Eduardo Bandeira de Mello concedeu uma entrevista ao programa Bola da Vez, da ESPN Brasil, abordando diversos assuntos. Confira!
Como é lidar com o Clube de maior torcida do Brasil, lidando com o dinheiro de maneira responsável?
É difícil porque se trata de um Clube que ainda está numa situação financeira bastante afetada, com uma dívida muito grande e de curto prazo, com receitas penhoradas e etc. Por outro lado, quem passou o que eu passei no BNDES sabe avaliar o potencial de uma empresa. E no caso do Flamengo são 40 milhões de torcedores, 40 milhões de consumidores para qualquer produto que o Flamengo venha a se associar. E isso aí é o fator que leva a minimizar muito a dívida a qual assumimos, sabendo que a longo prazo estará tudo resolvido.
Qual a dificuldade que a diretoria tem em planejar melhor o futebol?
É claro que ao longo deste 1 ano e 8 meses está aprendendo muitas cosias. Muitas cosias das nossas vidas executivas, empresarias, profissionais, são aplicadas, e outras não. Mas acredito que, apesar de todas as dificuldades, nós estamos conseguindo conciliar os objetivos dos dirigentes do Flamengo, que é resgatar a credibilidade do Clube, tornar o Flamengo um Clube cidadão, acabar com aquela imagem de Clube mal pagador, dar exemplo a 40 milhões de torcedores, conciliando isso com um time competitivo dentro das possibilidades. E até agora nós ganhamos 50% dos Campeonatos que disputamos. É claro que todo mundo queria 100% e quem sabe um dia será, mas não diria que nosso desempenho no futebol foi ruim. Estamos aprendendo a administrar as trocas de treinadores, na área administrativa, e isso não acontece só n o Flamengo. Tenho certeza que com o passar do tempo nós vamos minimizar e alcançar nossos objetivos.
Te aflige saber que todo o atual trabalho pode ser jogado fora caso a sua administração não consiga manter o poder?
Isso é um risco que todo mundo corre no regime democrático. Pode acontecer efetivamente de uma outra orientação vir a prevalecer com práticas não tão recomendáveis como já veio a acontecer no Flamengo, mas a nossa obrigação é tentar trabalhar, tentar atingir estes objetivos de resgate da credibilidade do Clube e da parte técnica. E eu tenho certeza de que a torcida e os sócios do Flamengo irão reconhecer este esforço, e vão manter, senão as mesmas pessoas, a mesma filosofia de trabalho daqui para a frente.
Só a existência do balanço trimestral financeiro já é uma grande novidade. Até um tempo atrás os balanços do Flamengo eram apresentados só por exigências, e a principal ressalva da auditoria era de que efetivamente não se podia acreditar no que estava ali. Hoje a coisa mudou, publicamos nossos balanços e o Flamengo ganhou o termo de transparência no nosso primeiro ano de gestão. Então, acredito que tudo isso vá ser reconhecido mais pra frente.
Como você lida com os palpites de ex-dirigentes e ex-Presidentes do Flamengo?
Lido com naturalidade, é um direito participar da vida política do Flamengo e dar suas opiniões. Vocês da imprensa não procuram eles a toa, porque alguma coisa boa eles já fizeram. Eu considero ter uma boa relação com eles.
A ponto de ouvi-los antes de tomar alguma decisão?
Ouvir eu sempre ouço, mas não é a cada decisão que vou consultar. Toda a vez que um ex-Presidente ou benemérito me procurar terá as portas abertas para ouvi-los e assim, aprender com eles.
Ouve uma autocrítica da gestão em relação a postura e o valor do ingresso?
Eu acho que isso é mais um exemplo de como você tem que balancear dois pontos de vista. Aumentar as receitas de bilheterias é uma necessidade de absoluta, como qualquer coisa pra quem está lutando contra um déficit e matando um leão por mês, porque quando a gente paga e comemora os pagamentos de salários de um mês, não sabemos se vamos conseguir pagar o mês seguinte, aí corremos atrás de uma situação que é desfavorável. Não podemos abrir mão da bilheteria. Por outro lado, entendo que a torcida queria que praticássemos ingressos mais baratos, e neste momento estamos tentando conciliar as duas coisas, assumindo o compromisso de que durante o Campeonato Brasileiro nós praticaríamos preços promocionais no Setor Norte, atrás do gol, onde as Organizadas gostam de ir. Estamos tentando equilibrar as duas coisas. É claro que em determinado momento, quando foi impossível, espero que a torcida nos compreenda como estamos compreendendo eles, e de uma certa maneira abrindo mão de uma receita maior.
Vocês estão agindo racionalmente ou a pedidos da torcida?
Sempre que a gente conseguir conciliar as duas coisas vamos fazer. Essa questão da torcida participar e da gente conciliar as duas posturas passa pelo nosso Programa Sócio-Torcedor do Flamengo. É a forma com que o torcedor possa ir aos jogos de forma mais barata.
