Ingleses ignoram o tamanho de suas torcidas.

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Confesso que o objetivo era outro. Após a grande repercussão da coluna “A César o que é de César – Um Tratado sobre Audiências 2014“, pareceu interessante adentrar no acalorado debate acerca da distribuição de recursos do televisionamento – já que tantos consideram mais apropriado o modelo inglês*. Mas para tanto, é imprescindível conhecer o tamanho, distribuição e perfil de consumo das torcidas – algo que no Brasil é constantemente mapeado pelos institutos de pesquisa. Como este tipo de estudo não é uma tradição na Inglaterra, optei por contactar individualmente os 20 times da Premier League. O resultado foi surpreendente.
*Segundo o qual, pequena parcela dos recursos é distribuída de acordo com a audiência proporcionada pelas torcidas. Parte do dinheiro é dividido igualmente e outra parcela, proporcional à performance no ano anterior.
O perfil de quem consome o “produto Campeonato Inglês” não é um problema. Anualmente é divulgada uma Fan Survey, que detalha onde, quanto e por que os fanáticos pelo futebol inglês acompanham o torneio. No entanto, quando a questão se torna o tamanho das torcidas de futebol na Inglaterra, a coisa muda de figura, com agremiações aparentemente dando de ombros para informação.
Pode-se dizer até mais: eles negligenciam solicitações do gênero, algo inesperado em se tratando de clubes tão profissionais. O Blog Teoria dos Jogos entrou em contato com todos os integrantes da Premier League temporada 2014/2015: Arsenal, Aston Villa, Burnley, Chelsea, Crystal Palace, Everton, Hull City, Leicester, Liverpool, Manchester City, Manchester United, Newcastle, Queens Park Rangers, Southampton, Stoke City, Sunderland, Swansea, Tottenham, West Bromwich e West Ham. Os contatos foram passados diretamente pelo responsável de “Supporter Services” da Premier League, tornando indiferente a solicitação vir de um pequeno blog de um país distante. A mensagem, enviada no dia 12/01/2015, teve o seguinte teor:
Hello,
 First of all, my name is Vinicius Paiva, a 32 year-old Brazilian and economist. I really apologize for my poor English.
I’m a blogger and marketing sports specialist. I edit “Blog Teoria dos Jogos” (http://www.blogteoriadosjogos.com/). One of the trending issues in my blog is related to something you don’t usually explore in England: the number of supporters of local clubs, all over the country. 
I have searched through Premier League’s Fan Surveys and nothing was said about that. Do you have any survey or poll – even if not recent – to provide (nome do time)’s number of supporters inside England? I’d like to approach the subject, and would appreciate very much in case of help.
Regards from Brazil
Vinicius Paiva
Inspirado numa excelente ideia do colunista Bernardo Pombo, do Blog “Pombo Sem Asa” do Globoesporte.com, o perfil do “Não Fale Conosco” na terra da rainha foi o seguinte:
Leicester (resposta no dia seguinte): “É impossível dizer quantos torcedores possuímos. Eles o fazem de todo o mundo, não apenas da Inglaterra. Vai ser difícil você conseguir a informação. Tudo o que podemos dizer é que vendemos 23 mil carnês para a temporada, temos 3.000 sócios e 5.000 sócios junior. Mas existem milhares de outros que não vem aos jogos regularmente, por uma ou outra razão.”
Burnley (resposta no dia seguinte): agradeceu e encaminhou para o departamento responsável, que não respondeu.
Manchester United (resposta no dia seguinte): agradeceu e encaminhou para o departamento responsável, que não respondeu.
Southampton (resposta no dia seguinte): “É muito difícil julgar nosso número de torcedores, uma vez que nem todo torcedor vem ao jogo, e nem todos os que vem aos jogos são torcedores! Não temos pesquisas que quantifiquem o tamanho de nossa torcida fora de Southampton, embora a Premier League FanSurvey  dê uma ideia na comparação as outros clubes.”
Não responderam, três dias depois: Arsenal, Aston Villa, Chelsea, Crystal Palace, Everton, Hull City, Liverpool, Manchester City, Newcastle, Queens Park Rangers, Stoke City, Sunderland, Swansea, Tottenham, West Bromwich e West Ham.
Ainda que soe estarrecedor, os times ingleses se saíram pior que os brasileiros no índice de respostas: dezesseis deles ignoraram e apenas dois se pronunciaram diretamente sobre o tema. Entre as respostas, uma interessante unidade em torno do completo desconhecimento com relação ao que ocorre fora dos domínios da cidade ou das cancelas do estádio.
Conhecer o tamanho das torcidas, nacional ou localmente, é o cerne do trabalho desenvolvido pelo Blog Teoria dos Jogos. Isto não ocorre para fomentar a mera rivalidade clubística – embora seja um saudável efeito colateral.  Quantificar as torcidas é mapear o perfil da demanda por produtos e serviços ligados a um clube. É impossível desenvolver iniciativas de marketing sólidas sem que se tenha clara a configuração deste público-alvo.
Devido à capilaridade da Premier League, resta claro que os ingleses ignoram esta questão com base na falácia de terem torcida globalmente – algo que, de fato, apenas alguns dos gigantes possuem. Há, ainda, que se diferenciar o torcedor do mero fã, pois estes se modificam ao sabor das boas fases, conforme comprovam pesquisas dentro do próprio Brasil. Se é verdade que existem hordas de torcedores de times ingleses fora do país (especialmente na Ásia), também é certo que o consumo mais robusto ocorre em âmbito nacional. Prova disto são os números de alguns times brasileiros, baseados na fidelização de consumidores em um mercado interno bem mais robusto.  As vendas de camisas de Flamengo e Corinthians e o número de sócios do Internacional se encontram em linha com o que se verifica entre os maiores times de lá.
Segundo o velho ditado, “é preferível pecar pelo excesso do que pela omissão”. Se as muitas pesquisas no Brasil trazem consigo estudos mal elaborados, o contrário também acontece. Conhecer detalhadamente o perfil das torcidas não é algo que se possa descartar, tanto que publicações de outros países europeus também o fazem. Assim podemos dizer que conhecemos perfeitamente nossas características, o que não acontece na Inglaterra. Por incrível que pareça, ao menos neste sentido o Brasil estaria à frente da pátria-mãe do velho e violento esporte que tanto amamos.

Fonte: Teoria dos Jogos
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