Fonte: GE
Premier League. Bundesliga. La Liga. Lega Calcio. Ligue 1. Primeira Liga. Major League Soccer. Brasileirão. Todos são nomes dos principais campeonatos nacionais do planeta. O que difere os sete primeiros do disputado por aqui? Eles têm o termo “Liga” em seu nome oficial. E não em vão. Todos são, efetivamente, uma liga formada pelos clubes, que organizam o torneio em seus países. No Brasil, a CBF é a responsável por essa tarefa. Ao menos por enquanto. No início de junho, a entidade deu mais autonomia aos clubes, mas a liga brasileira não foi criada. Entretanto, clubes iniciaram o movimento para a criação de uma liga e um torneio Sul-Minas com a participação de Flamengo e Fluminense.
Como essa liga seria criada? Ela precisa do aval da CBF? Quais seriam as vantagens e desvantagens de uma liga no futebol nacional? As respostas são variadas. No entanto, efetivamente, qualquer clube pode se unir a outro para formar uma liga, mesmo que sem a autorização da entidade de administração de seu esporte. O parágrafo 5º do artigo 20 da Lei Pelé diz que “é vedada qualquer intervenção das entidades de administração do desporto nas ligas que se mantiverem independentes”.
No caso do futebol, isso quer dizer que, se dois ou mais clubes fundarem uma liga que se proponha independente, a CBF não poderia ter influência em suas atividades. Como isso seria feito? A partir do simples direito de livre associação dado pelo Código Civil brasileiro. Basta haver união e consenso entre seus participantes, o registro e a elaboração de um estatuto, como explica o advogado e blogueiro do Globo Esporte José Eduardo Junqueira.
– A constituição estabelece a liberdade de associação. É um direito constitucional. Se houvesse uma disputa judicial com a CBF ou qualquer entidade administrativa, não tenho dúvida que os clubes ganhariam. A liga é uma associação civil. É preciso um estatuto próprio, que é levado a registro no Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Para ser legalmente constituída, a liga tem que ter estatuto social, levado a registro e tem que obter o CNPJ – diz Junqueira.
Caso a MP do Futebol (Projeto de Lei 10/2015) seja sancionada pela presidência, haverá mais uma obrigação para quem queira criar uma liga. Como prevê em seu artigo 5º, os clubes que aderirem ao Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut) só poderão participar de campeonatos ou ligas organizadas por entidades que atendam às exigências da lei, como o mandato de quatro anos e prática do fair play financeiro.
UMA LIGA INDEPENDENTE SOBREVIVERIA?
Só que não basta criar uma liga independente; é preciso mantê-la viva e funcionando. E é aí que está o problema. Especialistas ouvidos pelo GloboEsporte.com apontam inúmeros obstáculos para que um grupo de clubes tenha vida no Brasil sem o aval da CBF. Um raciocínio rápido explica tal conclusão. O campeão de uma liga que não seja reconhecida pela entidade máxima de seu país – logo por Conmebol e Fifa – se classificaria para qual competição? Nenhuma. Quem patrocinaria uma liga com pouca representatividade? Parceiros com pouco potencial.
– Todas as ligas fortes do mundo, inglesa, francesa, espanhola, alemã, italiana, portuguesa, todas elas foram criadas em linha com a federação local. Para ter reconhecimento da Fifa, tem que ser reconhecida pela entidade de administração do país. A ideia da liga independente, sem aval de sua associação reguladora, nasce morta. Campeão de quê? Tem que se ater à hierarquia do futebol mundial. A Lei Pelé diz que criação da liga é permitida. Não tem problema nenhum. Mas aí você vai disputar o campeonato do aterro? Vai ser campeão da Liga dos Cinco Clubes? – opina o advogado especialista em direito desportivo, Marcos Motta.
Para iniciar o movimento pela volta da Copa Sul-Minas, o Coritiba consultou a CBF e diz ter recebido o aval. Ou seja, não seria uma liga independente, cenário cogitado por Flamengo e Fluminense no início da temporada, após desentendimentos com a Ferj (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro) durante o Campeonato Carioca – e algo improvável, como afirma o blogueiro do Globo Esporte Emerson Gonçalves, especialista em marketing esportivo.
