Fonte: GE
Rodrigo Caetano não curte redes sociais por ser avesso ao compartilhamento de informações de sua vida pessoal e de seus comandados. Ser patrulhado é realmente algo que impede o diretor executivo do Flamengo de levantar o polegar de forma positiva. Bloqueia esse tipo de coisa por ser extremamente protetor consigo, atletas e familiares. O WhatsApp, muito popular entre os boleiros, não joga no time de Caetano, que trata o “print screen” como adversário. Mas patrulha está na origem desse gaúcho de 45 anos, nascido em Santo Antônio da Patrulha.
Patrulhar, portanto, é uma de suas principais funções, e os alvos são plurais: manifestações de atletas, condições de trabalho, acesso da imprensa a treinos fechados e até mesmo postagens da própria esposa. Há 10 anos atuando somente em clubes grandes na função que ajudou a fortalecer dentro do futebol, Rodrigo revela quais atribuições exerce um diretor executivo e garante: não está restrito a contratações, tema sobre o qual sofre a maior cobrança.
– Dentro de um organograma do futebol, esse executivo está no topo da pirâmide e para o grande público e vocês da imprensa é somente o responsável por contratar atletas, rescindir contratos e assim por diante. Mas vai muito além disso. Nosso trabalho é de uma gestão total do departamento de futebol, incluindo base, gestão de pessoas, controle de orçamento e participar de planejamento. E, dentre tantas atribuições, há também a de montar elenco. Não é apenas isso, e nós muitas vezes somos julgados por isso. Há todo esse trabalho de melhorar práticas de gestão, procedimentos e até qualificar melhor a estrutura do clube. Isso que vai viabilizar as conquistas, mas muitas vezes a grande maioria não tem prazo – afirma.
O dirigente acredita que sua categoria está sofrendo com a mesma impaciência direcionada a treinadores. Diante disso, crê que determinados profissionais, pressionados por respostas instantâneas, acabam optando por provocar rombos nos clubes e, consequentemente, arruinar planejamentos bem feitos.
– Nós estamos entrando numa situação muito perigosa, em que os gestores estão entrando naquele curtíssimo prazo de resultados em que os técnicos são avaliados. Daqui a pouco o executivo, se induzido a esse tipo de situação, o que vai acontecer? Será que esse profissional vai querer seguir à risca o orçamento e correr o risco de não estar aqui? Ou muita vezes sendo mais ousado e comprometendo as finanças para que tenha o resultado imediato. Nós temos alguns exemplos aí em que situação após a saída de um executivo pode ser comprometedora. Esses profissionais precisam ter tranquilidade para trabalhar. A relação com a diretoria estatutária (leia-se presidente e vice-presidentes) tem que ser muito clara. Quando você é contratado, é preciso saber para que te contrataram. Se for somente resultado esportivo, aí entra num conflito de ideologia.
Em conversa que teve duração de um tempo e mais três minutos de acréscimos, Caetano elegeu como maior bônus da profissão o fato de ter sido agente fundamental para a consolidação da mesma. Estudou e se qualificou para alcançar destaque, mas aponta o passado dentro das quatro linhas como a mola mestra para o sucesso. O ônus maior é a distância do time que mais orgulha de comandar, formado por Fernanda (esposa), Martin e Levi (filhos, que têm 7 e 1 ano respectivamente). A equipe, inclusive, será reforçada em novembro por Bento.
Confira abaixo o bate-papo na íntegra:
Diferencie, por favor, o seu trabalho de outros tradicionais integrantes de diretorias, tais como o vice-presidente, gerente, supervisor.
Do vice-presidente, que é estatutário e não remunerado, as atribuições são: estabelecer as diretrizes. Quais as metas, o orçamento… Nós, os profissionais (diretores executivos), temos que fazer a execução. Temos que entregar um trabalho. Eu sou o diretor, estou na ponta da pirâmide. Tem o gerente, que (no Flamengo) é o Gabriel (Skinner). Há o Sérgio (Helt, supervisor). Defendemos que tenhamos um gerente, que é o que faz o link com a diretoria estatutária, a relação com atletas, fornecedor e trata da questão de mapeamento dos jogos. E também um supervisor, que trata de logística, viagens.
Imagina-se que seu trabalho não tenha sido igual em cada um dos grandes clubes. Como atuou em Grêmio, Vasco, Fluminense e Flamengo? Quais são as peculiaridades de cada um deles?
