O MAGIA tem feito uma série especial sobre as Eleições do Conselho Deliberativo do Flamengo, entrevistando os responsáveis pelas candidaturas, o Presidente atual do Conselho e abrindo espaço para quem quiser se manifestar. De forma plural e democrática, como é a nossa característica.
Na contramão da ebulição política que aflora nesses dias que antecedem a eleição, eu me pergunto se não estamos dando importância excessiva – e intempestiva – a algo cuja dimensão eu ainda não consegui captar.
O Conselho Deliberativo do Flamengo tem uma peculiaridade rara: qualquer sócio proprietário que tenha mais de 2 anos de associação no tempo da eleição (ou seja, de 3 em 3 anos) pode participar do Conselho na qualidade de membro nato, compondo o chamado Corpo Permanente. Além desses sócios, outros 120 são eleitos dentre as demais categorias de sócio (Patrimoniais, Contribuintes e Laureados) e formam o Corpo Transitório.
Quem é membro nato não sofre qualquer sanção de deixar de comparecer às sessões, mas quem faz parte do Corpo Transitório pode ser excluído caso falte a 3 reuniões consecutivas ou a 5 alternadas. Ao que me conste, porém, essa sanção nunca foi aplicada, porque não se dava muita bola para isso.
E, a meu ver, tinham razão de não darem muita bola. Afinal, o que são 120 vagas em um conselho de quase 2 mil pessoas?
Além disso, quem já se envolveu minimamente com o processo eleitoral no Flamengo sabe que sócio patrimonial/contribuinte/laureado disposto a emprestar seu nome para figurar na chapa é artigo de luxo, muito valorizado. Tanto assim que não há jeito de montar essas chapas senão recorrendo a um expediente meio maroto, que é rechear as chapas com sócios Off-Rio, que, contribuintes que são, podem preencher as vagas faltantes, mas que dificilmente poderão participar das reuniões, por razões óbvias.
Vem daí minha primeira implicância com essa eleição fora de hora: para poder dar vida a esse pleito extemporâneo, foi preciso cassar o mandato de toda essa gente que, de boa vontade, aceitou contribuir com seu nome na eleição que realmente importa, que é aquela que acontece de 3 em 3 anos e elege também o Presidente do clube.
E, ao contrário do que possa parecer, essa cassação não virá sem dor: quem tem o mandato cassado fica proibido de se candidatar no exercício seguinte. Além de eu considerar isso uma descortesia desnecessária com quem foi útil na hora decisiva, só tornou ainda mais complexa a tarefa de montar uma chapa na próxima eleição.
É o caso, portanto, de se perguntar: vale a pena?
Tenho convicção de que não. Estão em jogo 115 vagas. Desconsiderando a hipótese remota de uma chapa ter mais de 80% dos votos, quem chegar em primeiro levará 2/3 das vagas e quem chegar em segundo o terço restante. Caramba, o que 76 vagas a mais podem realmente representar em um órgão que tem, como disse, quase 2 mil membros votantes?
Nada! Ou, vá lá, quase nada, caso esses de agora venham a ser mais assíduos do que os que foram expulsos, para o que não há a menor garantia, principalmente porque novamente lançaram mão de rechear as chapas com sócios Off-Rio.
É possível especular que a eleição serve como uma prévia da disputa real, a que acontece no fim do ano que vem e que vai representar a continuidade ou a troca da atual diretoria. Mas isso faz pouco sentido, uma vez que a mobilização para votar é muito menor agora do que será ano que vem – ou seja, estamos diante de um colégio eleitoral distorcido, formado basicamente por aqueles mais enfronhados na política interna.
Em outras palavras, essa eleição está servindo mesmo para acirrar os ânimos e aumentar o grau de atrito entre grupos internos que já não se dão bem. O que o Flamengo ganha com isso? Apreciaria receber uma resposta convincente.
Eu sei, no entanto, quem perde de verdade: o Conselho Deliberativo.
Ao contrário da diretoria do clube, responsável pela condução dos nossos destinos e portanto premida pelas questões do dia-a-dia, o Conselho Deliberativo deveria ser um espaço de defesa dos valores institucionais, da visão de longo prazo, do respeito às tradições, de planejamento do futuro, de um diálogo menos instrumentalizado pelas questões da política.
Nada disso eu vi em debate nessa eleição. Os que se candidatam não pautam seu material promocional por essa visão institucional. Ao contrário, a eleição se tornou apenas um palco de exibição do amor ou do ódio da diretoria.
Eu não vejo qualquer sentido prático nessa eleição e por razões de agenda, sequer irei votar. Preferia mesmo que ela não existisse. Mas, já que há e se o leitor é sócio, estiver disposto a votar e tiver a curiosidade de saber o que eu faria se tivesse a chance de ir ao clube, não tenho problemas de revelar.
Faria exatamente como fiz na última eleição presidencial, quando votei na Dilma, mas sem qualquer entusiasmo. Embora tendo amigos em ambas as chapas e reconhecendo o valor de cada um deles, votaria na Chapa Azul, burocraticamente.
Mas o bom, bom mesmo, é que não tivesse eleição e que a efervescência política só acontecesse no segundo semestre do ano que vem. Infelizmente, não se pode ter tudo. Menos ainda no Flamengo, onde a discórdia é a especialidade da casa.
Fonte: Magia Rubro-Negro