– Existe um complicador nessa história porque a Fifa toma muito cuidado para que nada fuja do controle dela. Essa liga, pela legislação brasileira, pode ser independente. Se não for reconhecida pela CBF, não será reconhecida pela Conmebol, nem Fifa. Se ela não oferecer risco para a CBF, a CBF reconhecerá. Ou reconhecerá se essa liga for muito forte (politicamente). Para ter uma liga, tem que ter união e a participação de todos – analisa.
ALÉM DO CAMPO: AS OBRIGAÇÕES DE UMA LIGA
A CBF e as federações atualmente organizam calendários, regulamentos, registros, julgamentos e tantas outras obrigações burocráticas de seus campeonatos. Uma liga que se proponha a organizar um campeonato teria que assumir esse papel. O parágrafo 6º do artigo 20 da Lei Pelé diz que “as ligas formadas por entidades de prática desportiva envolvidas em competições de atletas profissionais equiparam-se, para fins do cumprimento do disposto nesta Lei, às entidades de administração do desporto”. No entanto, existe outro caminho: a liga ser criada em consenso com CBF e federações e deixar para essas entidades as obrigações burocráticas.
– Ela (liga) criaria seu próprio regulamento e seu próprio tribunal. Mas, caso tenha o apoio da CBF, pode se aproveitar da estrutura judicial que a entidade tem. Isso tudo pode ser acordado. Se não houver um acordo, a liga terá que ter o seu código de justiça, o seu tribunal, o seu departamento de registros. É um emaranhado burocrático absurdo. Se não houver apoio da confederação, ela assume esse papel. E isso significa gastos a mais – afirmou José Eduardo Junqueira.
A Copa do Nordeste é um exemplo recente de modelo de parceria entre a entidade máxima do futebol brasileiro e uma liga. O grupo que representa os clubes da região organiza a competição, negocia patrocínios e direitos de imagem, mas o registro de atletas e as punições esportivas ficam a cargo de CBF e STJD, respectivamente.
– Assim como há Liga do Nordeste, poderia haver uma liga nacional. A CBF não faz nenhuma intervenção, e a liga é organizada pelos clubes da região. A CBF reconheceu. Legalmente há precisão, desde que preencha os requisitos da entidade de administração do esporte, no caso a CBF. Senão seria uma liga pirata, e nenhum clube do sistema oficial poderia participar – declara o diretor jurídico da CBF, Carlos Eugênio Lopes.
Eduardo Junqueira lembra que, no caso das cotas de TV, a liga pode optar para que cada integrante negocie sua parte ou entregue a uma empresa que gerencie essa parte.
– A liga nada mais é do que uma associação. Posso deliberar que nós é que vamos gerenciar a competição ou poderia delegar para qualquer outra empresa fazer a negociação de cotas. Tenho alternativas.
FALTA UNIÃO PARA UMA LIGA NACIONAL
No início de junho, a CBF tomou uma atitude estratégica. Deu mais autonomia para os clubes com a retirada de seu poder de veto nas decisões do Conselho Técnico e esfriou o desejo por uma liga. Previsto no estatuto da CBF, o Conselho é um grupo formado por representantes de clubes de todas as divisões para a discussão de assuntos relacionados à organização dos campeonatos.
A mudança no estatuto dá mais poder à comissão, desde que dentro do calendário previsto pela entidade. Em 2006, por exemplo, o Clube dos 13 pretendia mudar a fórmula do Campeonato Brasileiro a partir de 2007, com o rebaixamento de duas equipes e o acesso de quatro da Série B para a A. A intenção era de que em 2008 o torneio passasse a ter 22 clubes, com rebaixamento e acesso de três times. No entanto, a CBF vetou a mudança no Conselho Técnico daquele ano.