É diferente, cada um tem um modelo de gestão. Em grandes clubes são 10 anos. No total, são 12, computando lá o RS (RS Futebol, clube onde iniciou a carreira na função, a convite do ex-técnico e jogador do Flamengo Paulo César Carpegiani). O Grêmio trabalhava num sistema de conselho de administração, onde um executivo era apenas uma peça nesse desenho todo. Depois, no Vasco, um início realmente com muito mais autonomia. No Fluminense, um modelo totalmente próprio, que tinha praticamente uma cogestão da patrocinadora. E agora, no Flamengo, com um modelo diferente (Conselho Gestor, onde as decisões são colegiadas). A capacidade desse executivo de se adaptar a isso é fundamental para que as coisas fluam naturalmente. Agora, acho que tem situações que são técnicas do executivo, como avaliação de todo o elenco, esse comando de todos os envolvidos. Isso não é para a área estatutária, não. Isso é para quem é profissional. Pode até mudar o clube, mas não muda a função.
Você parou de jogar futebol com 33 anos. A partir daí você percebeu que queria ser diretor executivo?
Antes. Comecei a fazer minha faculdade (administração de empresas) ainda enquanto atleta. Na época, antes da entrada da Lei Pelé, antes de 2001, via essa questão da falta de agilidade dos processos de futebol, porque a decisão sempre foi concentrada no diretor estatutário. Ou seja, presidente ou vice-presidente. E decisões que não eram muito relevantes. Uma coisa é você dividir uma decisão da contratação de um grande ídolo, outra coisa é o dia a dia. Muitas vezes há apenas as figuras do vice-presidente e do supervisor, que cuida de logística e viagens. Mas aí sentia que tinha um vácuo, um hiato de um profissional para tomar conta de decisões do dia a dia que fosse chamado de diretor, gerente ou superintendente. Fui para a área da administração, buscando sempre o esporte. Como na época não havia cursos específicos, você acabava adaptando as práticas de administração para o futebol. Depois disso, fiz minha especialização na FGV. O fato de ter sido atleta também ajudou muito.
Nunca quis ser treinador?
Nunca. A avaliação semanal é muito difícil. Meu trabalho demanda um pouco mais de tempo, mas acho que, às vezes para o clube, traz um grande resultado se tiver tempo. (Ser) Técnico mudaria muito pouco o meu ritmo de vida, permaneceria como quase que o mesmo de um atleta.
Por já ter jogado futebol e, consequentemente, entender de bola, você chega a indicar jogadores?
Hoje, uma das funções do executivo é conhecer o mercado. Acredito que contratações em qualquer clube deve haver consenso, no qual têm de estar inseridos os departamentos financeiro, técnico e a parte da diretoria executivo e de outros membros. Agora até você levantar os nomes, isso é um processo. Não pode ser somente da minha cabeça. O Flamengo hoje tem um departamento que se chama Centro de Inteligência de Mercado, que é responsável por prospectar isso. Porque, por mais que eu conheça de mercado e tenha bom relacionamento nele, não tenho a pretensão de saber tudo. Preciso de um suporte. Não fica restrito ao scout. É minutagem, aproveitamento, se teve lesões ou não. Aí leva o nome para aprovação do técnico e dos demais membros. Aí vem a questão negocial. São vários elementos que passam por isso. E o técnico é parte do processo.
Sobre seu relacionamento com a imprensa, você acompanha de perto tudo que sai nos meios de comunicação. Parte de você exclusivamente ou recorre à ajuda da assessoria?
Nós temos uma assessoria de imprensa, que faz uma clipagem (recolhimento de informações veiculadas nos meios) muito importante. Eu tenho como princípio em relação à imprensa a disponibilidade de atender a todos de forma igualitária. Eu não costumo nem privilegiar nem prejudicar ninguém da imprensa, porque se privilegio alguém estou prejudicando todos os outros. Não costumo jamais tirar alguém do caminho, me restrinjo apenas a não falar de alguns assuntos quando não posso. Há algumas senhas e legendas que vocês já conhecem, mas acho que não prejudicam o trabalho de ninguém. Procuro ter o cuidado para que tenhamos o mínimo de sigilo. Lamento muito é que no meio do futebol muitas pessoas acabem se prevalecendo da informação privilegiada. Só muda o endereço, todo clube tem aquele abastece vocês e acaba atrapalhando alguma negociação.
Mas mentir não faz parte do jogo mesmo? Não no sentido de que mentir seja legal, mas que o uso exista para despistar um assunto muito sigiloso.
Nunca fiz e não faço. Fico p… com quem quer crescer através dessa informação privilegiada. Minha legenda é: “Eu não posso falar sobre esse assunto” se ele tem veracidade. Agora, quando eu falo não, é não. Só alguma coisa que aconteceu por uma mudança radical. Você fala “zero de chance”, mas aí muda de repente. Mas nunca para tirar alguém do caminho.
Você tem o hábito de responder aos repórteres com mensagens de textos. Por que não utilizar o WhatsApp, ferramenta tão utilizada por esportistas e baseada em conversação instantânea?
