Fonte: Olhar Crônico Esportivo
O dia foi meio tenso e ficou ainda mais tenso com notícias que vinham de Brasília, como, por exemplo, reunião/almoço no apartamento do deputado Jovair Arantes, um dos parlamentares com fortes ligações com clubes e federações. Dessa reunião teriam participado dirigentes de Corinthians, Palmeiras e outros clubes, mas não o Flamengo e o Clube Atlético Paranaense, que estavam oficialmente fechados com o texto do relator Otávio Leite para a MP 671.
Durante a tarde, nova reunião dos deputados, inclusive o relator, e dela saiu uma Emenda Aglutinativa Global. Esse é o nome que se dá a uma emenda que resulta da fusão de outras emendas, ou destas com o projeto.
Enquanto essa reunião terminava, o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, já dava início aos trabalhos e ao protocolo de votação de projetos como esse. Com o tempo passando rápido, o teor da “aglutinativa” não veio a público, o que acabou gerando alguns desencontros de informação, inclusive em canais de comunicação da Câmara. O próprio Jornal Nacional ao noticiar a aprovação da MP na Câmara, disse que o limite de 80% de gastos com a folha do futebol (folha de pagamentos e direitos de imagem) seria aplicado sobre a receita bruta anual, o que dá a entender ser a receita total do clube, mas isso não mudou: o limite de gastos continuará sobre a receita bruta anual do futebol, incluindo as transferências de atletas.
Pouco depois disso consegui conversar com o deputado Otávio Leite e ele confirmou a manutenção dos pontos-chave da MP 671, os mesmos da sua Lei de Responsabilidade Fiscal no Esporte. Vamos a eles:
CND – para disputar um campeonato – estadual ou brasileiro – o clube terá que apresentar a CND – Certidão Negativa de Débitos – e os comprovantes dos pagamentos das obrigações salariais, inclusive direitos de imagem.
Descenso – sem essas demonstrações o clube será rebaixado; o deputado explicou que para justificar essas exigências recorreu até ao Estatuto do Torcedor, que em seu artigo 10 estipula, justamente, que somente poderão participar de competições organizadas pelas entidades diretivas do futebol os clubes classificados “exclusivamente em virtude de critério técnico previamente definido”, ou seja, há uma determinação prévia que deve ser atendida pelos clubes e a comprovação de estar em dia com os pagamentos é um critério prévio. Naturalmente, foi mantida a exigência de que essas exigências constem dos Regulamentos Gerais das Competições.
Cabe aqui um comentário: no post sobre a participação de Marco Polo Del Nero na Audiência Pública na Comissão de Esportes da Câmara, destaquei o que ele disse sobre o período em que a Federação Paulista exigia salários em dia de todos os clubes que disputavam os estaduais. Del Nero disse mais: nesse período, simplesmente não houve caso de clube com pagamentos atrasados. Nessa audiência, o presidente da CBF deixou claro que não via a exigência de CND e pagamentos em dia como erradas ou impossíveis de serem atendidas.
Responsabilização dos dirigentes – nada mudou nesse tópico, exceto o período de inelegibilidade de dirigentes que praticarem gestão temerária, que caiu de 15 para 10 anos; o importante permanece: o dirigente poderá ser responsabilizado com seu patrimônio pessoal.
Clubes poderão controlar a CBF
CBF e federações estaduais – a MP passou ao largo das federações estaduais, principalmente na questão de ampliação de seus colégios eleitorais ou, como estava proposto, na mudança dos mesmos, dando mais poder aos grandes clubes, donos de maiores torcidas, maiores presenças nos estádios e maiores arrecadações. Durante a votação, inclusive, alguns deputados se manifestaram a respeito, dizendo que os pequenos clubes e ligas não poderiam ficar, simplesmente, sem o amparo das federações.
O grande bônus e, de certa forma, surpresa do texto da MP 671 foi a ampliação do colégio eleitoral da CBF – agora, com a nova lei, os clubes da Série B do Campeonato Brasileiro passam a ter direito de voto nas assembleias. Com essa medida, o placar muda: 40 x 27. Quarenta clubes (20 de cada série) e vinte e sete federações.
