República Paz e Amor – Quando Nelson Sargento compôs a obra-prima Agoniza mas não morre, no final da década de setenta, o campeonato carioca era empolgante. E o Flamengo começava a pôr em campo o que viria a ser o melhor e mais vitorioso time da sua história – para infelicidade, aliás, do grande Nelson, um sambista de primeira que que escolheu torcer por um time de segunda. Ninguém é perfeito.
Trinta e poucos anos depois, dá dó e dói demais ver o campeonato carioca trasformado em algo indigente e tão esvaziado. Ao contrário do que aconteceu na Europa, nosso gosto pelo futebol foi alimentado pelas rivalidades entre vizinhos. Lá, poucas cidades têm mais de um clube de peso. Milão, Londres, Manchester, Lisboa, mais uma ou duas. Aqui, tudo sempre foi de outro jeito. Igual a qualquer torcedor da minha geração, comecei a gostar de futebol por causa da paixão que o campeonato carioca provocava e de muitos dos seus momentos inesquecíveis – tanto para o bem como para o mal. Entretanto, como diz um dos trechos de Agoniza mas não morre, “Mudaram toda a sua estrutura / Te impuseram outra cultura / E você não percebeu.”
Há quem defenda o desligamento sumário dos aparelhos. Por conta de uma gigantesca e deliciosa memória afetiva, tenho minhas dúvidas. É forçoso admitir que as fórmulas tentadas têm se revelado frágeis, mas será que não há nada a ser feito? O que sei é que não podemos nos conformar com um campeonato carioca decidido no estádio Raulino de Oliveira, em Volta Redonda, e com menos de 15 mil pessoas pagando ingresso. Aconteceu em 2013.
Fato é que o carioquinha está aí batendo na porta, e não há outra opção a não ser ganhá-lo. Para nós, rubro-negros, até pouco tempo ele ainda trazia o desafio de ser a única competição em que víamos um adversário carioca à nossa frente. Mas o século XXI se encarregou de acabar com a idiossincrasia. Não precisamos mais virar o jogo, é só administrar o resultado.
Apesar de nossa reconhecida humildade, não dá pra não dizer que somos favoritos. A questão é – e aí está a maior de todas as graças do futebol – que isso não representa grandes coisas. Por outro lado, cabe à comissão técnica rubro-negra ser criteriosa o bastante para fazer exatamente o que deve ser feito nos momentos de escalar ou poupar, manter em campo ou substituir. Vale lembrar: ano passado, demos mole. Contundidos em uma partida do Brasileirão que, àquela altura, pouco valia (contra a Chapecoense), Léo Moura e sua experiência, Gabriel e sua porra-louquice fizeram falta na desastrosa eliminação para o Atlético Mineiro na semifinal da Copa do Brasil.
Sou péssimo para compreender e avaliar jogadas políticas, mas tudo leva a crer que os estaduais têm resistido por conta dos interesses das federações e da mentalidade tacanha de uns poucos grandes clubes – o que fica evidente na posição adotada pelo Vasco na questão do tabelamento dos preços dos ingressos. Eurico Miranda pode carregar todos os defeitos do mundo, mas de bobo não tem nada. Ele sabe que o campeonato vai começar, seu fraquíssimo time vai ganhar da Cabofriense e do Madureira por quatro a zero, a torcida vai cantar que o campeão voltou, a imprensa vai elogiar os 100% de aproveitamento obtidos na segunda rodada e todos fingirão acreditar que tudo vai bem. Aí chega a semifinal, acontece uma surpresa, é lucro. Se perder, põe a culpa no juiz e, como diz minha mulher, assim a vida vai fluindo.
E assim segue, em estado terminal, o campeonato que já teve partidas com mais de 150 mil pessoas no estádio e que contribuiu decisivamente para fazer do velho Maraca a praça futebolística mais famosa do planeta. Pelo menos, ele segue embalado pelo belo samba de Nelson Sargento: “Agoniza mas não morre / Alguém sempre te socorre / Antes do suspiro derradeiro.”
Jorge Murtinho
“Eurico Miranda de bobo não tem nada”.
É.. não ficou somente nas vitórias contra Cabofriense e Madureira como citado. Os fregueses Fluminense, Flamengo e Botafogo caíram de um a um diante esse Vasco do Eurico, o legítimo Campeão Carioca de 2015.