Eu não tenho WhatsApp. Não tenho nenhuma mídia social nem Facebook, Twitter… Não tenho nada relacionado a isso.
Por quê?
Por proteção. No momento em que você se torna público, ao interagir com o torcedor, você está lidando com emoção. E eu, na maioria das vezes em que tenho de tomar uma decisão, preciso botar a emoção de lado. Atendo a todos os torcedores da melhor forma possível, mas esse tipo de relação em mídias sociais eu não utilizo. Para você ver, por eu não ter mídia social, os caras da imprensa acabam seguindo a minha esposa. Não gosto nem que ela coloque foto minha com meus filhos.
Ainda sobre o WhatsApp: concorda que otimizaria seu tempo?
Acho que é como se fosse a extensão de uma rede social. Ou não é? Muitas vezes esse print que se dá no WhatsApp roda o mundo. Eu até hoje tenho dúvidas. Certamente eu não teria tempo para trabalhar. Porque, se vê que estou online e eu não respondo, aí vão falar: “Não atende”. Respondo todas as mensagens de texto e e-mails. Acho que o WhatsApp traria muitos mais prejuízos do que benefícios. É um canal de comunicação que muitas vezes vai para a informalidade.
Os jogadores têm muita exposição nas redes sociais. Você se preocupa com eles? Chega junto nesse tema?
Os caras têm de entender a responsabilidade que eles têm. Temos um manual de conduta, que eles recebem quando são contratados. E eles seguem. Os problemas relacionados a isso hoje são mínimos. Lamentavelmente um tempo atrás fizeram um barulho absurdo por conta de uma foto (em que Pará, Cirino, Pico e Everton bebiam cerveja ao lado de Paulinho, que comemorava seu aniversário) que foi vazada e teve dimensão muito maior do que o fato. Nossas discussões são internas. Acho que foi pesada demais essa avaliação pública por um fato. Que isso sirva de lição para que vejam o quanto repercute negativamente. Não sei que benefício (as redes sociais) traz para os atletas, a não ser na questão familiar, dos amigos e amorosa. O negócio dos nossos atletas é jogar futebol, passar imagem positiva para os jogadores. A conversa é diária para que entendam a responsabilidade que têm para quando forem se manifestar.
Com toda essa rotina, como lidar com a família?
É das coisas que mais me dói. Eu só tenho hora para chegar, para voltar não tenho. Não consigo deixar nada para amanhã, e a família paga um preço absurdo. Eu, por exemplo, não abro mão de viajar com a delegação. Outros colegas não veem isso como algo fundamental. Se meu atleta vai abdicar de ficar com a família por dois dias, eu tenho que estar lá. Se vai ter protesto ou não, eu tenho que ser xingado igual. Eu fui atleta e gostaria de que meu chefe ou líderes fossem solidários. O que mais me dói é ficar longe dos filhos. Quando você vai ficando mais velho, e eu tenho 45 anos, acaba se tornando muito mais sensível do que antes. Então, um filho hoje tem peso muito maior para um cara da minha idade do que para um garotão de 20 e poucos, 30 anos. Mas está no pacote, velho. Eles vão entender isso no futuro.
Diante desse ônus todo de perder o momento de lazer com a família, qual é o bônus?
Realmente é um ônus que peso muito e me pergunto até quando vou seguir nessa carreira. O bônus é que tive muitas conquistas nesses 10 anos. Talvez um Mundial e uma Libertadores faltem. Todos os demais títulos já pude conquistar mais de uma vez. Foi um privilégio, o bônus maior, passar por todos esses grandes clubes. Quando que me imaginaria lá em Santo Antônio da Patrulha, cidadezinha de 40 mil habitantes, que trabalharia por Grêmio, Vasco, Fluminense e Flamengo. Esse carinho que recebo dos torcedores é muito bom. Ter convivido nesses clubes não tem preço. Além de tudo isso, o fato de ter colaborado com o fortalecimento desse cargo no futebol brasileiro, porque realmente acredito ter uma parcela importante numa função que não era vista com tanta importância como é hoje. Eu e outros colegas conseguimos isso.
Antigamente o que havia de similar à função que você executa hoje? Era o diretor de futebol?
Alguns clubes tinham um diretor de futebol não remunerado. Todo profissional remunerado era considerado supervisor ou um gerente. Mas com alçada bastante reduzidas. Sempre falo do Paulo Angioni, Isaías (Tinoco), Domingos Bosco, que tinham funções muitas vezes limitadas pelos diretores estatutários, mas que foram grandes dirigentes e precursores nisso. O Paulo e o Isaías ainda seguem seus trabalhos, mas a mudança aconteceu naturalmente.