“Pulo do gato” – o deputado Otávio Leite introduziu uma mudança importante na MP 671 e que não foi comentada; ela determina que a partir de agora, os 40 clubes passem a participar de todas as assembleias da CBF. Essa é uma mudança surpreendente, radical e, de certa forma, revolucionária, pois até hoje os clubes apareciam na confederação apenas para votar, sem possibilidades práticas, inclusive, de sequer montar uma chapa, pois para isso precisariae m do apoio formal de pelo menos oito federações. Entre uma eleição e outra nada apitavam e todas as decisões eram tomadas pelas pelo colegiado formado pelas federações e controlado, sempre e com facilidade, pelas diretorias executivas da entidade. A partir de agora, depois de aprovada a lei, os clubes passam a mandar, de fato, na confederação.
Uma situação inédita, uma mudança radical que, acredito eu, será para melhor, muito melhor.
Outras mudanças foram feitas, algumas atendendo a pedidos dos clubes, outras não. Alguns deputados fizeram críticas a pontos como a supressão do “déficit zero”. Ora, francamente, é impossível determinar a uma entidade ou empresa que opere com déficit zero. Isso não existe, simplesmente. Nem gostei de ver um limite para isso, mas paciência.
Desde o começo sempre tive muito claro que a chave para a mudança e para o sucesso dessa nova empreitada, de mais uma facilidade para os clubes pagarem o que devem, estava no descenso e na responsabilização patrimonial dos dirigentes. Todo o resto, considerando os objetivos básicos da Lei de Responsabilidade Fiscal, primeiro, e da Medida Provisória 671, era simplesmente acessório.
Pessoalmente fico bastante feliz com esse resultado, acreditando que tem tudo para funcionar. Isso me deixa, curiosamente, um pouco na contramão, pois já pude perceber muito descontentamento com o texto aprovado. Não consigo deixar de pensar que isso se deve, em parte, ao gosto brasileiro por leis e à crença de que o papel e a caneta são capazes de promover mudanças profundas. Bom seria se assim fosse, mas não é o que ocorre. Mudanças desse porte pretendido não acontecem de uma hora para outra, não importa a força da “canetada”. Teremos problemas, é claro, nos próximos anos, até que novas cabeças, novas mentalidades novas práticas realmente dominem o futebol brasileiro. Essa lei é o pontapé inicial, um excelente pontapé, diga-se, que acabou por ficar melhor que a encomenda e melhor do que se acreditava que ficaria.
Falta o Senado analisar e votar, mas a previsão é que os senadores não mexerão no texto, até por falta de tempo, já que o prazo da MP expira no próximo dia 17.
Uma última palavra: foi muito bom acompanhar todo o processo que envolveu essa medida, primeiro na Câmara dos Deputados e agora também no Senado. Foram dois anos e meio até se chegar à votação de hoje, com suas reuniões e suspenses de última hora.
Muitos acharão tudo isso chato ou lamentável ou demorado, mas assim funciona o Parlamento e não somente no Brasil. Como disse mais de um deputado hoje, o Parlamento, principalmente a Câmara, é uma “casa de acordos” e no melhor sentido. Ali estão diferentes interesses, todos legítimos em maior ou menor grau, todos buscando seus objetivos. E cabe aos deputados buscar um consenso, procurar uma solução que atenda à maioria sem ignorar ou destruir a minoria. Não é fácil e é muito mal compreendido por grande parte da população. Por favor, não pensem em nossas casas legislativas de forma pejorativa ou ofensiva. Por piores que possam ser, e não são tão terríveis como se imagina, simplesmente não há como existir vida civilizada e democracia sem o parlamento, sem as casas legislativas, habitadas pelos nossos representantes eleitos. O Parlamento somos nós.
Meus parabéns a todos os deputados que participaram desse processo no decorrer desses 30 meses, em especial ao deputado Otávio Leite, que tem uma paciência de Jó, como diria minha avó.
E hoje, 364 dias depois dos 7×0 da Alemanha, com 7×1 no final por uma gentileza desinteressada dos vencedores, vi o segundo gol ser marcado.
Um gol demorado, um gol trabalhado, um gol conquistado e não dado. Agora, 7×2. Falta muito para diminuir.