Fonte: GE
A vida de Cristóvão Borges é andar por esse país. Guardando as recordações das terras por onde passou, o baiano deixou as dificuldades da infância em Salvador para fixar residência na Lagoa, um dos bairros mais nobres do Rio de Janeiro. “A vida do viajante”, composta por Luiz Gonzaga, é praticamente uma releitura da trajetória do hoje técnico do Flamengo, um apaixonado por música, culinária da Boa Terra e sobretudo pela família, time cujas principais estrelas são Dona Valdelice (sua mãe), Leninha (esposa), Cris (filho), Malu (neta) e Samanta (nora). Andou mesmo pelo Brasil. Foram sete estados percorridos enquanto jogador e tudo isso, como diz a letra de Gonzagão, com “saudades no coração”; de seu Alfredo, que faleceu pouco antes de o filho se profissionalizar como atleta do Bahia; e especialmente muito antes de vê-lo à frente de um de seus amores, já que se dividia entre o Ypiranga e Flamengo.
Hoje aos 56 anos, já encarou chuva e sol, poeira e carvão. Mas não está longe de casa. Mora na mesma vizinhança onde está localizada a casa do Flamengo. E bem à vontade. Em conversa com o GloboEsporte.com cuja a duração equivaleu quase a uma partida de futebol, disse que baiano é sensitivo e garantiu ver o Rubro-Negro contagiado por uma energia muito positiva. Afirmou isso justamente quando fora questionado a respeito do que mais o incomoda hoje no esporte. Elegeu a falta de planejamento, representada principalmente pelas constantes trocas de treinadores, e usou o clube da Gávea como contraponto. Para ele, em dois anos o Fla estará no topo. No mesmo local onde esteve nos anos 80, quando, de acordo com o próprio treinador, Zico e companhia começaram a praticar um estilo de jogo muito semelhante ao que apresenta o Barcelona de hoje.
– Eu não gosto de falar, porque me sinto remando contra a maré. Eu e Ricardo Gomes conversamos muito sobre futebol. Numa dessas conversas, reparamos que daqui a pouco vamos começar a falar besteiras. Discordamos de muitas coisas que estão aí, como a questão do treinador. Fala-se muito: “Ah, é cultura do futebol brasileiro, é assim mesmo”. Não pode ser assim mesmo. Os últimos grandes ganhadores do futebol brasileiro foram Corinthians, Atlético-MG e Cruzeiro. Todos esses clubes conseguiram manter o treinador por um período maior, mágico, milagre. Porque é mágico, é um milagre (ironiza). Agora existe uma contrapartida que também nós também viramos mercadorias alimentadoras do grande mercado. Como os clubes estão em situações que não conseguem estabilizar, acontece isso (a falta de planejamento). Por isso, eu estou muito feliz de estar no Flamengo, porque, com o trabalho que está fazendo, eu não tenho a menor dúvida de que o Flamengo no máximo daqui a dois anos será o maior clube brasileiro. Claro que, para que isso aconteça, é preciso caminhar junto com o resultado esportivo. O clube está trabalhando para isso. Se vai acontecer ou não, é muito difícil de assegurar. Mas os caminhos, as ideias e o trabalho que têm sido desenvolvidos caminham para isso. Por isso eu vou trabalhar muito para que o meu trabalho no Flamengo seja de longa duração, porque eu quero estar nesse momento. E eu sinto isso. A perspectiva é muito boa e muito grande – disse o técnico, que mostrou muita confiança em Guerrero e Emerson Sheik, reforços para a sequência do Brasileiro.
O comandante do Flamengo não está feliz apenas com os rumos que enxerga para o seu novo clube. Entusiasta da Operação Lava-Jato e satisfeito com algumas consequências do Mensalão, Cristóvão anima-se demais com a investigação que envolve pelo menos 18 dirigentes da Fifa. A caça aos corruptos o faz idealizar um futebol feito por “quem gosta de futebol”. Firme contra as falcatruas, usa o mesmo tom para cobrar seus comandados quando necessário. Repele o rótulo de “fala mansa”. Autoclassifica-se como educado, característica, de acordo com o próprio, que deveria ser comum a todos cidadãos.
