Hoje fomos surpreendidos com a notícia de que o Bom Senso e a CBF chegaram a um consenso sobre “fair play financeiro”, como pode ser observado aqui.
Um dos itens consensuais entre as partes se refere a utilizar receitas futuras como garantias de empréstimos apenas em caso de “construção” de ativos (estádios, centro de treinamentos), e não para contratar jogadores, com o texto fazendo parte da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte (LRFE) e, segundo a matéria, com aprovação do presidente do Coritiba, Vilson Ribeiro de Andrade, para passar a valer a partir de janeiro de 2015.
O propósito desse post é demonstrar alguns erros na proposta apresentada, além de demonstrar a inexequibilidade dela no curto prazo:
1 – aquisição de direitos econômicos de atletas representa, tecnicamente, “construção” de ativo, assim como construção de estádios ou de centro de treinamentos. Esses direitos federativos ficam registrados no Ativo Intangível, sofrendo amortização pela vigência dos contratos, assim como estádios e centros de treinamentos são depreciados conforme as taxas estipuladas. Portanto, a proposta demonstra desconhecimento das normas contábeis inerentes aos clubes de futebol;
2 – pelos valores envolvidos, construção de estádios ou centros de treinamentos tem um potencial de ser muito mais devastador no fluxo de caixa dos clubes do que a aquisição de direitos de jogadores, que podem ser, inclusive, revendidos – eventualmente, até com lucro. Por outro lado, centros de treinamento e estádios não são facilmente comercializáveis;
3 – as receitas recorrentes, isto é, receitas totais sem considerar a venda de direitos econômicos, devem ser suficientes para, não só suprir as despesas correntes, como também os passivos programados para o período. Se considerarmos as receitas recorrentes e os passivos de curto prazo publicados nas demonstrações financeiras de 2013 dos 12 principais clubes do Brasil, obteremos a seguinte tabela:
Com exceção de Corinthians, Flamengo e São Paulo, todos os outros clubes -repetindo o ano de 2013 – sequer farão receitas suficientes para cumprir suas obrigações de curto prazo, que dirá para pagar as despesas correntes. Obviamente, como o show não pode parar, as despesas correntes ocorrerão, e as dívidas de curto prazo, caso o clube não obtenha nenhuma receita extraordinária com venda de atletas, serão roladas por meio de novos empréstimos, tendo como garantias, dentre outros recebíveis, as receitas de televisionamento. O próprio Coritiba, do presidente Vilson Ribeiro de Andrade, registrou Receitas não-recorrentes de R$ 74 milhões e um passivo de curto prazo de R$ 80,5 milhões.
Uma parte razoável desse passivo de curto prazo poderia ser encampada pelo refinanciamento proposto pela LRFE. Porém, a maior parte do passivo de curto prazo dos clubes é privada, não passível, portanto, de refinanciamento.
Por essa razão, pode-se afirmar que, com o nível atual de passivo de curto prazo dos clubes, é impossível que essa determinação seja aplicada já em 2015 – assim como é praticamente impossível ser abarcada nos próximos anos. O acordo, nesse ponto (apesar de desejável e saudável no longo prazo) é absolutamente inexequível para 2015 e, pior, demonstra total desconhecimento – tanto do Bom Senso, quanto da CBF – do nível e da composição atual de endividamento dos clubes.
Leia também: A verdade sobre o Endividamento do Flamengo, Análise de endividamento dos clubes, Impacto do Proforte – atualização com as DFs 2013 e O Proforte, o Governo Federal e os clubes, A verdade sobre o Endividamento do Flamengo e Situação das CNDs dos clubes.
Fonte: Sócios pelo Flamengo