‘Lei da mordaça’ do Carioca é questionável e pode ser ilegal.

Compartilhe com os amigos
Em 2015, o jogador que quiser criticar o Campeonato Estadual do Rio pode gerar uma multa de R$ 50 mil ao seu clube. A multa cria uma espécie de “lei da mordaça” e faz parte do novo regulamento da Ferj (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro), que gerou polêmica assim que se tornou público. Para especialistas ouvidos pelo UOL Esporte, ele é questionável e pode ser considerado ilegal.
A reportagem ouviu quatro profissionais do direito sobre a norma da federação, e todos apontaram problemas na novidade. A “lei da mordaça” tornou-se pública na última terça, quando o jornal Extra publicou o conteúdo do artigo 133 do Regulamento Geral de Competições da entidade.
“A veiculação, em qualquer meio de comunicação, decorrente, direta ou indiretamente, de ato e/ou declaração, considerados contrários, depreciativos ou ofensivos aos interesses do campeonato, praticada por subordinados à presidência de qualquer associação disputante , será considerada como ato lesivo à competição e sujeitará o clube a que pertencer o agente, após decisão do Conselho Arbitral, a multa administrativa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), dobrada a cada ato lesivo gerado por qualquer outro membro da mesma associação”, diz o artigo.
“Essa cláusula é inconstitucional. A Constituição diz que qualquer pessoa, jurídica ou física, tem o direito de se manifestar sobre qualquer assunto”, diz Marcelo Figueiredo, professor de direito constitucional da PUC-SP.
A multa foi implantada após uma Assembleia Geral da Ferj no início de janeiro, na qual nem todos os clubes compareceram. A ausência permitiu que os presentes aprovassem o regulamento com a nova regra. Na visão dos advogados, porém, isso não minimizaria o caráter ilegal da “lei da mordaça”.
“Não posso colocar num estatuto que negros não terão acesso a um local. Não é porque sou entidade privada que posso discriminar. Senão eu poderia colocar qualquer coisa em um contrato”, completa Figueiredo.
“Você pode dizer que os clubes entram em um acordo privado para montar a competição, e ao fazer esse acordo se submetem a determinadas regras. Se eu fosse advogado da federação eu tentaria argumentar por esse caminho e deixaria para o Judiciário decidir qual é a interpretação mais correta”, diz Luiz Fernando Moncau, pesquisador da FGV Direito Rio, que entende que há uma área cinzenta, mas acompanha a opinião de Figueiredo.
“A liberdade de expressão é um direito fundamental. E direito fundamental não pode ser restringido por lei e muito menos por entes privados. O raciocínio é que o acordo entre as partes não vai prevalecer sobre a Constituição, que é a regra máxima e principal norma jurídica. Se eu tivesse de ficar com uma das duas visões, eu ficaria com a mais favorável à liberdade de expressão”, disse Moncau.
As críticas vão além. Camila Marques é advogada do Centro de Referência Legal da Artigo 19, ONG internacional que defende a liberdade de expressão, argumenta que a formulação da norma mostra um certo caráter intimidatório.
“Qual é o conceito de ofensivo? A denúncia de um fato verídico pode ser ofensiva? Tem um ponto fraco dessa norma que é não ser específica. Aqui na Artigo 19 a gente trabalha com a ideia de que há um limite, que não se pode usar a liberdade de expressão para ofender alguém, mas você tem de ter critério. Assim você cria um enorme buraco para intimidar”, disse Marques.
O mais curioso é que a norma da Ferj tem precedência no CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva), que rege o esporte nacional. Só que a aplicação é bem diferente daquela apresentada pela Ferj.

Fonte: UOL
Compartilhe com os amigos

Veja também