Você citou o Domingos Bosco. Tem história grande no Flamengo e uma situação muito curiosa. Numa derrota para o Botafogo-PB nos anos 80, ele inventou que haviam roubado todo o material esportivo do Zico e acabou conseguindo desviar o foco do vexame. Já precisou de algum improviso do tipo para estancar uma crise?
Não nesses termos com tanta peculiaridade (como no caso de Bosco), nós aceleramos a contratação do Guerrero sem ele estar aqui no Flamengo. Porque o momento exigia que a gente passasse uma expectativa positiva para o torcedor. Já tínhamos o contrato firmado, mas ele ainda não havia passado por aqui. Entendemos com toda a direção de que seria importante divulgar a contratação o quanto antes para melhorar o ambiente.
Aproveitando o nome do Guerrero, acho que uma decisão partiu de você que foi boa para o Flamengo e ruim para a imprensa. No primeiro treino dele pelo Fla, estávamos barrados e começamos a usar o zoom de nossas câmeras para captar algo. De repente, a parte que tínhamos acesso com a lente foi tapada com uma ré dada pelo motorista do ônibus rubro-negro. Você que mandou, não?
Foi uma grande ideia nossa. Aliás, o ônibus passou a estacionar várias vezes em treinos fechados. Agora, com o reforço das obras de pavimentação, muitas árvores que ficavam ali no meio do caminho brecavam a visão de vocês. Como isso começou a ser modificado, vocês ficaram com a visão privilegiada. Foi uma decisão de muitos tantos e nossa, achamos por bem estacioná-lo naquele lugar estratégico. Até porque não dá para considerar o treino fechado se você tem acesso a metade do campo. Está bom para vocês (risos).
Qual o diferencial do Flamengo?
Não tem meio-termo. Vai da catástrofe à euforia em dois jogos. Tem muito mais torcida, a dimensão é sempre maior.
Você é conhecido como um baixinho linha dura. É por aí mesmo?
Temos manuais de condutas. Nesse momento, você minimiza seus problemas. É como se fosse um contrato moral. Eu, meu gerente e supervisor fazem esse trabalho comigo em relação à nossa postura em hotéis, viagens, horários. Tudo que eu fizer vai ficar aqui dentro. O dia que tiver de cobrar – e faço isso -, será internamente. Jamais vocês vão ler uma frase a respeito de qualquer atleta. É isso que estabelece relação de confiança e respeito. A gente não tá aqui para brincar. É nossa profissão e também porque temos mais de 40 milhões cobrando.
Falou de carinho das torcidas. No Vasco, teve tratamento de ídolo e o grito de “Fica, Caetano”. No Flamengo já há uma divisão: há apoio e cobrança. Num desembarque, torcedores reclamavam que você talvez tivesse de ser mais duro com determinados jogadores. Como lidar com isso?
Eu não vou jogar para a galera. Tenho que acreditar no meu método, e o que eu faço vai ficar aqui. Jamais vou fazer teatro, não preciso disso. Não vou ser pautado por avaliação pública, me preocupo com avaliação interna.
Você não pensa em ser presidente de clube?
Não. Não tenho nem condição financeira. Um dos predicados é ter a situação financeira estabilizada, porque você acaba se dedicando de forma integral sem remuneração. Eu trabalho para os clubes, sou profissional.
Do Grêmio, por exemplo? Você é gremista, né?
Não sou mais, não (risos). As pessoas às vezes pensam nisso porque joguei lá, me criei lá.
Mas quando criança era, não?
Com certeza, era sim, mas quando você vem para o lado de cá não há nada mais importante que o Flamengo ou o futuro clube que eu venha trabalhar. Só quem vive isso aqui consegue interpretar.
Já tem gente que participa de suas palestras dizendo que pretende virar um Rodrigo Caetano?
Na brincadeira, alguns tantos já falaram. Ainda não existe um curso acadêmico. Nós montamos a Associação Brasileira de Executivos, que se chama ABEX. Hoje, sou vice-presidente lá. Temos duas missões, que são qualificar mais esses profissionais e cada vez mais fortalecer esse cargo na estrutura dos clubes. Quem sabe um dia você não vai poder sair de um curso como um gestor de futebol?
Você se consolidou no Grêmio, depois no Rio de Janeiro. Pensa em Seleção?
Meu nome já foi citado para isso, mas, assim como o jogador, você deve ser convocado para isso. Eu não fui convocado. Qualquer profissional deseja trabalhar no órgão máximo dentro de sua profissão, mas vai muito mais de filosofia do que de oportunidade. Hoje, a gente tem pelo menos o cargo de diretor de seleções, que está com o Gilmar (Rinaldi). A gente torce para que dê certo, porque independentemente do nome, é necessário que a função ganhe força. Mas quem sabe? Não depende de mim, mas sim de ser lembrado e convocado para esse desafio.
Só perde pró Alexandre matos