GE – Calendário, distribuição dos direitos de TV para os clubes, pagamento de dívidas, fair play financeiro. São muitos os assuntos que permeiam a discussão sobre como melhorar o futebol brasileiro. E um assunto que é sempre levantado é a maneira como são tratadas as categorias de base no país. A competitividade no esporte e o estímulo desde cedo à iniciação tática e técnica se tornaram comuns na formação de atletas e incentivam o debate sobre qual a melhor maneira de se tratar os garotos desde a infância. O GloboEsporte.com conversou com coordenadores da captação de dois grandes clubes brasileiros, que afirmaram que, por mais que os trabalhos técnicos e táticos devam ser inseridos o quanto mais cedo possível, a parte lúdica das crianças precisa ser respeitada, para que elas gostem do esporte.
Fabrício Souza está no Flamengo há dois anos e meio e tem a responsabilidade de viajar para conhecer projetos e escolinhas, onde observa tudo o que acontece. O coordenador de captação afirma que um dos momentos importantes para um adolescente é a iniciação ao esporte, que vem na infância.
– Eu defendo a parte adaptativa, de iniciação universal no esporte, quando a pessoa está com sete, oito, nove anos, que é quando a criança, brinca, corre, chuta e salta. Só depois que entra a parte de adaptação ao esporte, propriamente dito, com conhecimento de regra, situações técnicas, ultrapassagem. Inicialmente a criança precisa se divertir. Por volta dos 15, 16 anos, ainda temos um estágio de formação. Só com 16 ou17 é que começa a competição, em que o jogador já precisa saber o que quer da vida – comentou.
Matheus Ornelas concorda com o companheiros de profissão. Gerente de captação do Cruzeiro há um ano e meio, ele acredita que a criança precisa se divertir. No entanto, para ele, o grande problema que acaba estourando nas categorias de base do futebol brasileiro é social e envolve a falta de inserção do esporte nas escolas.
– Existe um dado curioso e que precisa ser observado. Existe um processo de deficiência coordenativa de crianças do país que é enorme se comparada ao panorama de 10 anos atrás. Em algumas cidades ou estados, a Educação Física, como disciplina, não é obrigatória. Em países, como Estados Unidos e Alemanha, o principal fomento ao esporte está na escola. Querendo ou não, quando um atleta chega para nós, aos 14 anos, é preciso tirar este atraso das deficiências cognitivas, e isso atrapalha o processo de uma forma geral – disse.
Os profissionais na busca de garimpar novos jogadores não observam só a qualidade técnica do atleta em si. Cada vez mais se observa onde se vai buscar este tipo de jogador, e isso se dá por meio de visitas aos projetos de futebol. Na última sexta-feira, Fabrício viajou do Rio de Janeiro até a cidade mineira de Juiz de Fora para conhecer o Projeto Futebol da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Ele explicou como é a avaliação na primeira visita.
– Esta é uma visita inicial. Quando a gente vê que o projeto tem metodologia, se tenta acertar uma parceria. A cada dia o futebol pede a parte cognitiva, que um atleta resolva o mais rápido possível as situações de jogo, e estes caras estão nas escolinhas que têm esta metodologia bem definida, que se encaixa naquilo que o clube julga como algo importante na formação de atletas e captação de talentos. Desta forma, a partir do primeiro contato, clube e projetos passam a conversar durante anos, observando jogadores e descobrindo novos atletas – disse.
Responsável pelo projeto na UFJF, que atende mais de 70 crianças nas categorias sub-13, sub-15 e sub-17 de forma gratuita, o professor Marcelo Matta afirma que o curso não foi criado com o objetivo de disputar campeonatos e ganhar títulos, como a maioria das escolinhas, e sim para tentar buscar talentos, formar cidadãos e para focar nos estudos relativos a parte científica do esporte.
–Nós temos menos de um ano de projeto e traçamos um planejamento de que o trabalho tenha sucesso em cinco, sete, dez anos. Para isso, alguns valores têm que ser agregados, como relação com grandes clubes. Há muito aliciamento de jogadores, criação de sonhos, em busca de ascensão econômica de terceiros. Não queremos isso. Queremos que o atleta respeite o espetáculo, os companheiros, os técnicos, arbitragem e se destaque tecnicamente, tendo a oportunidade eventual em um clube. Mas há estatísticas que mostram que mais de 99% dos postulantes a jogador profissional não se tornam atletas. Por isso, o projeto também tem uma viés social e a chance dos meninos encontrarem um plano B para a vida. Além disso, a ideia da universidade é seguir investigando futebol, fazer estudos acerca do esporte – comentou.
CAMINHO CERTO… INDEPENDENTEMENTE DO 7 A 1
Após a goleada para a Alemanha, muito se questionou o modelo de formação de jogadores na base brasileira. No entanto, os profissionais que lidam diretamente com a garotada afirmam que a derrota na Copa do Mundo não teve interferência na maneira como os clubes brasileiros pensam os times de novos.
– O 7 a 1 acabou acontecendo, mas os profissionais já vinham se capacitando e seguem fazendo isso, com a Universidade do Futebol, cursos de pós-graduação, etc. Não é um fator que nos influenciou. Seguimos acreditando nos projetos de formação, como eles têm sido desenvolvidos, e acho que o 7 a 1 não influenciou em nada na base – destacou Fabrício Souza.
Matheus enxerga um panorama favorável à base no Brasil, sobretudo quanto à situação de estrutura que os clubes passam a desenvolver para abrigar a base. Além disso, ele destaca que o importante não é ser boleiro ou catedrático, e sim capacitado para coordenar os trabalhos com a garotada.
– Eu não sou a favor, nem do profissional de Educação Física, nem do ex-jogador. Sou a favor da capacitação. O aumento do ritmo do jogo, bem como da exigência de velocidade e força dos atletas, a questão científica e acadêmica passou a ser imprescindível. Além disso, criou-se o “boom do mercado do futebol”, e os empresários, de certa forma, ajudam com a estrutura. Centros de treinamento passaram a ser construídos em todo o país, dando maior condição para comissões técnicas completas e que atletas executem o trabalho da melhor forma – comentou.
Ainda de acordo com Fabrício, os grandes clubes brasileiros têm diferentes maneiras de trabalhar, com metodologias distintas, mas com qualidade na revelação de jogadores e dedicação do material utilizado entre os profissionais para melhorar ainda mais o trabalho.
– Tudo o que se faz no profissional, é trazido para as categorias de base. Estatísticas, tecnologia, investigação, DNA de atletas: tudo é utilizado como fonte de informação. Os clubes têm sua linha de trabalho diferenciada e adotam metodologias diferentes no trabalho de capacitação de atletas, mas todos os grandes estão em um grau muito elevado de qualidade no trabalho de base – afirmou.