República Paz e Amor – Quem já teve a curiosidade de clicar ali no Sobre Jorge Murtinho viu que sou redator publicitário. Assim que entrei em meu primeiro estágio numa agência de propaganda, e isso faz tanto tempo que é espantoso que eu ainda me lembre, o pessoal do departamento de criação da saudosa Caio Domingues me obrigava a consumir boa parte dos dias na leitura de anuários de propaganda – livros que trazem o melhor da produção publicitária em todo o mundo. Eu ficava abestalhado com aquela transbordância de criatividade, e uma das campanhas que nunca esqueci era de uma locadora americana de automóveis chamada Avis. Dezenas de anúncios de revista, cada um mais bacana que o outro, em que a Avis reconhecia a liderança da concorrente Hertz e se assumia como a segunda no mercado. O conceito presente em todas as peças era esse: quem é a segunda tem que trabalhar duro para vir a ser a primeira. Por isso, os clientes da Avis jamais receberiam um carro com guimbas de cigarro no cinzeiro, bancos com uma sujeirinha que fosse, sem combustível no tanque etc. Era simples e crível.
Entretanto, a grande sacada não estava em admitir a liderança da Hertz: o bem escondido pulo do gato era se declarar a segunda do mercado – o que não era tão indiscutível assim. Na verdade, com a Hertz acima de todas as outras, havia um violento pegapacapá em busca do segundo lugar. Com aquela campanha, a Avis se posicionava como tal e encerrava a discussão.
A cada atitude tresloucada e irresponsável de Eurico Miranda, percebo um traço – sem um pingo do mesmo talento, claro – da campanha da Avis, a começar pelo desejo incontrolável de marcar posição como vice. O próprio Eurico já disse, reiteradas vezes, que o seu maior mérito à frente do Vasco foi colocar o clube na condição de maior rival do Flamengo, passando a perna em Botafogo e Fluminense. Assim, a picuinha e o indisfarçável recalque em relação ao rubro-negro seriam uma espécie de jogo de cena: como é impossível discutir a superioridade do Flamengo, resta ao Vasco garantir a posição imediatamente abaixo. Ser vice, em São Januário, é mais que uma questão de sina: é uma ambição.
O texto “Agoniza mas não morre” foi postado aqui no República Paz & Amor antes de Flamengo e Fluminense divulgarem a nota que pode virar nosso futebol de ponta-cabeça. Ela muda muita coisa, inclusive essa frase escrita por mim naquele post: “Fato é que o carioquinha está aí batendo na porta, e não há outra opção a não ser ganhá-lo.” Na boa, nem sei se isso continua sendo um objetivo.
Sim, tentativas semelhantes de mudanças já ocorreram, sendo a última e mais importante delas a formação da liga de clubes para a disputa do Campeonato Brasileiro de 1987, que poderia ser um marco na história do futebol brasileiro e acabou esvaziada porque alguns clubes afinaram. Há quem ainda duvide de tais gestos, mas não custa lembrar que o surgimento do Bom Senso FC também foi visto com reservas – ah, isso não vai dar em nada –, e o movimento está aí, interferindo, influenciando e sendo recebido em audiências pela presidência da República.
Ok. O que Flamengo e Fluminense propõem não é simples. Primeira pergunta: se todos os pequenos estão com a Ferj e o Botafogo lamentavelmente embarcou na furadíssima canoa vascaína, como fundar uma liga independente contando com apenas dois clubes? É possível que a dupla Fla-Flu tenha algumas cartas na manga e minha pergunta seja ingênua, mas não me incomodo. Sou ingênuo mesmo. Tenho o raciocínio simplório e apolítico da imensa maioria dos torcedores.
Por outro lado, não creio que essa dúvida prática diminua a importância que a nota tem. Pois o fundamental é o fato de Flamengo e Fluminense deixarem claro, junto às suas torcidas, aos patrocinadores, aos parceiros comerciais e aos detentores dos direitos de transmissão pela tevê, que disputarão o Euriquinho 2015 sob protestos e em respeito a eles, mas que não participarão de futuras competições montadas da mesma forma e com tal teor de desmandos.
Isso é o futuro, e não vale só para Flamengo e Fluminense ou para o campeonato estadual do Rio de Janeiro. Também vale para Corinthians, Palmeiras, Santos, São Paulo, Atlético Mineiro, Cruzeiro, Grêmio, Internacional e para os campeonatos paulista, mineiro, gaúcho e, sobretudo, brasileiro.
Os torcedores de Flamengo e Fluminense não precisam se preocupar em relação às estatísticas do campeonato carioca. Eurico e seu atraso têm três temporadas de mandato no Vasco, com possibilidade de recondução para outras três. (Mais que isso, convenhamos, não dá. O homem estará se aproximando dos oitenta anos.) Se, sem adversários e com a Ferj no bolso, o Vasco levantar seis carioquetas risíveis e com tanto valor quanto uma nota de três reais, chegará à marca de 28 títulos. Atrás, portanto, dos 31 do Fluminense e dos 33 do Flamengo.
Infelizmente, parece que isso é tudo o que a torcida do Vasco quer e foi para isso que os sócios do Vasco votaram. Deixemos com eles os títulos frutos da pobreza de espírito e de visão, e tratemos de cuidar do que interessa: a moralização do futebol carioca (e brasileiro) e o irrefreável destino que aguarda o Flamengo: o de se transformar num dos mais rentáveis e bem-sucedidos clubes do mundo.
Tem que aturar.
Por Jorge Murtinho
Concordo, o Flamengo tem que ganhar esses títulos pra dar a resposta dentro de campo! O Flamengo está voltando a se tornar uma potência futebolística mundial!