Confira abaixo um longo bate-papo que não envolve apenas o Flamengo, mas também revela a “baianidade” de uma pessoa que precisou de jogo de cintura, ritmo e dança para enfrentar as dificuldades. Conheça boa parte da “Vida de um viajante”, que, pelos sertões por onde andou, deixou amigos. Leia-se pais, irmãos, esposa, filhos, neta e a bola, que, segundo o próprio, lhe deu todos os elementos para lutar e vencer.
*Ao final da matéria, veja a letra da música “A vida do viajante”.
Qual a imagem que tinha do Flamengo desde a infância na Bahia?
É aquela imagem de quem gosta e acompanha futebol. De o Flamengo ser um clube grande, um clube que tem distinções. Primeiro: é um clube de tradição, de camisa forte e que tem uma grande torcida. São coisas que sobressaem e que os adversários respeitam. É um clube de muita força. O Flamengo é único no alcance que tem no país. Já trabalhei no clube em 2004 (foi auxiliar de Ricardo Gomes), e quando saímos do Rio para jogar fora, era impressionante. Jogava sempre em casa, então é um clube diferente de todos.
Nos anos 80, embora você já jogasse, o Flamengo era muito visto no Nordeste. Qual era a repercussão daquele Flamengo do Zico por lá?
Quem gosta de futebol, independentemente de torcer ou não, gosta de ver bom futebol. O Flamengo durante anos teve um grande time, que jogou um grande futebol, na época do Zico principalmente. Zico, Júnior, Leandro, Andrade, Adílio, Julio Cesar… Já era vanguarda o Flamengo. O Flamengo, nessa época, jogava um futebol que era prenúncio do Barcelona atual. Era jogo de qualidade técnica, de posse de bola, de troca de passe.
Como está o assédio? Já tem muito pitaco?
É muito acentuado. Mesmo quando eu não trabalhava no Flamengo, dava para perceber que em todos os lugares tem muito mais torcedores do Flamengo do que dos outros. O assédio naturalmente aumenta, seja para apoiar, cobrar, dar conselho ou me dar escalação de time. Tem de tudo. Tem gente que fica sem jeito, outros que são escrachados, que pensam que tem a maior intimidade com você. E isso é futebol, um esporte popular. E o futebol tem isso que não existe em qualquer outra arte. O cara não te conhece e já chega conversando com você cheio de intimidade.
Cristóvão conta que era procurado até no seu celular.
O meu Whatsapp alguém criminosamente aqui no Rio disponibilizou o número e nome na internet. Isso faz uns seis meses ou mais. Durante um tempo, eu aturei. Eu recebia torpedos de todos os tipos pessoas e idade. Aí não aguentei e deletei, mas uma pena, porque é uma ferramenta muito interessante de trabalho.
Na semana passada, a primeira cheia para treinos, você bateu muito na questão do passe. Repetiu muito a expressão “Passe de jogo”. Defina o que é, por favor.
Concentração é a base de tudo. “Passe de jogo” é porque naquele momento há uma atmosfera diferente. É uma forma de fazer com que fiquem concentrados, lembrando o jogo. Essa fala é para fazer com que eles se sintam atraídos a se concentrar. Se você tem bom passe, você tem a condição de trabalhar o jogo. condição de trabalhar a bola e esperar o momento para agredir o adversário. Você tem o controle para poder descansar e acelerar o jogo.
Você era bom no passe em seus tempos de jogador?
Eu me identifico muito com isso, porque fui um jogador técnico, de errar poucos passes. E nessa época, a qualidade técnica era muito mais acentuada. E hoje, com a evolução física, você tem que aplicar isso associando (as partes técnica e física). Eu era um jogador técnico, sei o valor que tem o passe. Então sei que hoje, apesar da evolução física, a parte técnica é que resolve o jogo. A gente não pode perder isso, que é o diferencial do brasileiro.
Por que luta tanto contra os erros e é tão imbuído na busca por priorizar a qualidade?
O diferencial do futebol brasileiro sempre foi a qualidade técnica, a criatividade. E isso não podemos perder, pois, se perdermos, estamos perdidos. Tem que acentuar e revigorar isso. O fato de ter sido jogador, em determinado momentos, me dá vantagens. Sei do comportamento deles. Todos os sinais que eles me dão eu compreendo, e isso me facilita a antecipar muitas coisas dentro e fora de campo. Como sempre fui observador e na maioria dos grupos em que joguei fui capitão, exercendo liderança com os grupos, lidando com dirigentes, isso também me ajudou bastante, e tiro bastante proveito disso.
