A irresistível e cômoda atração pelo atraso.

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Olhar Crônico – Às vezes assusta.

Quando você imagina que engrenou, que agora vai…

Não vai. Sempre aparece alguém com aquela conversinha mole, insidiosa, sedutora e confortável pregando o facilitário e falando de um mítico passado, onde tudo era perfeito. Chega a tal ponto que o infeliz ouvinte morrendo de dor de dente acaba acreditando até que bom mesmo era antigamente, esquecido de que antigamente não existia anestesia para extrair o dente.

A falsa euforia do GOL anulado.

A falsa ilusão do “antes é que era bom”.

A saudade inconsciente e sempre presente do Jardim do Eden.

Olhamos os jogos europeus e babamos.

Os comentários sobre o futebol da Europa enchem os olhos.

Os números das ligas, com euros e dólares atingindo números atordoantes.

O tanto de gente que vai aos estádios, muitos deles já sem ingressos disponíveis para a temporada antes de a temporada começar.

Os craques que por lá jogam e que por cá não mais jogam.

O futebol bonito, atraente, agradável de ver, prazer que há muito perdemos, com um ou outro soluço no meio da mesmice.

Ah, como é linda e perfeita a grama dos outros, mais verde que a nossa… Mas, o que nós gostamos mesmo é dos infinitos tons de cinza do nosso gramado.

E tome falação sobre a volta das “salvadoras” fórmulas mata-mata para o Campeonato Brasileiro. A nossa vocação pelo atraso demora, mas sempre chega.

Entre 1971 e 2002 não houve repetição de fórmula, cada ano foi uma, ora mais, ora menos diferente, mas nunca igual. A coisa toda, que seria cômica se não fosse trágica, assemelhava-se àquelas dondocasroliudianas, que demoravam horas trocando de roupas antes de ir para uma festa. E depois nunca mais usavam aquela roupa novamente. Por mais caro que ela tivesse custado.

Foram anos e anos de bagunça & desmandos. Com viradas de mesa. Regulamentos sendo trocados com a mesma facilidade com que se troca uma gravata.

Finalmente, em 2003 surgiu um pouco de ordem e, com ela, uma luz no horizonte que não era a de uma locomotiva num túnel estreito.

Aparentemente, e nos sonhos de todos que gostam do futebol, começávamos a trilhar um longo caminho que levar-nos-ia para o primeiro mundo da bola, colocar-nos-ia, ao menos na organização, em pé de igualdade com o futebol da Europa. Que, não por acaso, há muitos anos abriga o melhor futebol do planeta Terra.

Nossos clubes, enfim, conseguiriam se organizar, se planejar, tornarem-se sustentáveis e sérios, dando origem a um novo e melhor futebol brasileiro.

Vã ilusão.

De volta ao passado – a farsa

Estamos próximos do início da 13ª edição do Campeonato Brasileiro da Série A por pontos corridos e correndo o risco de vermos a 14ª edição voltar no tempo, voltar à bagunça, voltar à mesmice caótica de outrora. Uma vez mais, o que tem sido muito comum no Brasil, estaremos na contramão da história e do mundo desenvolvido, numa versão moderna, doentia e destrambelhada do velho “complexo de vira-latas” criado por Nelson Rodrigues.

Tudo isso porque alguns clubes estão pretendendo a volta das fórmulas mata-mata ao Campeonato Brasileiro.

Já no final do ano passado o presidente da Federação Baiana tocou nesse assunto. No início desse ano, foi a vez do presidente do Grêmio, seguido agora pelos presidentes do Vasco da Gama e do Santos.

Os dois grandes baianos foram rebaixados em 2014.

O Grêmio há muitos anos não vence uma competição de peso – Brasileiro ou Libertadores.

O Santos está mergulhado em crise profunda, agravada pela desilusão da saída de Neymar nada deixar de realmente concreto para o clube.

O Vasco retorna à Série A, mas vem de longa sequência de crises, não só financeiras e técnicas, como também políticas. O retorno de seu atual presidente é uma boa amostra do clima que dominou São Januário.

Outros oito clubes, segundo informações divulgadas pelo jornal Folha de S.Paulo, também andam pensando nesse retorno ao passado: Chapecoense, Fluminense, Goiás, Joinville, Ponte Preta, Corinthians, Palmeiras e Atlético Mineiro.

Já o Coritiba, Figueirense, Flamengo e Sport não têm opinião formada, segundo o jornal. Surpreende a presença do Flamengo nessa seção “sem opinião formada”, em total desacordo com o trabalho que vem sendo realizado no clube.

A favor da manutenção dos pontos corridos estariam Atlético Paranaense, Avaí, Cruzeiro, Internacional e São Paulo.

A favor dos pontos corridos está, também, o Estatuto do Torcedor, que com muita clareza define a obrigatoriedade de uma competição em que todos joguem contra todos, ida e volta, com todos os jogos previamente conhecidos.

