O Flamengo vive em estado de ebulição, é pressão de tudo quanto é lado, mas Eduardo Bandeira de Mello segue sereno, como de costume. Apesar de admitir viver o pior momento em 19 meses de gestão, o presidente rubro-negro tenta manter a calma e o equilíbrio para tirar o clube do buraco onde se encontra no futebol e corre riscos de retornar até mesmo em termos financeiros. A fala mansa e pausada são características de sua personalidade e também vão ao encontro de uma certeza do mandatário: o Fla não disputará a segunda divisão do Brasileirão em 2015. Otimismo traduzido em palavras, por mais que a tabela apresente a última colocação na competição.
– A queda não vai acontecer. Até porque, a queda traz consequências econômicas e tenho certeza de que não vai acontecer. Agora, acho que não é necessário fazer nenhum tipo de loucura, de irresponsabilidade. Não é algo da minha natureza ou das pessoas que estão no Flamengo. Estamos tentando mudar a imagem do clube, a imagem de mau pagador. Pagar impostos não é uma questão de opção de financiamento. Acho que isso é uma coisa que devemos praticar como cidadãos e como clube. A queda não vai acontecer. Estamos trabalhando para isso.
O fraco desempenho em campo tem transformado tudo que cerca do departamento de futebol em uma espécie de campo minado. Qualquer passo em falso pode resultar na explosão de uma bomba. Na derrota para o Internacional, no Beira-Rio, foi assim, e a vítima foi André Santos. Primeiro, foi agredido por torcedores. Depois, revelou ter ouvido da diretoria a decisão de que seu contrato será rescindido. Realidade que Bandeira de Mello não confirma, mas também não nega sob justificativa de que “todos vivem constante avaliação”.
Avaliação que obriga também Ney Franco a vencer o Botafogo, domingo, no Maracanã, para seguir no cargo de treinador. O que não muda no Flamengo é a chamada política de austeridade. Bandeira deixou claro que não fará nenhum tipo de loucura para reforçar a equipe. A folha salarial atual, no entanto, aponta para números astronômicos, que não condizem com o futebol apresentado em campo. No total, quase R$ 9 milhões são gastos por mês, com cerca de R$ 5 milhões destinados ao elenco atual. O presidente se justifica:
– É claro que é muito, mas não existe outra alternativa. A nossa folha, sem esses penduricalhos todos do passado, não é grande em relação aos outros principais clubes brasileiros. Se formos olhar os 12 grandes, eles não têm uma folha inferior. Alguns são muito superiores. O que tentamos fazer é minimizar esse custo com boas negociações. Temos conseguido isso ao longo do tempo. Algumas negociações não foram bem sucedidas, mas isso acontece com todos os clubes. Nossa filosofia é de sempre buscar o melhor pagando o menos possível.
Bandeira de Mello aproveitou o longo bate-papo com o Globoesporte.com, na sala de presidência da Gávea, nesta terça-feira, para falar ainda dos protestos de torcedores no último fim de semana. Fosse no embarque e no desembarque no Galeão, para partida com o Inter, ou após o revés no Sul, o tom foi de hostilidade, com muitas cobranças e ofensas verbais, além da já citada agressão a André Santos. O mandatário, por sua vez, evitou generalizar nas condenações e manteve o tom cordial ao falar de torcidas organizadas.
– Temos que estar preparados para conviver com isso. Sou torcedor de arquibancada e conheço esses movimentos. Temos que respeitar. Afinal de contas, no movimento de torcida organizada há gente muito bem intencionada (…) O que aconteceu com o André Santos foi extremamente desagradável, é condenável, e tenho certeza que não partiu da direção das organizadas. Sem contar que estamos falando de um jogador que estava defendendo o Flamengo. Por mais que parte da torcida possa ter restrição, violência não é o caminho e nada justifica um gesto brutal e covarde.
Eduardo Bandeira de Mello falou ainda sobre a dívida de R$ 80 milhões por conta de correção na conversão de valores em transferências de jogadores na década de 90 que bloqueou o pagamento do patrocínio da Caixa Econômica Federal, e admitiu que é necessário abreviar um acordo para que as Certidões Negativas de Débito não fiquem em risco. Na conversa, avaliou também as 24 contratações do clube em duas gestão e explicou o rumo político rubro-negro, com o distanciamento de figuras determinantes para a tão propagada Chapa Azul.
Confira a íntegra da entrevista:
Este momento que o Flamengo está vivendo é o mais delicado de toda sua gestão? Como o presidente do clube avalia a realidade atual?
