O Conselho Diretor do Flamengo protocolou no Deliberativo um conjunto de emendas ao estatuto do clube para adequar as regras internas à lei de responsabilidade fiscal defendida pelos cartolas e ainda em discussão no Congresso. A medida unilateral foi fruto de um racha – aparentemente definitivo – na comissão que conduzia os trabalhos de debate de uma proposta de consenso entre as diversas correntes. Não deu certo. A recusa em pagar a cota extra imposta pelo clube para quitação de dívidas de IPTU e com a Cedae, que fez com que membros de oposição na comissão fossem barrados temporariamente no clube, transformou o debate em discussão. O presidente Eduardo Bandeira de Mello explica os motivos da proposta para adequar o clube à lei de responsabilidade, e também os empréstimos recentemente aprovados dando como garantia receitas de 2016, depois do fim do seu mandato.
Os fatos, aparentemente contraditórios, são, na visão do presidente, uma política saudável. Isso porque, apesar dos empréstimos, o clube está pagando um valor muito superior em dívidas. Bandeira de Mello confirmou que a diretoria já conseguiu aprovação para R$ 63 milhões “ou um pouquinho mais” para empréstimos em 2014. O clube já teve aprovadas no Conselho de Administração operações que somam R$ 45 milhões, incluindo os R$ 7 milhões aprovados nos últimos dias com garantia de contrato de 2016. Ou seja: segundo o presidente, o clube ainda poderá solicitar aprovação de operações financeiras de R$ 18 milhões a R$ 20 milhões ao conselho. Esse total de empréstimos é o valor necessário para encerrar o ano honrando os compromissos e mantendo suas Certidões Negativas de Débito (CNDs).
– Nos primeiros 12 meses já foram pagos R$ 120 milhões (de dívida) e, de lá para cá, estamos pagando mais. Se você tivesse uma dívida prevista para pagar no ano de R$ 150 milhões, pudesse chegar lá para os credores e falar “não tenho, vou pagar 100 e rolar 50”… Não pode. Então você tem de pagar os 150 e pegar 50 emprestado para poder continuar respirando. Na prática o que está acontecendo nas finanças do Flamengo é exatamente o contrário do que esses caras estão colocando aí. É um processo saudável de redução do endividamento. Cada vez que você vai lá no Conselho de Administração e sai lá a ata de convocação, vem lá os caras: “Absurdo, estão pegando mais dinheiro”.
Bandeira alega, por exemplo, que pode pegar um empréstimo em condições melhores para pegar uma operação mais onerosa para o clube, mas não descarta pedir esse tipo de receita até para investimento no time de futebol, desde que “de forma responsável”. As previsões para 2015, contudo, não permitem euforia.
– É aquela coisa, sempre dentro daquela política de responsabilidade. Em 2014, já foi um pouco melhor do que 2013, e 2015 vai ser melhor que 2014. Em 2016 acho que poderemos dar um salto maior, um incremento grande no contrato de televisão, até o programa de sócio-torcedor a gente espera que já esteja bombando, então na realidade graças a todos esses esforços de contenção de despesas e busca por novas receitas, 2015 vai ser melhor do que 2014. Mas não vou mentir dizendo que vamos ter grana para ir lá e comprar um craque de primeira grandeza. Não, vamos reforçar o nosso time, com certeza o nosso time de 2015 vai ser mais forte do que o de 2014, todos aqueles penduricalhos que a gente está pagando, alguns teremos terminado de pagar, isso dá uma folga no fluxo de caixa também, mas ninguém pode esperar de mim dar uma declaração irresponsável do tipo “em 2015 vamos arrebentar a boca do balão.
Confira a entrevista de Eduardo Bandeira de Mello ao GloboEsporte.com:
O que são as emendas que estão sendo deixadas para aprovação dos conselheiros no Deliberativo?
Estamos protocolando um conjunto de emendas no Deliberativo. Lembra daquele conjunto de emendas que mandamos no ano passado para adequar o estatuto à Lei Pelé para captar recursos para os esportes olímpicos? É a mesma coisa. Uma iniciativa nossa, qualquer presidente de poder pode apresentar emendas ao estatuto. Nesse caso, não só eu, como o presidente do Conselho Fiscal, o do Conselho de Administração, o da Assembléia Geral, o do Conselho de Grandes Beneméritos só não assinou porque está em viagem. Então todos os conselhos, com exceção do Deliberativo, que é o destinatário dos requerimento, e vários rubro-negros ilustres, assinamos uma proposta de emendas para adequar o clube às melhores práticas de responsabilidade fiscal e orçamentária.
Então, essa é a questão. Quando se fala em responsabilidade fiscal, e até na lei de responsabilidade fiscal que o Flamengo tem defendido, um dos pontos desse projeto de lei é você não poder fazer empréstimos para depois do fim do seu mandato. E o Flamengo deu como garantia o contrato da Adidas de 2016…
Na realidade o texto da lei não fala que está vedado empréstimo, isso nenhuma empresa pode fazer.