Saindo do campo para a projeção de carreira. O que não deu certo com o Grêmio?
Já havia recebido uma sondagem do Grêmio, mas agora chegamos a conversar mesmo. Houve interesse do clube, e eu também tinha o interesse. Tenho uma história muito marcante no Grêmio. Lá, cheguei à seleção brasileira. Houve uma incompatibilidade em relação à comissão técnica permanente que eles estão montando e em relação à minha. Foi único problema. E aí tive a felicidade de aparecer o Flamengo. Me sinto hoje com uma grande oportunidade e sinto que muitas coisas boas vão acontecer para o Flamengo.
Você, assim como o Cuca vivia até o fim dos anos 2000, é criticado pela falta de títulos. Monta times bons, mas ainda não foi campeão. Isso incomoda?
Toda oportunidade que tenho de trabalho, eu jogo tudo nisso. Essa crítica é pertinente, ela cabe e é fato. É verdade. Eu não ganhei título. Mas eu vou ganhar. O Cuca ganhou porque vinha fazendo bons trabalhos. Vinha sem ganhar títulos, mas trabalhando sempre em alto nível. O profissional, sem título, se não estiver trabalhando em alto nível, não continua em times grandes. Vejo como valorização do meu trabalho. Por isso, venho sendo escolhido por grandes clubes. Não ganhei, mas eu vou ganhar. E não tenho a menor dúvida disso. Tenho uma nova oportunidade e estou apostando tudo. Pode ser agora.
Na busca por títulos, Guerrero pode ser um dos seus pilares. Você o viu jogando contra o Brasil no domingo? Gostou dele?
Já gosto dele há muito tempo, já foi meu adversário muitas vezes. Não precisava nem ter visto. Além de ser definidor e artilheiro, ele faz um tipo de jogo que beneficia muito os companheiros e o time. É um jogador forte, que segura bem a bola no ataque, e isso se faz necessário para qualquer equipe. Além de ser experiente e ter o currículo que tem, é artilheiro e vai ajudar bastante a gente.
Tem a cara do Flamengo?
Vem de um time de massa parecido com o Flamengo. Então, com toda certeza, vai se sentir à vontade, e acho que vai conquistar a torcida rápido. Além de goleador, tem um estilo de jogar que se identifica com o Flamengo. Acho que vai dar certo.
Embora ainda não seja oficial a chegada dele, o que Emerson Sheik pode dar ao Flamengo com 36 anos?
Já trabalhei com ele. Foi meu jogador nos Emirados Árabes (2008, quando foi auxiliar do Toninho Cerezo), no Al Ain. Já o conheço bem e somos amigos também. Gosto dele porque na primeira passagem dele pelo Flamengo era praticamente um desconhecido no Brasil. Esse estilo de jogo dele também tem identificação com o Flamengo. É privilegiado fisicamente, ainda pode jogar em alto nível por alguns anos. E acho que essa volta dele ao Flamengo o deixa muito feliz. E a pessoa feliz faz as melhores coisas. É um jogador experiente, ganhador. Tem muita coisa a agregar para a gente. Lógico que muita gente fala da maneira dele de ser, das polêmicas, mas a contribuição que deixa é sempre positiva, e eu acho que vai ser assim.
Nos Emirados, você já imaginava que o Sheik se destacaria tanto por aqui?
Sabia que quando viesse para o Brasil viraria ídolo. Porque, com o que ele jogava e joga até hoje, conquistaria tudo isso em qualquer lugar. Ele gosta muito do que faz. E, com a qualidade dele e a entrega… Ele busca isso, então dentro do campo ele é espetacular.
Voltemos a você. Muito se fala de sua serenidade, mas no treino você cobra firme. Como enxergar esse tipo de avaliação?
As pessoas não sabem avaliar muito esse tipo de coisa. Você tem que ter sensibilidade. É interessante isso: eu só sou educado, como todo mundo deve ser. Quando chego no trabalho, eu exijo, falo palavrão, xingo. Isso aí eu cobro. No trato com as pessoas você tem que ser educado. Isso no futebol às vezes causa estranheza. Eu que acho estranho as pessoas acharem isso. E quando tem que chutar as coisas dentro do vestiário, a gente faz. Fala mais alto. Tem que ter sensibilidade para saber a hora de xingar, gritar, dar esporro e a hora de acolher e dar o apoio. Treinador tem que ter muitas habilidades.
