Após duas temporadas em Udine, Zico, o maior ídolo da história da Nação Flamenga, retornaria à Gávea por meio de uma “engenharia financeira” que contou com a ajuda de campanhas publicitárias e muita criatividade. Passados quase 30 anos desta operação, histórias de transações e negócios de grande porte, que de uma forma geral contavam com o uso de muita criatividade e verbas “estranhas ao clube”, acabaram por resultar em enormes dívidas e, cada vez mais, na perda do principal ativo do clube: seus atletas.
É bastante óbvio que as reservas de capital e a capacidade de contratação dos clubes são reflexos diretos da situação financeira do País. Mesmo considerado o período de prosperidade econômica nacional que vivemos, ainda permanecemos bastante aquém do mercado europeu e de alguns outros emergentes que, ainda que não sejam muito atraentes para atletas, seu poder de barganha pode representar a independência desses jogadores, além de dar uma bela oxigenada nos cofres de nossos times.
Cabe também salientar um fator bastante relevante, que foi a abertura do Mercado Comum Europeu e o subsequente aumento do número de jogadores não comunitários nos clubes do velho mundo. Encontra-se aí uma equação bastante simples: como há uma demanda muito maior de atletas pelo abastado mercado externo, a balança pende consideravelmente para o encaminhamento de nossa matéria prima aos diversos aeroportos do País, em detrimento de terem uma carreira mais longa em Tupinicópolis.
A globalização, acaba sendo um terceiro fator facilitador desta saída, pois o acesso às informações de mercados emergentes, mesmo que “inóspitos”, facilitam esta debandada.
Não se pode dar as costas e deixar de tratar o futebol como negócio, ou como uma empresa que precisa dar lucro e ser bem planejada. Entender o mercado e saber posicionar-se, pode ser um diferencial a médio e longo prazos e transformar um enorme potencial em uma enorme potência. A equação que tem como incógnita o futuro da Nação passa, obrigatoriamente, por elementos como o auto entendimento e o reposicionamento.
O velho discurso do “somos um produto com 40 milhões de consumidores” apenas serve para ilustrar campanhas de Sócio Torcedor e afins. Se somos um produto, a dura realidade é: que produto somos? Está aí a variável do auto entendimento que forma um belo e obrigatório par ordenado com as expectativas, ou melhor, que produto os torcedores, aqueles “consumidores”, esperam que o Flamengo seja. Talvez o primeiro passo seja não ser um produto apenas, mas um leque deles, uma vez que 40 milhões de consumidores, tratam-se de uma amostragem bastante grande e heterogênea, que certamente demanda uma enormidade de produtos, e não apenas uma marca, ou como alguns mais acalorados preferem, uma paixão.
O elemento ‘reposicionamento’, nos remete à duas perguntas básicas: ‘Onde estamos?’ e ‘O que pretendemos ser?’. O apego à imagem do passado, que vem emoldurado por superlativos de glórias e brilhos, não vive um presente de tamanha altivez e nobreza. Pelo contrário, assim como nosso mascote, passa por momentos de ‘domínios dos céus’ e ‘poderio invejável’ e de momentos de ‘confrontando com flertes com a morte’ e ‘contentar-se com sobras e miudezas’.
Assim, o primeiro passo para o Flamengo é assumir-se como uma grande marca, com enorme potencial – pois tem uma grande demanda -, mas extremamente mal explorada e gerida e que possui adjetivos nem um pouco positivos, sejam eles oriundos de responsabilidade da gestão atual ou passada apenas, ou também de um histórico de amadorismo e de muita emoção, ao invés da razão.
Ao assinar um contrato como uma gigante como a Adidas, e ser colocado como Top5 da empresa, o Flamengo angariou um claro indicativo da potência que a sua marca representa, indicativo esse que não é calculado apenas pela quantidade de torcedores ou poder aquisitivo destes, mas estes dois elementos somados a fatores como exposição na mídia, perfil dos consumidores e histórico do clube. Mas reite-se: estar no mesmo patamar de Bayern, Real Madrid e outros, é um belo balizador de sua capacidade de ser maior e melhor.
