Fonte: República Paz & Amor
Ainda nos tempos de Urublog, o Grão-Mestre Arthur Muhlenberg sapecou uma frase preciosa em um de seus posts: “Torcida tem idade mental de uma criança de três anos”. E não é exclusividade da torcida desse ou daquele clube, pois que a afirmação vale para todas. Ano passado, enquanto o indigente time do Botafogo se matava em campo para achar um jogo que não tinha, volta e meia se ouvia a torcida – quer dizer, aquelas duas dúzias de abnegados – gritar “queremos raça!”
Creio haver um estranho componente emocional nesse comportamento. Não sei exatamente o motivo, mas tenho a impressão de que, para nossa idade mental de três anos, é mais razoável acreditar que o time não tem raça do que constatar que o time é ruim. Às vezes a gente até percebe um descaso inaceitável em jogadores profissionais – feito o de Anderson Pico abandonando a sequência do lance, para olhar grama e chuteira, ao ser ultrapassado pelo lateral do Vasco –, mas raramente o problema é falta de raça.
Aliás, a última Copa do Mundo deixou claro que raça, sangue nos olhos e hino à capela não fazem de onze caras um bom time de futebol. Mais valem o equilíbrio emocional, a organização, cada um saber o que tem de fazer dentro de campo e estar treinado para fazê-lo da melhor maneira possível.
Entre as 22h e as 22h10 da última quarta-feira, eu e a torcida do Flamengo experimentamos uma tensa sensação de déjà vu. Samir saindo machucado aos 4 minutos de jogo; Marcelo recuando a bola com um tiro de meta que obrigou César a colocá-la do jeito possível para escanteio; nosso goleiro caçando borboleta na cobrança, e o gol do Joinville evitado por Ayrton em cima da linha; Jonas – que acabaria por fazer um partidaço – dando outra voadora em direção à cabeça de um dos adversários; Gabriel concluindo para o gol com seus irritantes chutinhos de pernas de siriema. Entretanto, ao contrário do que prometia o início do jogo, conseguimos realizar algo próximo do que caracteriza um time de futebol, embora no final tenhamos voltado a nos comportar como o Clube de Regatas Farândola e cuidando de segurar o resultado com formidáveis bicudas para onde o nariz apontasse. Enfim, ganhamos, e entre mortos e feridos salvaram-se os três pontos.
Aí chega o domingo, e com ele o problema recorrente do time do Flamengo: quando a quarta-feira nos dá uma leve animada, lá vem o domingo para nos devolver à realidade. Ou vice-versa.
Até que tivemos um bom primeiro tempo e só corremos risco uma vez, quando Wallace fez o que meu neto de quatro anos já aprendeu que um zagueiro tão culto jamais deve fazer: cabeceou uma bola para a entrada da nossa área, o cara do Figueirense pegou de prima e César defendeu bem. Não há organização tática que esconda a ruindade assumida de Marcelo ou acoberte a fragilidade de Wallace, mas estávamos organizados, com Jonas, Canteros e Alan Patrick dominando o meio-campo.
Chegamos ao gol, com Alan Patrick mostrando calma e habilidade, mas sucumbimos uma vez mais a uma falta tola de Wallace, num lance em que Jonas já tomara a frente e a bola do atacante. (Por favor, percam dois minutinhos e deem uma lida no 9º e no 10º parágrafos do post “Outro Esporte”, publicado aqui no RP&A em 14 de abril, em que faço uma listinha rápida dos gols que tomamos e dos constantes perigos que corremos em decorrência de faltas pueris cometidas por nossos zagueiros e volantes.)
A partir daí, deixamos de ser o time de futebol que estava em campo e voltamos a nos transformar em algo semelhante a um bloco de embalo. Prefiro escrever os posts sem ler ou ouvir comentários sobre a partida, o que pode me levar a cometer injustiças, mas por todos sabermos que o maior dos nossos males é a desorganização, Cristóvão errou feio em tirar Alan Patrick. Mesmo que ele tenha pedido para sair, Cristóvão continua errado por não ter posto Arthur Maia. E se considerarmos que Arthur Maia não inspira confiança no treinador, o que é evidente, que ele colocasse Jajá, Eduardo da Silva, Eduardo Bandeira de Mello, qualquer um menos Paulinho.
O final do jogo trouxe uma das clássicas “flamenguices” das quais a Nivinha tanto se queixa, e o pior é que, do mesmo modo que o comecinho da partida com o Joinville, teve todo o jeitão de déjà vu. Estava na cara que aquele desespero não poderia acabar bem, será que só Cristóvão não viu?
O desequilíbrio e o descontrole do time são notórios, transparentes, iniludíveis, e apenas isso explica tomar uma virada do Figueirense no Maracanã. Quando perdemos do Atlético, há duas semanas, reclamamos da nossa falta de organização mas fomos unânimes em reconhecer os méritos do time mineiro. No caso do Figueirense, não existe essa possibilidade.
E seguimos nós na triste sina que nos acompanha há tempos, com duas ou três temporadas de exceção: a de, em vez de vencer, vencer, vencer e torcer pelos mais fracos contra os mais fortes para facilitar nosso caminho ao título, perder, perder, perder e ter que torcer pelos mais fortes contra os mais fracos para impedir nossa ida à segunda divisão.
Na boa: isso não é Flamengo.
Jorge Murtinho
Excelente o texto.