Por que é estranho ser educado?
Tem muita gente que ganhou tudo e não precisa desse jogo de cena. Cada um acredita nas armas que tem, e todo mundo procura fazer o melhor com que adquiriu, com as informações que tem. Eu acredito muito no conhecimento e na informação. Para mim, mais importante do que o estardalhaço é dar informações relevantes.
O que mais te deixa incomodado, chateado com o futebol?
Eu não gosto de falar, porque me sinto remando contra a maré. Eu e Ricardo Gomes conversamos muito sobre futebol. Numa dessas conversas, reparamos que daqui a pouco vamos começar a falar besteiras. Discordamos de muitas coisas que estão aí, como a questão do treinador. Fala-se muito: “Ah, é cultura do futebol brasileiro, é assim mesmo”. Não pode ser assim mesmo. Os últimos grandes ganhadores do futebol brasileiro foram Corinthians, Atlético-MG e Cruzeiro. Todos esses clubes conseguiram manter o treinador por um período maior, mágico, milagre. Porque é mágico, é um milagre (ironiza). Agora existe uma contrapartida que também nós também viramos mercadorias alimentadoras do grande mercado. Como os clubes estão em situações que não conseguem estabilizar, acontece isso (a falta de planejamento). Por isso, eu estou muito feliz de estar no Flamengo, porque, com o trabalho que está fazendo, eu não tenho a menor dúvida de que o Flamengo no máximo daqui a dois anos será o maior clube brasileiro. Claro que, para que aconteça, é preciso caminhar junto com o resultado esportivo. O Flamengo está trabalhando , se vai acontecer ou não, é muito difícil de assegurar. Mas os caminhos, as ideias e o trabalho que tem sido desenvolvido no Flamengo caminham para isso. Por isso eu vou trabalhar muito para que o meu trabalho no Flamengo seja de longa duração, porque eu quero estar nesse momento. E eu sinto isso. A perspectiva é muito boa e muito grande
E o que o deixa mais feliz no futebol?
Hoje é o escândalo da Fifa. Primeiro porque não foi no Brasil. E, se fosse no Brasil, não teria tudo isso que está acontecendo em termos de rigor de investigação. Então isso dá esperança. O que nós que gostamos de futebol mais vemos é gente que dirige o futebol e não gosta de futebol. Gosta de negócio. Nós precisávamos de que as pessoas que gostam de futebol fossem mais preparadas para tomarmos conta. Para fazer futebol quem gosta, quem tem prazer de gostar de ver o estádio lotado. Esse é o meu sonho. Sei que pode parecer utopia, mas é isso que me motiva. Corrupção é mal da humanidade, aqui no Brasil estamos vendo Operação Lava-Jato. Quando se tem rigor, é porque está começando fora do Brasil, onde as leis funcionam melhor do que aqui. Assim, como foi no caso do Mensalão. Graças a Deus a gente teve o nosso grande Joaquim Barbosa, maravilhoso. Existem novos Joaquins Barbosas, tomara que eles apareçam. Quem gosta está torcendo para que seja tudo bem apurado. Queremos que apareçam as pessoas que gostem de futebol e que saibam fazer negócios. Temos exemplos simples. Americano nunca ligou para o futebol e, com toda certeza, em alguns anos eles estarão disputando com os melhores. Porque sabem fazer e fiscalizam direito. Esse tipo de coisa a gente tem de copiar até dos americanos.
Você quer o futebol gerido por quem goste de futebol. Como era a sua relação com o esporte quando pequeno?
Sempre joguei futebol muito, e na minha geração a violência não era a mesma. Tínhamos mais liberdade e jogávamos nas ruas. Vim disso. Ia a campos de futebol, já me destacava, e as pessoas mais velhas me levavam para jogar contra mais velhos. Meus amigos sempre foram ao futebol, me levavam para assistir quando eu não tinha condição. Sabiam que eu não tinha e me levavam.
E hoje?
Frequento muito praia. Hoje tenho uma rede de futevôlei lá no Leblon. Em todas as situações tem mais flamenguistas do que qualquer time, mas são discussões saudáveis. É na praia, restaurantes. É o grande esporte do Brasil e do mundo. Tem que ser bem cuidado.
Na sua rede de futevôlei no Leblon, os rivais mexem contigo?
