Não sou gaúcho de nascimento, mas sou por adoção e escolha, porque há anos moro aqui – e das minhas filhas, essas sim, 2 são gaúchas legítimas. Há 5 anos o Flamengo me escolheu para ser o representante da Nação Rubro-Negra no RS e eu tenho muito orgulho, nesses anos todos, de ter conhecido algumas centenas de flamenguistas gaúchos, alguns nativos, a maioria adotiva, mas todos apaixonados pelo clube e por essa terra que nos acolhe.
É com muita tristeza que, pela 3ª vez apenas esse ano, o estado protagonize episódios de racismo explícito de torcedores. E agora, na Arena do Grêmio, não há nem o que discutir ou relativizar. As câmaras de TV flagraram uma menina e um punhado de rapazes, em dois momentos diferentes, em ofensas raciais claras.
Apesar da intensa rivalidade que cultivamos com o Grêmio – a quem consideramos nosso principal adversário, à frente até de Vasco, Fluminense ou Botafogo, tão distantes de nós – é importante saber separar bem as coisas. Gremistas não são mais racistas do que ninguém. Gaúchos não são mais racistas do que ninguém. A Região Sul não é mais racista do que o resto do Brasil.
É sabido que a energia pulsante das arquibancadas transforma as pessoas a ponto delas dizerem coisas irrefletidas e sem nexo – eu mesmo, um ser pacato e defensor intransigente da paz nos estádios, faço absoluta questão de cantar, a cada domingo, “confete e serpentina, vou dar porrada na torcida vascaína”, me somando ao refrão do samba da União da Ilha adaptado por nossa torcida. E é óbvio que eu não pretendo agredir nenhum vascaíno, tantos amigos e parentes que tenho que torcem pelo Vasco, sem contar que nunca briguei, nem saberia me comportar nessa hora.
Futebol, enfim, tem dessas coisas, mas para tudo há um limite.
Racismo é um sentimento odioso e injustificável, que deve ser combatido a cada santo dia e repelido de forma sistemática pela sociedade. Nada, absolutamente nada, deve ser tolerado a esse respeito.
Não quero ver o Grêmio punido pela irracionalidade daqueles jovens. O clube faz um esforço imenso para construir um belo estádio – que inveja! – contrata jogadores caros, uma comissão técnica mais cara ainda, para dar alegria aos muitos milhões de torcedores espalhados por todo o Rio Grande e ver sua maior força, que é jogar na sua casa, ser ceifada por alguns minutinhos de estupidez de uma gurizada mal educada. Isso simplesmente não é justo.
De mais a mais, desconfio que punir o Grêmio fechando a Arena por uns tempos não vai impedir que atos como aqueles se repitam. Melhor seria atacar, de uma vez por todas, aquele espaço onde os brutamontes do hooliganismo ditam as leis e as ordens, incentivando toda sorte de irracionalidades, como, por exemplo, comemorar a morte do ídolo colorado Fernandão como fizeram dias atrás, sem que nada lhes tivesse acontecido.
E que fique claro: estupidez não é privilégio de gremistas. Afinal, foi aqui mesmo em Porto Alegre que supostos torcedores do Flamengo agrediram um atleta da equipe. Mas é preciso aprender a lidar com os estúpidos e, de preferência, deixá-los bem longe dos estádios.
Dito tudo isso, não posso deixar de observar como as primeiras reações foram ruins, principalmente vindas da direção gremista. O diretor do clube encarregado de lidar com a imprensa parecia mais preocupado com os erros da arbitragem e com a possível punição ao clube do que com o episódio, do que em demonstrar tristeza ou constrangimento com o que ocorrera – fiquei com a impressão de que falaria a mesma coisa se fosse um copo plástico atirado no gramado em um momento de fúria.
Não ouvi a menor repreensão aos torcedores. Não ouvi um pedido de desculpas ao Aranha. Não ouvi qualquer menção ao fato da torcedora já então identificada – Patricia Moreira – ser ou não sócia do clube e o que seria feito em relação a ela. Da parte do clube, apenas uma nota protocolar, fria, dizendo que o Grêmio repudia o racismo – o que, convenhamos, é tão óbvio que não precisava ser dito.
Mas o que realmente me chocou e me entristeceu naquele episódio sequer foi o comportamento da menina ou dos rapazes. Estúpidos, como eu disse, há por aí a torto e a direito. O que enlameia a imagem da torcida gremista é a passividade e a tolerância com os que estão ao redor reagem à selvageria. Ninguém repreende ou contém os ofensores, que agem com a naturalidade dos que se sentem em casa.
Duvido que se a jovem gritasse “Santos”, “Mengo” ou, pecado capital, “Vamo, Vamo, Inter”, escaparia impune de levar uma reprimenda dos que estavam ao seu redor. Duvido que os rapazes, se ao invés de imitarem macacos exibissem uma camisa de um time rival, se livrariam de serem impiedosamente espancados.
É para pensar o que fazer e realmente envergonhar-se da raça humana quando ostentar uma suposta supremacia racial é mais aceito do que revelar simpatia por um time adversário.
Espero, para o bem do Grêmio, do Rio Grande do Sul e do Brasil, que todos nós sejamos mais enfáticos e assertivos no enfrentamento desse tema. Por enquanto, ainda há esperança – ou ao menos eu prefiro acreditar que há.
Walter Monteiro
Fonte: Magia Rubro-Negra