O principal elemento para o nascimento de uma liga ainda está embrionário: a união. Mesmo que o assunto já tenha sido abordado em reuniões e conversas, a ideia está longe de virar realidade e unanimidade. Segundo o presidente do Cruzeiro, Gilvan de Pinho Tavares, há outras prioridades.
– Não quero falar sobre esse assunto. Foi matéria de debate, mas estamos discutindo outro interesse momentâneo, que é a questão da aprovação da MP 671 (a MP do Futebol), que não é problema só do Cruzeiro, é de 90% dos clubes. Atrapalharíamos demandas que são mais urgentes. Já ficou acertado em reuniões das diretorias dos grandes clubes que não iríamos colocar essa matéria em debate. Vai ser colocado em pauta, mas daqui a uns tempos – declarou.
Há quem defenda a pauta. Mas não é a maioria. Até mesmo entre os que estão dispostos a discutir a criação da liga, há ideias diferentes. O consenso é que há a necessidade de os clubes tomarem a frente. No entanto, a forma de tomar tal atitude ainda não está clara. Ainda há uma separação entre o grupo dos times mais expressivos do país, com maior poder político e financeiro, e os de média e pequena expressão. Estes costumam protestar contra a discrepância dos valores de cotas de TV.
Sandro Pallaoro, presidente da Chapecoense, vê o tema com ceticismo:
– Acho que não precisa criar uma liga. O meu medo é termos duas estruturas, a liga e a CBF. Para dizer que a liga é solução, tem que ter debate muito amplo. É simples dizer “vamos criar”, mas o que ela vai fazer? Há assuntos mais urgentes. Temos que profissionalizar a arbitragem, fazer testes em vários setores. É um negócio mais amplo. Antes de criar, tem que sentar com a CBF. A CBF precisa dos clubes, temos que pressionar e perguntar: “Quanto vocês faturam?”, “por que essa taxa é cobrada?”.
O presidente do Atlético-MG, atual líder do Brasileirão, também acha improvável a criação de uma liga nacional, apesar de ser favorável à discussão. Daniel Nepomuceno, no entanto, não esconde a empolgação com a aproximação de um torneio regional, como o retorno da Copa Sul-Minas.
– A criação da liga nacional tem que ter parecer jurídico. Como vai ser administrada? A maioria dos clubes tem contrato com a TV Globo até 2018. Como isso vai ficar? A liga vai herdar esse contrato? Em alguns termos, tem que ter responsabilidade para trabalhar. O caminho é que se crie diretoria interna, independente, dentro da CBF. Mas sou totalmente a favor de campeonatos por regiões. Já no ano que vem. Sul-Minas, Minas-Oeste, que seja. A federação é diferente. Tem potencial de receita enorme.
RENASCIMENTO DO CLUBE DOS 13?
A união para formar uma organização forte ainda está distante da realidade brasileira. Mas os clubes querem dar o primeiro passo. São Paulo e Santos veem na autonomia obtida diante da CBF uma oportunidade para criar, ao menos, uma associação que represente os 20 times da Série A. Mas nada perto do alcance de uma liga sozinha.
– Temos um foro para discutir as competições, que é o Conselho de Clubes. Por que vamos criar outra estrutura para discutir os assuntos dos clubes? Para que refazer o que já está feito? No momento, não vejo necessidade de se criar liga. Temos parceiros comerciais, temos contrato até 2018 com a televisão. Temos que montar uma entidade representatividade dos clubes. Uma mesa para que os clubes possam sentar e discutir. Até o próprio Clube dos 13, por que não? – defende o presidente santista, Modesto Roma Júnior.
A opção mais provável atualmente seria a criação de uma entidade que apenas representasse os clubes e fosse um espaço para discussões. Acordos de patrocínio do campeonato e serviços burocráticos, como o registro de jogadores, ainda permaneceriam com a CBF. O presidente do Grêmio, Romildo Bolzan, também espera que a intenção se cumpra.