Tenho imunidade parlamentar lá (risos). Eles combinaram de não de falar de futebol comigo. Quando chega algum desconhecido para uma foto, tudo bem. Mas quando chega alguém a fim de me aconselhar, eles dão um jeito (de impedir o tema).
Pausa no futebol. O que curte fora do esporte?
Praia é o que mais amo na minha vida. Sou baiano, moro aqui no Rio, então sou do mar. Gosto muito de música, minha mulher e meu filho trabalham com música – Leninha é empresária de Zeca Pagodinho, enquanto Cris é produtor musical de Mumuzinho. Mas antes de qualquer coisa, sempre curti música, venho de uma terra de grandes artistas. Vou ao cinema, adoro restaurantes. Como tive uma vida muito difícil, aí quando mudei de vida aprendi a comer bem.
O que gosta de ouvir?
Curto MPB muito, gosto dos baianos, é claro. Gosto de Reggae, de Bob Marley, de Stevie Wonder, do Michael Jackson.
Pelo fato de seu filho e esposa trabalharem com artistas, convive com muitos deles?
Convivo, conheço muitos, muitos. Já até influenciei um para trabalhar com gente que eu gostava. E aí aconteceu.
Poderia falar que tipo de parceria que influenciou?
Essa fica em off, senão vou comprometer minha esposa, que trabalhou com muita gente (risos).
Toca algum instrumento?
Eu fui salvo, porque é inaceitável que um baiano não toque um instrumento. Por outro lado eu compenso tudo porque dançar, eu danço.
Fez algum curso de dança?
Lá na Bahia, a impressão que se dá é que todo mundo nasce dançando. Como sou de origem pobre, aí num domingo você vai numa vila, numa favela. Aí não precisa ligar o rádio, porque o vizinho liga o rádio de uma forma que todo mundo ouve. E aí você vê no vizinho crianças que acabaram de aprender a andar e sabem dançar. Todo mundo sabe dançar na Bahia.
Você vai muito à Bahia?
Já fui mais. Tive a felicidade de em 2013 trabalhar no Bahia, clube onde comecei. Já trabalhei no Vitória duas vezes, então esses momentos foram como presentes para mim. Foi quando eu fiquei mais tempo lá. Volto mais nas férias lá. Minha mãe e minha irmã moram lá.
Um pouquinho de futebol novamente. Por que o baiano tem tamanha simbiose com o Flamengo. É Bebeto, Junior Baiano, Edilson, Obina…
Simples. É popular. Baiano é diferente. Não estou fazendo comparação, mas baiano gosta de gente. Se você for lá, precisar de alguma coisa e ele te conhecer, é capaz de levar na casa dele para você ir lá almoçar e fazer alguma coisa com a família dele. Se você pedir uma informação, em vez de ele ter falar, te leva no lugar onde precisa ir. Baiano é muito popular, é muito dado. O Flamengo é popular. Então essa identificação tem a ver com essa facilidade de se adaptar.
Você falou que gosta de comer? Você cozinha?
Não, minha mãe que é uma fera. É demais, faz cada coisa. Agora, quando estive lá trabalhando no Bahia, eu só almoçava na casa dela. Mas eu nunca me atrevi. Quando morei nos Emirados Árabes, aí pedia ajuda por Skype. E fiz coisas inacreditáveis (risos).
Que prato inacreditável, por exemplo?
Fiz um macarrão com molho que eu não acreditei. Eu fotografei (risos). Além de bonito, ficou muito gostoso.
A culinária baiana é muito boa, mas muito condimentada e, consequentemente, bastante calórica. Como ficar seco desse jeito comendo do jeito que você gosta de comer?
Eu sou privilegiado, porque minha genética é essa. Quando jogava, sempre fui muito magro. Continuo comendo, porque minha secretária aqui aprendeu a cozinhar muitas coisas com a minha mãe e as cozinha tão bem quanto a minha mãe. Faz um bobó de camarão maravilhoso que, quando trago meus amigos aqui, eles dão nota 10 para ela. Faz moqueca de peixe, coisas que a minha mãe é craque. Então adoro feijoada também, cozido. Prato preferido não dá para falar um só. Adoro moqueca de peixe e bobó de camarão. Gosto de cozido e adoro feijoada.
Fora do futebol, o que mais te deixa indignado?
