Começo reverenciando a Vivi Mariano, cujo estilo próprio e incomparável sempre relaciona seus maravilhosos textos com letras da MPB.
Vivi, minha querida, com licença. Vou de Alceu Valença em Anunciação:
Na bruma leve das paixões que vêm de dentro
Tu vens chegando pra brincar no meu quintal
No teu cavalo peito nu cabelo ao vento
E o sol quarando nossas roupas no varal
Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais
A voz de um anjo sussurrou no meu ouvido
E eu não duvido já escuto os teus sinais
Que tu virias numa manhã de domingo
Eu te anuncio nos sinos das catedrais…
A vida sempre tem prós e contras, às vezes menos de um e mais de outro, dependendo do momento. Mas, no cômputo geral, acabam se contrabalançando. Escorraçaram o Brasil da Copa, restando a vantagem dessa história: o exemplo para os responsáveis pelo Flamengo. Em todos os níveis, dentro de campo e fora dele, convinha que profissionais e amadores do clube prestassem atenção aos sinais.
Vamos começar pelo drama dos torcedores. Há imagens mais significativas e conclusivas do que as crianças chorando as lágrimas puras da infância? A humilhação líquida escorrendo pela tinta das bandeirinhas pintadas na face, enxaguando a vergonha do rosto franzido de dor. Choraram também adultos, mulheres, homens e idosos. Sofreram muito quase todos, até os que fingem não se importar com a seleção brasileira. Sofreram mesmo os que torceram contra ela em 1970 e agora pretendiam levar vantagem política com ela. apesar de deixarem os argentinos jogarem mais de uma vez no Maracanã e o Brasil nenhuma vez. A julgar pelos atos dessa genet, em Brasília e no Rio, o coro de político deve ser AHA, UHU, O MARACA É DELES! Enfim, nas caras pintadas os desenhos borrando e sumindo, enquanto o tatuador do destino iniciava o trabalho de eternizar data, local e placar. Muitos vestiam o Manto Sagrado, por mera coincidência.
Por falar em Manto Sagrado, e descrendo do acaso, a camisa dos nossos implacáveis algozes foi mais do que sugestiva. Era idêntica. Aplicar a maior goleada do currículo da amarelinha teve um significado especial, deixou a marca na testa do futebol brasileiro. A cicatriz da cirurgia em gramado nacional ocultou a desgraça do Barbosa e o silêncio do Maracanazo. A fúria germânica operou com a espada em brasa nosso orgulho de pentacampeões. E o fez com a simbologia de vestir a mais popular das camisas do futebol brasileiro, envergando um simulacro do Manto Sagrado. Nada mais indicativo. Talvez a presença da Argentina na final do Maracanã, onde a seleção brasileira não pisou na Copa, o ingrediente que faltava.
E o goleiro? Num requinte de crueldade, antepuseram ao massacre um guardião rubro-negro. Guerreiro conhecido pela sua coragem, personalidade e brio, mais uma vez se portou com dignidade. Não só impediu uma vergonha maior, como também se dispôs a ser o porta-voz do grupo. Olhou no olho de milhões de brasileiros como a avisar à Imensa Nação e disse: “Não há como explicar o inexplicável”. Simples e objetivo, embora carregado de emoção, como de praxe. As palavras do Júlio César ecoam em meus ouvidos até agora numa ressonância indesejada.
Sobre as circunstâncias do ocorrido, poderíamos fazer algumas reflexões. Vamos nos ater à mais evidente: faltou comando e qualidade à seleção brasileira. Raríssimas exceções, casos do Júlio César e do David Luiz, não havia em campo o talento e o equilíbrio necessários para enfrentar o adversário. Da comissão técnica nenhum esboço de reação quando mais se exigia e se esperava. Uma substituição que fosse, pelo menos para esfriar o jogo e quebrar o ritmo alucinante da derrocada. Ao contrário, assistiram impassíveis e apavorados a escalada da contagem. Qualquer semelhança com o Flamengo de hoje, com o agravante da posição que ocupa na tabela do Brasileiro, não é mera coincidência.
Os alemães foram bastante generosos durante o jogo e muito mais após o apito final. Esbanjaram cavalheirismo e elegância ao se desculparem com o povo hospitaleiro que os recebeu e com a escola de futebol que aprenderam a admirar. Declarações mais estratégicas do que politicamente corretas de quem ainda conta com o nosso apoio? Talvez. Eu enxergo verdade na expressão dos finalistas. Entretanto, projetando esse baque em cores domésticas, não esperem de nossos “coirmãos” o mesmo comportamento. Seríamos alvo de chacotas implacáveis e intermináveis, represadas a cada queda para a segundona e terceirona.
Portanto, vistam de verdade o Manto Sagrado, ao invés de se defenderem com as churumelas de sempre, resmungando pelos cantos e por bocas cooptadas que eu quero a manutenção das mazelas do passado, que não quero o saneamento do clube, que preferiria a síndica do parquinho, etc. Não subestimem a minha inteligência e a de quem me conhece. Quero o melhor para o Flamengo, pelo Flamengo, contra qualquer outra coisa. Não quero coisa alguma do Flamengo, exceto a alegria das vitórias. Não escrevo livros sobre o Flamengo, não faço filmes sobre o Flamengo. não trabalho para o Flamengo, não ganho dinheiro com o Flamengo. Torço pelo Flamengo. E, a exemplo do desabafo do Júlio César, dizendo que trocaria se pudesse o desfecho de 2014 pelo de 2010, quero trocar o vexame do Flamengo pelo da seleção brasileira. O problema é que essa decisão não me pertence. Estava e está nas mãos de outras pessoas que, espero, sejam tão rubro-negros quanto eu e os 40 milhões tão apreensivos com a situação atual.
Senhores dirigentes, olhem em volta de si e dimensionem melhor o problema. Não troquem os compromissos financeiros pela queda. Usem o máximo de sua capacidade para tirar o Flamengo desse cadafalso. Peçam licença de suas atividades, se afastem de outros encargos e dediquem 48 horas por dia ao desafio de tirar o futebol do Flamengo desse pesadelo. Caso contrário, acabarão as semelhanças com a saída do Brasil da Copa, pois as consequências serão muito mais danosas do que as de agora. Tenham certeza. Não paguem para ver, paguem para não ver.
A voz de um anjo sussurrou no meu ouvido
E eu não duvido já escuto os teus sinais…
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Fonte: Magia Rubro-Negra