Contudo, a enorme dívida que acompanha o Rubro-Negro há anos (e, diga-se, vem sendo muito bem paga), a ausência de um estádio próprio, a política equivocada das divisões de base (que vai desde escolhas políticas até equívocos na formação dos atletas) e uma visão amadora em diversos setores, são um contraponto e, principalmente, um enorme entrave para que todo este potencial seja desenvolvido ou até visto por um prisma mais real.
A proposta não é simplesmente a importação de um modelo estático vigente na Europa ou nos EUA, mas uma adequação baseada em estudos e entendimentos daquilo que o Flamengo é, questões culturais e principalmente o perfil do maior de seus ativos: os torcedores.
Obviamente que este é um processo longo e lento, além de bastante suscetível a erros. Porém, com estudos corretos pode ser minimizado para transformar antigas mazelas em oportunidades. O primeiro passo já foi dado, através do pagamento das dívidas e estratégias de contratações. O Brasil hoje como um todo, vem assumindo a posição de entreposto comercial da América do Sul e o futebol, especificamente o Flamengo, deve e está seguindo estes passos.
Analisar nossos vizinhos e seus campeonatos é bastante simples e barato e pode ser extremamente rentável. O mesmo processo é válido para mercados menores do País, como interior de São Paulo, Minas, Nordeste e Sul.
A prova disso vemos dentro de casa. A janela que trouxe Hernane, Paulinho e outros tantos, foi pouco onerosa para nossos cofres e resultou em dois títulos. Mas também, e principalmente, foi lucrativa, pois a venda de Hernane compensou todos os gastos. Assim, como no mundo empresarial e de negócios, não se pode criar “apego por atletas”. Boas propostas têm que ser aceitas e reposições feitas com inteligência e estratégia.
As vindas de jogadores como Everton, Léo, Marcelo, Eduardo, Canteros e Mugni, seguem exatamente essa linha. São atletas ‘baratos’, com destaque na América do Sul ou em mercados menores, com poder de revenda. Ser um “entreposto” comercial não é postura vergonhosa ou minimalista da glória Rubro-Negra, mas necessária e inteligente. Antes digam o contrário, há exemplos de sucesso no mundo de clubes que agem assim, a exemplo do Porto – campeão do Mundo com Mourinho -, o sucesso de décadas do Ajax – base da seleção holandesa -, o Atlético de Madrid da última temporada – que trouxe atletas de mercados menores e formou outros tantos na base -, e por quê não o Bayern – que usa outros clubes alemães como “supermercado particular”?
Os próximos passos são, não necessariamente nesta ordem, mas de enorme importância: A construção de um estádio e a reformulação das categorias de base. Formar atletas, não passa apenas por um CT ou treinadores, mas por toda uma estrutura que começa na educação do jogador, passando por seu desenvolvimento social e familiar até o uso de Leis de Incentivo.
Uma peça fundamental neste quebra-cabeças é a construção de um estádio sob um modelo de parcerias, onde o Clube possa potencializar o projeto sócio torcedor, além de ser um local onde a torcida possa estar presente não apenas nos dias de jogos, e também onde haja eventos terceirizados e toda sorte de ações que estimulem o fluxo de pessoas e subsequentemente de capital.
Sim, o caminho é muito longo e tortuoso, e quando o Flamengo olhar para trás, verá uma série de erros e dívidas que o amarram ao passado. E, para este senhor de quase 120 anos, será uma jornada bastante dura. Mas a idade que lhe tira o vigor, lhe traz experiência e sabedoria. E é exatamente disso que o Flamengo precisa hoje. Os primeiros passos já foram muito bem dados. Que os próximos sigam este ritmo que, mesmo lentos, já vem trazendo muitos resultados.
Fonte: Falando de Flamengo