São as desigualdades, a diferença muito grande que há no nosso país. A dificuldade muito grande de se sobreviver. A gente vê falta de hospitais, professores que não são pagos dignamente. É uma classe importantíssima. Com educação é que se constrói um país. Mensalão e Lava-Jato já são exemplos e alentos para que tenhamos esperança. Moramos em um país de desigualdade muito grande, onde quem tem mais, vive mais. Esses últimos acontecimentos serviram para dizer que quem também é deputado e grande executivo vai pagar se fizer errado. É desde uma rua mal asfaltada até uma Operação Lava Jato, sabemos qual o rigor deve ser aplicado. Aqui há leis interessantes, mas não são bem aplicadas. Não há fiscalização.
Você passou dificuldades em Salvador. Qual foi o grau delas?
Fomos muito pobres. A minha mãe era doméstica, e meu pai foi motorista de ônibus. Quando pai faleceu, eu tinha de 19 para 20 anos. Foi quando comecei a jogar no time profissional do Bahia. Uma pena que ele não conseguiu ver. E ele era apaixonado por futebol.
Ele era Bahia?
Era Ypiranga, um time de tradição que tem na Bahia. E não gostava do Bahia e não queria que eu jogasse no Bahia, porque tinha um diretor que ele odiava no Bahia. Ele era contra. Eu não tinha dinheiro, mas minha madrinha era de uma classe melhor e me dava o dinheiro para eu pegar o ônibus. E era tudo escondido. Dona Ivone, minha madrinha, foi quem me ajudou. E o sustento da casa, no início, era feito pela minha mãe, que cozinhava marmita para fora. E eu entregava na casa das pessoas de classe média.
Entregava as quentinhas já jogando? Apesar das dificuldades, você se expressa bem. Completou os estudos?
Já começando a jogar. E, quando comecei a ir para o profissional, comecei a ajudar em casa. No começo foi assim, com minha mãe guerreira, uma grande trabalhadora. Com tudo isso, fomos bem educados. Todos estudamos. Eu não fiz faculdade, mas terminei o segundo grau. No futebol, como sempre fui interessado e observador, aprendi muito. Tudo que tenho em aprendizado e cultura, o futebol me deu. O futebol me deu organização, disciplina, reforçou meu caráter. Tive uma infância muito difícil, mas tenho muito orgulho. Tive e tenho uma mãe maravilhosa, guerreira, fera. Éramos quatro, perdi um irmão também. Ela sustentou a gente, depois com a minha ajuda.
Dificuldades ajudam no quê?
Hoje, os jogadores já saem das escolinhas. Tem muita gente que já vem de classe melhor, de uma vida estável. Quando você vem de uma classe menos favorecida, a sua necessidade de conseguir as coisas te dá um impulso para ficar mais preparado para a briga. E nós vivemos na guerra de conseguir as coisas. O meu lado pobre me impulsionou a ser bom de briga. Minha história de vida me deu respaldo e sustentação para ser forte na hora de brigar.
Hoje morando no bairro mais nobre da cidade, ainda pensa nas origens?
Eu valorizo tudo que eu faço, justamente pelos meus princípios e valores. Eu consegui canalizar tudo isso de uma forma que me beneficiou muito não só na vida esportiva, mas nas relações com amigos e família. A vida e o futebol são muito competitivos, e isso me deu preparo para competir em qualquer nível.
Já que é tão fã de música, qual delas você leva como lema para a vida?
Seriam muitas músicas, mas a minha mãe brincava muito quando eu estava morando em algum lugar sozinho e ela tinha que me visitar. Uma lesão no joelho, quando eu tinha 21 anos, me deixou oito meses parado no Fluminense. Não havia artroscopia na época, e oito meses era muito tempo naquela época. Comecei a ser emprestado. Fui para o Operário-MT, Santa Cruz, Atlético-PR. Depois do Corinthians e do Grêmio, joguei no Guarani, Portuguesa… E aí tinha uma música do Luiz Gonzaga que fala: “Minha vida é andar por esse país”. Minha mãe adorava muito quando me via ouvindo essa música, porque ela identificava a vida que eu levava. Morei em muitos lugares do país como jogador. E, nesses lugares, eu já tinha perdido meu pai. Fui a esses lugares sozinho e foi muito difícil não ter família, o pai e a mãe. Tinha outros irmãos, e minha mãe tinha que cuidar deles. Música que marca minha história, por eu ter morado em lugares diferentes e por esse ser o seguimento da minha vida.
