como o Flamengo não começou em janeiro de 2013, acho de bom tom reconhecer o valor do nosso passado, porque mesmo que se queira apagar as pegadas, é preciso pisar no chão que muitos construíram.
Além disso, a busca por culpados costuma trazer punição aos inocentes. Como sempre diz nossa querida supervisora de conteúdo, a doce e culta Vivi Mariano, o Flamengo é unidade na diversidade. É disso que precisamos.
Que bom que a pressão das ditas múmias e de tantos outros, nós aqui inclusive, tirou o clube da inércia e nos trouxe de volta a esperança.
Pra cima deles, enfim.
Fonte: Magia Rubro-Negra