No Fla-Flu, atrás dos dois gols, nós praticamos R$ 40 a inteira, R$ 20 a meia e o sócio-torcedor paga quase R$ 10, então é um preço bastante em conta, até abaixo do custo que pagamos ao Consórcio para jogar no Maracanã. Por outro lado, tentamos compensar isso com as receitas do Sócio-Torcedor que está aumentando, e que é a grande esperança para que nós um dia chegarmos ao nível de excelência que a torcida merece, compensando nos setores laterais com ingressos mais caros. Nós estamos tentando equilibrar as duas coisas para satisfazer a torcida e sem sacrificar a nossa condição de ‘bons pagadores’ que finalmente estamos conseguindo ser.
Não é possível fazer uma conta em que é melhor ter o estádio mais cheio e faturar o mesmo do que com menos público, mas com renda maior?
A gente tenta fazer essa conta. A ideia seria maximizar as receitas da bilheteria sem sacrificar a torcida. Quando nós jogamos contra o Grêmio nós tínhamos de cinco vitórias seguidas, quando nós jogamos contra o Corinthians tínhamos perdidos os dois jogos anteriores. Então, a gente nunca sabe se tivéssemos jogando com o Corinthians naquele sábado como foi contra o Grêmio, se também não teríamos lotado o Maracanã com os preços maiores, e assim, receitas ainda maiores para pagar os jogadores e os nossos compromissos. Pode ter certeza que estaremos sempre procurando atender os dois lados.
Quando voltou o preço promocional uma parte da torcida que estava ‘excluída’ voltou ao Estádio. Torcedor que não tem dinheiro para pagar sócio-torcedor, que tem grana para ir em um só jogo e no sacrifício… E inclusive a gente sente isso no próprio Estádio, nessa arrancada teve um público que não estava mais indo.
Nós vamos estar sempre tentando alcançar este público. Mas tem vários outros fatores que podem contribuir para trazer esse torcedor de volta, citando as gratuidades. Num jogo do Maracanã pode ter 15% a 20% que entram sem pagar. No Rio de Janeiro quase todo mundo paga meia-entrada. Muita gente não pode pagar R$ 40 e nem a condução para ir ao Maracanã, e nós temos sim que estarmos atentos a isso. Mas as autoridades poderiam estar interessadas nisso de maneira a dividir essa conta que pratique os preços a baixo do seu custo, já que tem uma lei que favorece os maiores de 65 anos e menores de 12 anos, independentes da sua classe social, entrando de graça. Se o empresário mais rico do País for ao Maracanã e levar seus netos, só pagará o seu ingresso e eles entrarão de graça, e isso não é justo. A gente deveria rediscutir essa política de gratuidade para os Clubes não saírem prejudicados. Porque hoje a gente vê os Clubes frágeis, numa situação ruim, e assumindo ônus de quem não deveriam ser responsáveis.
Que tipo de pressão os Clubes podem exercer em relação a estas gratuidades?
É o mesmo que nós estamos fazendo com a Responsabilidade Fiscal. A ideia seria a união dos Clubes e um trabalho de pressão e convencimento junto as autoridades para que possam dividir conosco essa conta do acesso ao estádio para pessoas menos favorecidas.
A curva no número de sócio-torcedores deste ano está abaixo ou vocês já esperavam?
Depois da final na Copa do Brasil, quando atingimos 66 mil sócios nós tivemos uma redução, que se acentuou quando perdemos a Taça Libertadores e depois com o mal começo do Campeonato Brasileiro. Hoje estamos recuperando, e espero que estejamos numa ascendente para recuperar e passar a barreira dos 66 mil.
O torcedor precisa entender que o Programa de Sócio-Torcedor do Flamengo é a nossa grande possibilidade de chegar a um padrão de excelência de futebol e de Clube que a torcida merece. Hoje, o sócio-torcedor é a nossa terceira maior receita, perdendo apenas para o contrato de Televisão, perdendo por pouco para a Adidas, mas já é maior que todos os patrocínios da camisa individualmente. Se vocês pensarem, a receita da TV não pode ser multiplicada por 10, é impossível. A receita de fornecedor esportivo, que mesmo vendendo muita camisa, seria impossível multiplicar isso por 10. Mas o Sócio-Torcedor do Flamengo pode multiplicar-se por 10 ou muito mais. Se pegarmos por exemplo o Internacional, que tem o Programa de Sócio-Torcedor de maior sucesso do Brasil, com uma média de 2,2% da torcida associada e aplicarmos no Flamengo, nós teríamos 880 mil sócios. Imagina o Flamengo com 880 mil sócio-torcedor e um ticket de R$ 50? Nós poderíamos abandonar o contrato da Adidas, da TV, da Caixa, e viver só de sócio-torcedor. Agora vamos pensar na conversão do Benfica, que é o Programa de Sócio-Torcedor mais bem sucedido do mundo, onde 4% da torcida faz parte do programa. Aplica isso ao Flamengo, seriam 1,6 milhão de sócios. Poderíamos ir ao Barcelona e comprar o Neymar, ir no Real Madrid e trazer o Cristiano Ronaldo… O céu seria o limite!
Então, o segredo, a receita para o Flamengo se tornar um dos Clubes mais poderosos do mundo não está nos contratos da televisão, e sim no seu programa de Sócio-Torcedor. Ou seja, quem vai ajudar o Flamengo a ser o maior Clube do mundo será a sua torcida, que é a maior torcida do mundo.
Matéria redigida por Eduardo El Khouri