E o que te emociona?
É isso. Porque eu estou te dando essa entrevista aqui e estou no Flamengo, mas pouca gente sabe da minha história. Mas muita gente conviveu comigo e sabe disso. Adoro encontrar essas pessoas que são próximas, que sabem da minha história, porque, quando converso com elas, elas sabem do que estou dizendo. E muita gente não sabe. A minha história é muito longa. Esses momentos foram os mais difíceis. Continua difícil agora, porque o mundo é muito competitivo. Tenho que estar preparado para competição. Isso é o que me leva, me fortalece saber o que passei, o que vivi, a minha origem, meus princípios e valores é que me deixam prontos para a vida.
Tem uns quadros muitos bonitos aqui. Você que escolhe?
Não, é minha mulher. São quadros lindos. Eu gosto muito disso.
E você guarda fotos de campeão de clubes em algum canto?
Não tenho hábito, não, mas guardo. Não fico colocando em parede, mas tenho. Tenho família, que guarda álbum.
E esses álbuns vão aumentar no Flamengo?
Ah, espero que sim. Vou trabalhar, estou me sentindo bem à vontade. Fui bem recebido. O grupo de trabalho é muito bom. Por experiência e vivência, a gente tem uns sentimentos quando chega nos lugares. E baiano tem essa coisa de sentir a energia de longe, e eu sinto isso. Estou bem à vontade, e o sentimento é de que vão acontecer coisas boas. Pelo trabalho que estou vendo e atitude de todas as pessoas que estou vendo no Flamengo, estou sentindo que vai acontecer muita coisa boa.
Escale seu time. Quais são os nomes da sua mãe, filho, esposa…
O nome do meu pai é Alfredo, da minha mãe Valdelice, minha mulher é Leninha, e o meu filho é Cris (fala sorrindo). E, inclusive, sou avô há seis meses da Malu. Ééé (risos). Cris é casado com a Samanta, e eles têm a Malu.
O Cristóvão mudou um pouco depois da Malu?
Dizem que fica essa coisa, meu filho está para fazer 30 anos, então é muito tempo depois. Fica meio abobado mesmo.
O que acha que seu pai falaria, se pudesse estar aqui hoje, de você?
Meu pai era flamenguista, não sei se suportaria chegar ao Flamengo de treinador. Não sei se iria aguentar. Ele é uma pessoa que não tinha uma grande estatura, mas quando falava de futebol, falava alto. Parecia que estava brigando, discutia muito futebol. Mas ele iria ficar muito feliz. Minha mãe é Vitória, mas depois que comecei a jogar futebol ninguém tem a camisa, é todo mundo Cristóvão Futebol Clube.
* Veja a letra do sucesso de Luiz Gonzaga “A vida do viajante”:
Minha vida é andar por este país
Pra ver se um dia descanso feliz
Guardando as recordações
Das terras onde passei
Andando pelos sertões
E dos amigos que lá deixei
Chuva e sol
Poeira e carvão
Longe de casa
Sigo o roteiro
Mais uma estação
E a alegria no coração
Minha vida é andar por esse país
Pra ver se um dia descanso feliz
Guardando as recordações
Das terras onde passei
Andando pelos sertões
E dos amigos que lá deixei
Mar e terra
Inverno e verão
Mostre o sorriso
Mostre a alegria
Mas eu mesmo não
E a saudade no coração
Gente de coração torço muito pelo Cristovão, desde a época que ele treinava o Vasco eu sempre admirei o trabalho dele e a forma educada de lidar com as pessoas, e na época lembro de falar que queria muito que ele e o Rodrigo Caetano (melhor diretor de futebol do Brasil) viessem trabalhar no Flamengo. Fico muito feliz de ver meu desejo realizado e espero q ele consiga se firmar e ganhar muitos títulos com o Mengão porque ele merece muito. Parabéns Cristovão e que Deus abençoe seu caminho
O Cristóvão Borges transparece simplicidade, humildade e um algo a mais pela vivência no futebol. É um cara trabalhador honesto e que trata todos, do presidente ao faxineiro de maneira igual. Cristóvão torço muito pelo seu sucesso e consequentemente o do nosso Flamengo.
Cara gente boa, tomara que dê certo no MENGÃO. SRN
Torço para que ele(Cristóvão) ganhe esses títulos pelo Flamengo já esse ano!