– É o momento mais delicado, principalmente porque, acima de tudo, sou torcedor. Ver o time em último lugar no campeonato é extremamente desagradável para o torcedor. O presidente sabe que muita coisa está sendo feita para reverter essa situação, que, com certeza, será revertida. Temos informações que nos permitem avaliar tudo que aconteceu neste início de campeonato e o que pode acontecer. Temos a consciência de que as coisas estão sendo bem tocadas. Para o torcedor, é difícil conviver com uma situação dessas e é preciso conviver com outros torcedores, como amigos, filhos, irmãos…
A situação chegou a um ponto extremo, onde novas decepções podem gerar episódios ainda mais delicados. Qual sua posição a respeito de todos os protestos que aconteceram nos últimos dias e como isso influencia na tomada de decisões?
– Temos que estar preparados para conviver com isso. Sou torcedor de arquibancada e conheço esses movimentos. Temos que respeitar. Afinal de contas, no movimento de torcida organizada há gente muito bem intencionada. Outro dia me entregaram um manifesto pedindo uma série de coisas e fiquei impressionado de ver que não tinha nada que fosse em benefício próprio, nenhum pedido de ingresso, viagem de graça… Foram todas colocações que podemos concordar ou não, mas reivindicações sobre o time, ao desempenho, a imagem do Flamengo. As pessoas que me abordaram no embarque foram educadas. Ninguém me tratou mal ou xingou. Claro que a situação de estar em último desagrada a todos, mas não vi problema da organização das torcidas. O que aconteceu com o André Santos foi extremamente desagradável, é condenável, e tenho certeza que não partiu da direção das organizadas. Até porque, é algo que pode prejudicar muito o Flamengo, gerar punições. Sem contar que estamos falando de um jogador que estava defendendo o Flamengo. Por mais que parte da torcida possa ter restrição, violência não é o caminho e nada justifica um gesto brutal e covarde.
Como você vê o risco de rebaixamento do Flamengo atualmente? É algo que já assusta ou ainda há muito tempo pela frente?
– Nós temos que estar sempre preocupados. Pela minha natureza, sou sempre assim. Podia estar em segundo lugar que ia me preocupar com a possibilidade de não chegar em primeiro. Temos que estar sempre alerta e agindo para que nenhuma ameaça se concretize. Tenho plena confiança de que vamos sair dessa situação, vamos nos recuperar. Dizer que não estou preocupado seria contrariar minha natureza. Sou paranoico por excelência.
Um risco mais forte de queda pode fazer com que o Flamengo mude a conduta de administração desta gestão ou mesmo que isso aconteça é algo que não fará com que o clube tome medidas por maiores investimentos?
– A queda não vai acontecer. Até porque, a queda traz consequências econômicas e tenho certeza de que não vai acontecer. Agora, acho que não é necessário fazer nenhum tipo de loucura, de irresponsabilidade. Não é algo da minha natureza ou das pessoas que estão no Flamengo. Estamos tentando mudar a imagem do clube, a imagem de mau pagador. Pagar impostos não é uma questão de opção de financiamento. Acho que isso é uma coisa que devemos praticar como cidadãos e como clube. A queda não vai acontecer. Estamos trabalhando para isso. Medidas que vamos tomar que não estavam no nosso radar é abaixar o valor dos ingressos para o jogo com o Botafogo, será bem inferior. Podemos manter essa política, mesmo sabendo que é algo que vai nos causar contratempos do ponto de vista financeiro. É um sacrifício que precisa ser feito e quero pedir para o torcedor comparecer. Quem puder, que prestigie o sócio-torcedor para compensar essa perda de receita. Não é nem questão de ter direito de pedir, mas como presidente e torcedor gostaria de ver nossa torcida comparecendo e apoiando. Nada vai ser mais decisivo na recuperação do que esse apoio. A torcida pode ter restrições ao time , que certamente não está com um bom desempenho ao longo do campeonato, mas nada nos fará melhorar sem esse apoio.
Mas a diretoria diminui o preço para atrair o torcedor. Se a situação ficar melhor no Brasileiro e o time chegar novamente nas fases finais da Copa do Brasil, é um valor que pode ser mantido até como forma de gratidão?
– Podemos conversar. Não tinha pensado nisso. Acho que o que a torcida quer mesmo é ver o time vencedor. Se superarmos essa fase e conseguimos chegar no período decisivo da Copa do Brasil, como estava na final do ano passado… Mesmo com o aumento dos preços a resposta da torcida foi excelente. O que pretendemos dar em contribuição é uma recompensa interessante no ponto de vista técnico e de vantagem.
No ponto de vista financeiro, o clube também tem tido problemas desde a revelação da nova dívida, tanto que há atrasos e o pagamento da Caixa está retido. Qual a situação de momento?