Simultaneamente, aumentam em volume e frequência os queixumes com relação à distribuição dos direitos de transmissão do Brasileiro. Com eles, um ou outro dirigente já fala em criar uma nova associação e, com ela, “impor” novas cotas nos direitos de transmissão.

Para que isso aconteça falam em “união dos clubes”. Esquecem, porém, que tiveram tudo isso até poucos anos atrás, mas jogaram fora, graças, principalmente, ao fato de nunca terem conseguido se unir de fato.

Mais dinheiro “da televisão”, com outra distribuição, acreditam esses dirigentes (e muitos torcedores), irá salvar seus clubes e criar um campeonato maravilhoso, digno de competir com os europeus.

Francamente…

Repararam que as salvações sonhadas por esses dirigentes não passam em momento algum por seus próprios clubes, não passam por trabalhos pensados, planejados, executados com rigor, não passam pela adequação à realidade econômico-financeira de cada cidade, estado e do país?

Em suma, querem salvação, sim, mas não querem trabalhar para isso.

A salvação tem que cair do céu, como o maná bíblico, uma dádiva divina.

E sem esforço por merecê-la.

Querem uma fase classificatória e depois os fantásticos, rentáveis e míticos mata-mata.

Num primeiro ano, quatro clubes chegarão ao mata-mata. Vão ganhar mais algum dinheiro, verão seus estádios cheios, ganharão manchetes…

Ora, no ano seguinte uma meia-dúzia ou oito ou dez ou até mesmo os dezesseis ausentes da festa final irão reclamar. Que apenas quatro clubes não é uma coisa justa.

O número será ampliado para oito.

Como não conseguirão convencer os governos do mundo a aumentar o ano para 500 dias, a fase classificatória será fatiada, além dos clubes classificados passarem para doze.

Infelizmente, porém, no terceiro ano novas questões e problemas surgirão, e uma vez mais o modelitosalvador será alterado.

Nessa altura do campeonato o jogo já estará 10×0 para a Alemanha, ou 10×1, como exigem os patriotas que não abrem mão do mítico e ilusório gol dado pelo constrangido time alemão.

É bem capaz que nesse momento ou mesmo antes, o número total de clubes já tenha passado para 24, 28, 32…

O público médio estará na mesma faixa ou inferior ao que é hoje, com centenas de jogos de pouco ou nenhum valor vistos por quatro, cinco, seis mil torcedores e os jogos dos mata-mata vistos por multidões, que a cada edição serão menores.

Dizia o velho Marx, pensador há muito ultrapassado, mas ainda endeusado, especialmente nos países não desenvolvidos, que a história se repete uma vez como tragédia e depois como farsa.

A farsa do futebol chegará a um quarto desse século na mesma ou em pior situação ainda que a de hoje.

Ao invés de 1 jogador pegar um avião em Pequim e atravessar o mundo para se apresentar ao time da confederação, teremos meia dúzia ou mais. E outro tanto embarcando em Nova York, Los Angeles ou Miami. E os demais para completar o grupo embarcarão nos aeroportos de sempre: Londres, Madrid, Paris…

O Congresso Nacional e o Executivo, pressionados pela generosa “bancada da bola”, estarão discutindo a vigésima-nona tentativa de fórmula para salvar os clubes – esses verdadeiros “patrimônios nacionais” – da bancarrota, afundados em dívidas eternas e impagáveis.

Desorganizados. Irresponsáveis. Incapazes de se sustentar. Mas disputando emocionantes peladas em torneios mata-mata estrondosos, numa cômoda, confortável e irresistível volta ao passado.

Bom final de semana.

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  • Nada mais a dizer, texto perfeito!

  • PRA MIM TEM TER FINAL ..CADA UM COM SUA OPINIÃO,,

  • Perfeito texto, já foi comprovado em números que a média de público dos pontos corridos é superior ao antigo mata-mata, nas últimas 10 edições de cada um. O Eurico gosta é de bagunçar e tumultuar, porque assim ele pode mexer os pauzinhos para beneficiar o Vasco. Qdo a coisa é certa e organizada ele não tem como corromper as pessoas em benefício próprio.

    • o flamengo não pode deixar de jeito nenhum que mexam na sua cota de televisão,esse é o principal objetivo do eurico miranda,ele quer dinheiro e o flamengo não pode deixar isso acontecer.

  • Uma coisa é o mata-mata. Outra coisa são desmandos, manipulações, nao pagar impostos…
    Uma coisa não tem nada a ver com a outra!

    • Caro WLADIMIR, não soube interpretar o texto! é amigo, para quem não entendeu de fato um a coisa não tem nada a haver com a outra, pois os incompetentes são os primeiros a quererem a mudança porque os seus Clubes não terão condições com os seus times medíocres de lutarem pelo campeonato com Clubes Saneados e times de qualidades, pois é assim que pensa o malfeitor Cruzmaltino Eurico Miranda.

  • Parabéns pelo texto Perfeito!!! Se querm mata a mata disputem a Copa do Brasil!! Absurdo ess volta ao passado e esse cancer do futebol chamado Eurico Miranda!!!

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