Não empréstimo, mas de acordo com a explicação enviada pelo autor do projeto, não se pode antecipar receitas depois do fim do mandato…
Tem de definir o que é antecipar receitas. O endividamento é como colesterol, tem bom e ruim. Quando você tem um investimento de longo prazo, você tem de se endividar no longo prazo. Quem tem de avaliar é o Conselho de Administração da empresa ou nesse caso do clube. O que o Otávio Leite estava fazendo ali era uma analogia à lei de responsabilidade fiscal que proibiu municípios e estados de fazer aquelas operações de ARO (Antecipação de Receita Orçamentária), que era um “hot money” do setor público. Então o espírito do projeto é esse. Mas é evidente que municípios e estados podem e devem se endividar. Se for aprovado pela lei orgânica, assembleia legislativa… A qualidade disso tem de ser avaliada internamente. Você pode pegar um endividamento menos oneroso para quitar um endividamento oneroso. Você pode usar para ativo fixo, para construir o seu CT, até para fazer um investimento no time de futebol desde que seja uma coisa responsável, que você tenha uma operação de começo, meio e fim. Mas a lei está sendo discutida ainda, vai ter uma reunião já na semana que vem e provavelmente vai ficar para depois do segundo turno das eleições. O Flamengo, como devia R$ 750 milhões quando chegamos aqui, e você tem um cronograma de pagamento de dívidas que a gente tem cumprido religiosamente, para que você pague uma quantia relativa à quitação da dívida, precisa pegar um pouquinho mais para quitar o que está vencendo. O conselho tem olhado isso sempre, tanto que tem aprovado todos os nossos pedidos por unanimidade. O endividamento está dentro do orçamento, então se você coloca lá que o Flamengo vai precisar de R$ 50 milhões, R$ 60 milhões de empréstimo, cada vez que a gente leva uma operação ao conselho, tem de estar dentro daquele limite, e está. Você leva cada uma para terem conhecimento da taxa de juros, das garantias, porque não deram, nem poderiam dar, um cheque em branco.
Em agosto, a informação que tínhamos era de que o Flamengo teria de pegar este ano cerca de R$ 63 milhões em empréstimos para fechar o ano honrando todos os compromissos e mantendo as CNDs (Certidões Negativas de Débito). Até agora, são R$ 40 milhões em empréstimos. Está correto?
– A gente tem autorizado pelo orçamento R$ 63 milhões, ou um pouquinho mais. Em operações já autorizadas, R$ 45 milhões. Os números são mais ou menos esses, um saldo de R$ 18 milhões a R$ 20 milhões, dos quais provavelmente não captaremos isso tudo até o fim do ano. E esses R$ 63 milhões que você capta durante o ano são mais do que compensados porque a gente paga muito mais do que isso de dívida. Então o que tem de ser olhado é se o endividamento do Flamengo está diminuindo ou aumentando.
Quanto o Flamengo já pagou de dívida? Algo em torno de R$ 140 milhões?
Até mais, porque no início de 2013 você tinha R$ 750 milhões, se descontasse alguns depósitos judiciais, R$ 723 milhões, se não me engano, no final de junho já estava R$ 619 milhões. Então nos primeiros 12 meses já foram pagos R$ 120 milhões e, de lá para cá, estamos pagando mais. Se você tivesse uma dívida prevista para pagar no ano de R$ 150 milhões, pudesse chegar lá para os credores e falar “não tenho, vou pagar 100 e rolar 50”, não pode, então você tem de pagar os 150 e pegar 50 emprestado para poder continuar respirando. Na prática o que está acontecendo nas finanças do Flamengo é exatamente o contrário do que esses malucos estão colocando aí. É um processo saudável de redução do endividamento. Cada vez que você vai lá no Conselho de Administração e sai lá a ata de convocação, vem lá os caras: “Absurdo, estão pegando mais dinheiro”.
Já há um planejamento sobre quando serão feitas essas operações, o que se dará como garantia e no que será aplicado esse dinheiro?
Não, esse dinheiro entra no bolo do fluxo de caixa do Flamengo, não é carimbado. Cada operação a gente negocia com o banco o que é, o que se dá em garantia, e é isso que é levado para o Conselho de Administração.
Dá para pensar maior em 2015, dá para pensar em craque?
É aquela coisa, sempre dentro daquela política de responsabilidade. Em 2014, já foi um pouco melhor do que 2013, e 2015 vai ser melhor que 2014. Em 2016 acho que poderemos dar um salto maior, um incremento grande no contrato de televisão, até o programa de sócio-torcedor a gente espera que já esteja bombando, então na realidade graças a todos esses esforços de contenção de despesas e busca por novas receitas, 2015 vai ser melhor do que 2014. Mas não vou mentir dizendo que vamos ter grana para ir lá e comprar um craque de primeira grandeza. Não, vamos reforçar o nosso time, com certeza o nosso time de 2015 vai ser mais forte do que o de 2014, todos aqueles penduricalhos que a gente está pagando, alguns teremos terminado de pagar, isso dá uma folga no fluxo de caixa também, mas ninguém pode esperar de mim dar uma declaração irresponsável do tipo “em 2015 vamos arrebentar a boca do balão. Ao contrário, em 2015, vai ser um ano de extrema penúria para boa parte dos clubes brasileiros. Você está acompanhando o que está acontecendo aí. Então se sair essa lei de responsabilidade fiscal, o que vai acontecer é que os clubes vão ter de andar na linha, como o Flamengo já anda. Então para muita gente o mercado vai ser retraído. Pode ser até que por conta disso os salários dos jogadores não estejam em um patamar tão estratosférico, dos treinadores também, e isso facilite para quem está adotando essas medidas, independente de ter lei ou não ter lei, pode ser até que relativamente melhore. O Flamengo está de certa maneira sobrevivendo a essa tempestade graças a essa política de responsabilidade que está adotando desde o início do mandato. O importante é que o Flamengo está desde que se começou a discutir o ProForte, até por nossa sugestão que mudou de nome, tentando conseguir isso que será um marco no futebol brasileiro. Com essas propostas (de estatuto), a gente está tentando se antecipar e dar o exemplo. Essas medidas, ou boa parte delas, é que estamos tentando incorporar ao estatuto, para provar que o discurso não é só da boca para fora.
Fonte: GE