– Temos que estar preparados para os contratempos, mas não vamos mudar a nossa conduta de responsabilidade. Daqui a algum tempo, ninguém vai se lembrar disso, porque vamos conseguir controlar esse problema. Estamos trabalhando muito para em breve ter retomado o pagamento da Caixa, o que vai nos permitir voltar para uma relação relativamente confortável. São coisas que acontecem. A diferença é que em outros clubes a pessoa diz que não vai pagar mais os impostos, etc… No caso do Flamengo, estamos com esse problema, mas não deixamos de pagar um centavo de imposto. Até para mostrar para torcida que damos o exemplo, mas também para o Governo que não alteramos a filosofia.
Essa dívida coloca em risco de alguma maneira as CNDs?
– Poderia colocar se a coisa se estender por algum tempo, mas esperamos que nas próximas semanas tudo esteja equacionado.
Vocês tentam a redução ou o parcelamento desta dívida?
– Estamos buscando alternativas. Alguns clubes tiveram este mesmo tipo de cobrança e conseguiram provar na Justiça que era indevido. Podemos partir para o mesmo caminho, mas todas as alternativas estão sendo consideradas. O importante é que nenhuma dívida deixa de ser paga.
O Flamengo adota o discurso de austeridade, mas apresenta uma folha salarial no departamento de futebol de R$ 9 milhões, sendo cerca de R$ 5 milhões só com o elenco atual. Esse valor não é muito alto?
– É claro que é muito, mas não existe outra alternativa. A nossa folha, sem esses penduricalhos todos do passado, não é grande em relação aos outros principais clubes brasileiros. Se formos olhar os 12 grandes, eles não têm uma folha inferior. Alguns são muito superiores. O que tentamos fazer é minimizar esse custo com boas negociações. Temos conseguido isso ao longo do tempo. Algumas negociações não foram bem sucedidas, mas isso acontece com todos os clubes. Nossa filosofia é de sempre buscar o melhor pagando menos possível.
Das 24 contratações realizadas na sua gestão, podemos dizer que apenas Elias e Paulinho deram certo. Você diria que muitos investimentos foram errados?
– Não concordo com essa análise. Praticamente todos os clubes fizeram números semelhantes. Trouxemos esses jogadores, mas dispensamos outros tantos. O que houve foi uma renovação do elenco. Achar que só o Elias deu certo é um exagero. O Wallace deu certo e virou titular, o Léo, lateral-direito, está contundido, mas foi eleito o melhor do Brasileiro, os dois que contratamos agora (Canteros e Eduardo) são de renome internacional, o Alecsandro foi o artilheiro do Carioca, o próprio Hernane, que veio da gestão anterior, o clube tinha perdido a contratação e tivemos que contratar de novo, o Paulinho… Alguns outros, como o próprio André Santos, que foi importante na campanha da Copa do Brasil. Outros vieram para compor elenco, entram e saem do time e têm um potencial grande, caso do Gabriel, do Bruninho, que está emprestado e pode dar certo.
A diretoria optou pela continuidade do Ney Franco e medidas devem ser tomadas para que o time mude o panorama atual. Temos a informação de que foi decidido que o André Santos terá o contrato rescindido, além de outros nomes. Como presidente, como você vê isso? A troca de peças é a melhor alternativa?
– A troca de peças é natural. Nenhum contrato foi rescindido, mas é evidente que faz parte de um processo natural rever e renovar o seu elenco em momentos necessários. Nenhuma decisão está tomada. Tanto jogadores, como treinadores, diretores, presidentes, estão sob permanente avaliação. O futebol é dinâmico e é algo que acontece em qualquer empresa. Não é pelo fato de passarmos por um momento de crise. Avaliamos para em determinados momentos fazer, ou não, ajustes.
Alguns vice-presidentes importantes se desligaram do clube ao longo da gestão. Queria saber que tipo de influência o Wallim ainda tem no Flamengo e qual a situação do Tostes, vice de finanças, que está um pouco mais afastado por obrigações com a organização das Olimpíadas?
– Todo nosso corpo de vice-presidentes é formado por pessoas altamente bem-sucedidas na vida empresarial e que têm seus negócios para tocar. Isso foi muito dito na campanha e explicitamos que tudo seria tocado por profissionais. Desde o primeiro dia, os vices compõem um conselho de administração que atua no ponto de vista estratégico, define diretrizes, e cobra resultados. Isso vale para todos. A exceção sou eu, que decidi dar meu tempo integral para o Flamengo. Temos um corpo de profissionais altamente qualificados. Nossa administração é assim. O Wallim deixou de ser vice, mas segue nos ajudando e é parte do conselho, assim como o Tostes.
Fonte: GE