– Sou favorável a uma criação de associação de clubes rapidamente, é necessário que a gente tenha pautas mínimas no futebol brasileira a partir de uma visão exclusivamente. Quando falo em associação, é o modelo do Clube dos 13. É um fórum para discutir a pauta dos calendários, financiamento da televisão, como vamos tratar questões dos salários, administração, tudo isso. Esse processo corporativo é anterior à criação de uma liga – opina o gremista.
O cenário, no momento, favorece a discussão, mas não a criação de uma liga. Falta união. E, segundo Emerson Gonçalves, a volta do Clube dos 13 não é a melhor solução.
– O Clube dos 13 era quase uma liga. O principal objetivo era negociar cotas de TV. No Clube dos 13 havia uma desunião fantástica.
MARCOS MOTTA (ADVOGADO)
– A liga é um veículo comercial dos clubes, mas não é uma entidade. Não vejo problema se for em linha com CBF e federações locais e respeitando todos os estatutos e contratos assinados.
EMERSON GONÇALVES (ESPECIALISTA EM MARKETING ESPORTIVO)
– É política, união dos clubes, negociação. Não é decisão técnica, jurídica. É decisão política. Ela vai existir se tiver expressão política.
JOSÉ EDUARDO JUNQUEIRA (ADVOGADO)
– Há a necessidade de gestão profissional. Se essa gestão vai ser da liga ou CBF, o modelo pouco contribui. Se tiver liga independente, mas com formato amador, não adianta nada.
WALTER FELDMAN (SECRETÁRIO-GERAL DA CBF)
– Essa ideia da liga é uma coisa mística e mágica, como se tudo fosse ficar lindo, salvador. Na cultura brasileira, não é esse o fato. A CBF hoje é uma estrutura aberta.
SÉRGIO RASSI (PRESIDENTE DO GOIÁS)
– Acho que quem almeja ser alguma coisa na vida tem que administrar a sua própria vida. Não precisamos da CBF para isso. Deveríamos ter uma liga para satisfazer os nossos desejos.
CARLOS MIGUEL AIDAR (PRESIDENTE DO SÃO PAULO)
– Não precisa ser necessariamente uma liga, mas uma reunião de clubes para debater os assuntos de interesse comum.
JOÃO HUMBERTO MARTORELLI (PRESIDENTE DO SPORT)
– O Sport não tem uma posição definida. Pretendemos ouvir um pouco mais a proposta porque ainda não é muito clara. É uma simples proposta de criação de liga.
ROMILDO BOLZAN (PRESIDENTE DO GRÊMIO)
– Não acho possível, porque os clubes não têm uma unidade de comportamento, não têm capacidade de união.
MÁRIO CELSO PETRAGLIA (PRESIDENTE DO ATLÉTICO-PR)
– Nossa posição é a que sempre manifestei, a de independência total e absoluta, que os clubes sejam responsáveis e tenham autoridade e responsabilidade pelas competições.
EURICO MIRANDA (PRESIDENTE DO VASCO)
– O Conselho Técnico vai poder decidir. Não sei por que tem esse negócio de ser liga ou não. Os clubes que decidem e não interessa se é liga, pinga ou diga.
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A idéia de uma liga é bem interessante a princípio. Mas será mesmo? Certamente elá tentará impor ao Flamengo uma diminuição dos seus ganhos junto à Televisão. Por outro lado, o que o passado ensina? Que o Fla ganhou o brasileiro de 87 e foi traído por seus pares, inclusive pelo são paulo, cujo presidente exercia o mesmo cargo no tal clube dos 13 que criou e geriu o campeonato daquele ano. O incrível é que ele voltou a ser presidente dos bâmbis e embora reconhecesse publicamente que o Mengo foi o primeiro penta e anunciasse do mesmo modo que iria devolver a taça da vergonha, como uma raposa tretera, convocou um conselho para decidir, sabendo qual seria o resultado, e nos surrupiou, de novo, o reconhecimento que nos era devido. Sei que o Mengo sozinho não pode conter a criação de uma liga, mas dar apoio é estupidez.