Fonte: Olhar Crônico Esportivo
O Brasil parece ser avesso à responsabilidade fiscal em seus mais diferentes níveis e mais diferentes setores, desde a Presidência da República até o mais simples dos clubes de futebol.
Os clubes contavam com essa lei já em 2012 ou pelo menos em 2013. Não que estivessem morrendo de vontade de mudar de vida e se tornarem responsáveis, longe disso, mas sim porque com ela, ao menos por algum tempo, conseguiriam respirar melhor e conseguir novos recursos, até mesmo vindos de empresas do Estado. Não faltaram esforços em atender a esse desejo, representados no Proforte, projeto que, se aprovado como proposto, seria um verdadeiro maná para os clubes, um virtual perdão de suas dívidas com o Fisco – na verdade, com a Sociedade, pois o Fisco nada mais é que um mero departamento a serviço da sociedade, não podemos esquecer. O Proforte, felizmente, foi sepultado e em seu lugar veio a proposta para a Lei de Responsabilidade Fiscal no Esporte. Quando estava, finalmente, em vias de ser votada, depois de grande esforço e muito trabalho parlamentar, o atropelamento pelos prazos regimentais, férias e mudança de legislatura, contribuíram para que fosse encampada pelo Executivo e transformada na Medida Provisória 671, também chamada Profut.
Ontem foi aprovado o texto da MP 671 pela Comissão Mista (que reúne senadores e deputados federais) criada para analisa-la em sua tramitação pelas duas casas legislativas da República, tendo como relator o deputado Otávio Leite (autor, também, da lei citada). Agora, esse texto irá para votação no plenário da Câmara e depois no Senado.
Essa aprovação, contudo, não ocorreu de forma tranquila (leia aqui a matéria a respeito do portal GloboEsporte), teve mais uma atribulação em sua história.
Para que o texto fosse aprovado, digamos que o presidente da Comissão, o senador Sérgio Petecão (PSC-AC), jogou com o regulamento embaixo do braço. Aproveitou o fato de deputados membros da Comissão contrários a boa parte das propostas colocadas no texto se atrasarem para a reunião e, dentro da lei, dentro do regulamento, estritamente de acordo com o regulamento, é bom repetir, conduziu a votação com apenas quatro membros presentes (a Comissão trabalha com 24) e encaminhou-a para a votação em plenário, que deverá ocorrer na próxima semana.
Como já estão “carecas” de saber os leitores desse OCE, minha posição sempre foi totalmente favorável à rápida aprovação desse projeto e sua transformação em lei. Acredito, continuo acreditando, que isso se dando e com o seu cerne sendo mantido, teremos uma verdadeira transformação para melhor em nosso futebol.
Vejamos o que considero como o cerne da lei:
– Punição para os não pagadores com o rebaixamento de divisão, mantendo-se a obrigatoriedade de apresentação de CND antes do início de cada campeonato;
– Inclusão de práticas de Fair Play Financeiro pelos clubes, inclusive a restrição de gasto de no máximo 70% das receitas do futebol (a discutir se com ou sem as transferências de jogadores) com o pagamento da folha salarial do futebol, inclusive direitos de imagem;
– Responsabilização, inclusive patrimonial, dos dirigentes culpados por gestão temerária.
Tudo isso trará dificuldades por alguns anos, é bem verdade, mas em contrapartida dará aos clubes brasileiros reais condições de sobreviverem de forma consistente, sustentável, segura.
Inegavelmente, a Lei de Responsabilidade Fiscal é uma necessidade vital para nosso futebol.
Se essa lei é a busca do fazer a coisa certa, nada mais correto e necessário que sua tramitação se desse de acordo com o melhor figurino da democracia e das práticas parlamentares, sem precisar “jogar com o regulamento”.
No decorrer de mais de dois anos tenho defendido não só sua efetivação, como também o excelente trabalho parlamentar em torno dela. Acredito firmemente na importância do parlamento em nossas vidas, assim como acredito que nossas casas parlamentares contam com excelentes deputados e senadores, seguramente maioria em comparação com os parlamentares que povoam a imaginação e os comentários da maioria da população.
Justamente por isso fiquei bastante aborrecido com essa postura da Comissão Mista de colocar o regulamento embaixo do braço e “jogar” de acordo com ele.
Deu resultado, a “classificação” foi obtida, mas não posso parabenizar o time, a Comissão, pela forma como isso se deu.
Também me incomoda, e muito, as efusivas comemorações por esse feito. Reproduzo uma delas, parte de declaração de Ricardo Borges, diretor-executivo do movimento Bom Senso FC (a íntegra está no texto linkado no início):
“Estamos a 20 dias de a MP caducar, e você vê que existe uma tentativa orquestrada há muito tempo de tentar implodir a MP. Por parte de quem a gente já sabe quem é.”
O diretor do Bom Senso se refere a deputados que têm ligações com clubes e com a CBF, membros da chamada “bancada da bola”. Por sinal, dois desses deputados – Vicente Cândido (PT-SP) e Marcelo Aro (PHS-MG) – acumulam o mandato parlamentar com diretorias na CBF – Internacional para o primeiro e, ora vejam, Ética e Transparência para o segundo. Certamente, esse acúmulo de funções não é proibido, mas não me parece ser isso uma das coisas mais éticas à disposição de um parlamentar. Quanto à presença deles numa Comissão que vai analisar um texto que interessa diretamente ao seu empregador, não tenho a mínima dúvida em dizer que é aética. A rigor, esses dois deputados sequer deveriam participar de votações em plenário nas quais seu empregador tivesse interesse.
Essas posturas dos dois lados refletem um momento nada feliz de nossa vida como nação. De um lado atropelam-se princípios éticos básicos em busca de interesses pessoais ou corporativos. De outro, recorre-se à velha e tenebrosa máxima de que o fim justifica os meios.
No fogo cruzado dessas posições a vítima é a democracia e, em última instância, o povo, o cidadão. No nosso caso aqui, o torcedor de futebol.
Apesar de tudo isso, espero e torço muito para que a MP 671 passe pelo plenário da Câmara dos Deputados e, em seguida, pelo plenário do Senado, para, finalmente, ser transformada em lei. Já passou da hora.