Fla e Timão não deveriam abrir mão de cotas de TV maiores.

As últimas semanas foram marcadas por um aumento da pressão de clubes e até de um deputado federal para alterar a divisão das cotas de TV que hoje privilegiam Flamengo e Corinthians com as maiores fatias. A tese até pode fazer sentido em um futebol evoluído e organizado, mas é capenga no Brasil. Por que os dois times deveriam abrir mão de sua vantagem de mais dinheiro de televisão em um ambiente de vale tudo que impera no futebol por aqui?

O esporte nacional é carente de regulação, seja por meio de uma lei de responsabilidade fiscal ou por meio de normas da CBF, Conmebol e Fifa. As leis existentes, Estatuto do Torcedor e Lei Pelé, claramente não atendem todo o cenário atual. E não há um órgão sério privado como a UEFA para tentar conter abusos.

Então, vejamos o que acontece. Ao contrário do futebol europeu, não existe um controle sobre as contas de clubes, nem sobre doping financeiro. Um time pode produzir seguidos déficits e continuar a fazer contratações milionárias, como aliás o próprio Corinthians fez ao fechar com Dudu apesar do rombo em seus cofres.

Em relação ao doping, a Unimed investia R$ 60 milhões por ano no Fluminense por meio de contratações e salário, em um valor fora da realidade do mercado. Patrocínios inflados sem razão econômica como esse têm sido vigiados na Europa como no caso do Manchester City, que tenta disfarçar o dinheiro do seu dono Sheik Mansour ao io investi-lo por meio de suas empresas.

Pelas normas da Fifa, a Conmebol já deveria ter iniciado a implantação do fair play financeiro na América do Sul, pelo qual clubes teriam de ter licenciamento e de apresentar suas contas para a entidade. Mas a confederação sul-americana, como se sabe, é uma piada incapaz de regular até a si própria.

Na esfera governamental, dívidas fiscais são seguidamente perdoadas, e mais um exemplo foi a gambiarra que enfiou novo refinanciamento sem contrapartida em legislação no Congresso. Ou seja, o clube deixa de pagar durante anos, usa o dinheiro para contratações e espera o próximo Refis (programa de refinanciamento fiscal) para enquadrar seu novo débito.

Essa tática, aliás, foi adotada pelo próprio Flamengo e pelo Corinthians em gestões anteriores (hoje, ambos estão com os débitos equacionados). Na última temporada, Atlético-MG e Botafogo estiveram com receitas bloqueadas e tinham salários atrasados (quase todos tinham), mas tinham atletas caros. Ressalte-se que semana passada o Galo regularizou sua situação.

As negociações de atletas são feitas com inúmeros subterfúgios nos quais a falta de transparência impera. A participação de terceiros nos direitos de jogadores, proibida agora pela Fifa, virou uma forma de empresários e fundos turbinaram os times que lhes dão as maiores comissões ou aqueles pelos quais têm preferência clubística.

Um exemplo é o largo investimento do grupo DIS, de Delcir Sonda, no Internacional e o do BMG no Atlético-MG, que agora está em redução, além da atuação de Pedrinho Mercado como mecenas do Cruzeiro. Não se sabe se esses times continuarão a ter esse dinheiro com a nova regulação.

Cartolas de Internacional, Atlético-MG, São Paulo e Vasco fizeram críticas recentes à distribuição de cotas de TV, e alguns falaram em espanholização, isto é, polarização entre dois times. Pelo menos os três primeiros clubes já investiram ou preparam contratações maiores ou iguais do que Flamengo e Corinthians. Então que desigualdade é essa tão propalada?

Fato é que, em um mercado sem nenhuma regra para nada, cada um tenta obter a vantagem que lhe é possível. Neste cenário, por que Corinthians e Flamengo deveriam ser bons samaritanos e abrir mão do que ganham por terem torcidas maiores do que os outros? Será que os outros clubes também estão dispostos a não se utilizarem dos seus questionáveis trunfos por um mercado mais igualitário para todos?

Antes de pensar em cotas de tv, o futebol brasileiro tem que encontrar uma regulação definitiva pela qual os times estejam submetidos à fiscalização de suas contas e não possam repetir a irresponsabilidade de anos seguidos. Pagamentos de jogadores e de dívidas fiscais devem ser priorizados sobre novas contratações. Depois, será a vez de dar transparência e regras claras ao mercado de transferências. Dados esses passos, pode se pensar na distribuição das cotas de tv, sem interferência do governo.

Fonte: Blog do Rodrigo Mattos

Coluna do Flamengo

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