Coluna do Torcedor #5: ‘Quem é o dissidente?’

Torcedor apaixonado pelo Flamengo, sempre gostei de ler tudo que envolvesse o futebol do clube. Era daqueles que no meio da aula, ficava fazendo e refazendo escalações do time titular no canto de uma folha do caderno.

Antes, na infância e em boa parte da adolescência, meu interesse se limitava basicamente sobre o futebol dentro das quatro linhas, além de contratações de jogadores. Adorava as especulações sobre quem poderia pintar no Mengão. Nada lia sobre administração, política e finanças do Flamengo.

Na minha ingênua concepção, além de assuntos chatos, eram coisas que em nada contribuía para o fortalecimento do flamengo. Naquela época, a matemática era bem simples. A única coisa que me interessava era a “bola” jogada pelo Mengão. Se o time estava jogando bem, tudo estava certo. Seríamos sempre campeões e destacados.

Pois é. Eu era muito ingênuo, pra não dizer “sem noção”.

Em minha defesa, eu era apenas uma criança.

Ocorre que enquanto eu ignorava esses temas tão importantes, em razão da tenra idade, hoje consigo perceber que os dirigentes daquela época também os ignoravam, porém, não por ingenuidade, mas por outros motivos (que fogem à finalidade desse texto), os quais, prefiro não tratar nessa oportunidade. Digo isso pautado na dívida notória e pública que se acumulou.

Da mesma forma que a dívida, meu interesse naqueles assuntos também crescia. Começava a me incomodar manchetes como: “Flamengo deve dois meses de salário dos jogadores”, “Já fora do clube, fulano entra na justiça para cobrar dívida”, etc. Fui econômico ao exemplificar as manchetes porque se trata de um passado não muito distante e ainda causa dor lembra-lo.

O fato é que esse desconforto me levou a enxergar o flamengo fora das quatro linhas. Ganhava peso em minhas leituras qualquer informação referente a política, administração e finanças do clube e sem perceber, hoje me pego praticamente lendo somente sobre esses assuntos. Não é que me esqueci da bola, da parte interior das quatro linhas. Mas percebi o quanto é importante aqueles temas para que o time do Mengão possa arrebentar sem se arrebentar. Cheguei a conclusão de que não é suficiente que só o futebol em campo ande bem. É preciso que clube tenha moralidade e seja sustentável para ser respeitado.

No ano de 2012, o clube iniciou a pré-temporada com salários atrasados, jogadores insatisfeitos e uma relação abalada entre o então técnico Vanderlei Luxemburgo e o elenco, principalmente com Ronaldinho Gaúcho, que depois rescindiria seu contrato na justiça cobrando a quantia de 40 milhões de reais.

Começava a vir à tona os até então latentes problemas administrativos daquele pessoal brincalhão que lá ficou no triênio 2010/2013. Não que todos os problemas aflorados eram mérito exclusivo deles. Muitos outros brincalhões deram sua considerável parcela de contribuição.

Mas retomando aquele ano, o desespero e a desesperança batiam forte com tanta bagunça sendo divulgada. Até que começaram a surgir notícias das próximas eleições e, destacadamente, sobre um grupo aí, formado por administradores, economistas, empresários e publicitários, todos de sucesso profissional indiscutível e flamenguistas apaixonados, que estavam com sangue nos olhos para colocarem ordem na casa.

Os principais nomes divulgados à época eram: Wallin Vasconcelos (Executivo do BNDES), Carlos Langoni (ex-presidente do Banco Central), Flávio Godinho (membro do conselho do grupo EBX), Gustavo Oliveira (vice-presidente da Giovanni, DraftFCB), Luis Eduardo Baptista (presidente da Sky), Rodolfo Landim (presidente da YXC Óleo e Gás), Romulo Dias (presidente da Cielo), Rubén Osta (presidente da Visa), entre outros

O escolhido pelo grupo para ocupar o cargo de Presidente do Flamengo era um tal de Wallim Vasconcellos, e, logo nas primeiras informações, pude perceber a clara proposta da até então desconhecida Chapa Azul. Desde o início, restou esclarecido que um coletivo, e não um indivíduo, estava entrando para administrar o flamengo.

Pouco tempo depois, restou divulgado que a candidatura do Wallin foi vetada, e que em seu lugar, a Chapa Azul teria escolhido o também desconhecido Eduardo Bandeira de Mello.

Aliás, até aquele momento, em todas as notícias que li sobre os nomes que estariam vinculados à chapa azul, ainda não havia visto ou ao menos não me lembro de ter notado o nome do Bandeira.

Percebi que a imposta substituição do candidato ao cargo de presidente em nada havia mudado a filosofia de administração em grupo da chapa azul, que, inclusive, ainda contava com o Wallin Vasconcellos, dessa vez como possível vice-presidente do departamento de futebol.

Acredito que qualquer um que tenha se interessado pela leitura deste texto já sabe como aconteceu o desenrolar da vida política da Chapa Azul até o presente momento.

Instalaram um tal de Conselho Gestor para tomada das decisões mais importantes que, dentre os integrantes, contava com o Eduardo Bandeira de Mello, Vallin Vasconcellos e Luiz Eduardo Baptisa. Era a tradução na prática da filosofia de administração coletiva.

Com início difícil, conseguiram tirar o clube do CTI, onde sobrevivia por aparelhos, e colocá-lo num quarto comum, onde permanece. Não, ainda não conseguiram eliminar todos os problemas periclitantes do clube, em especial, o problema financeiro. Estamos no caminho, mas ainda falta muito. Estádio próprio, CT de primeiro mundo, redução de dívidas, dentre outros, ainda são objetivos que o Flamengo busca.

Mas o grupo formador da Chapa Azul, que se popularizou como “Os Azuis”, vem fazendo, de longe, a melhor administração dos últimos vinte anos. Salários em dia, redução de dívidas, drástica minoração de ações trabalhista, patrocínios proporcionais à grandeza do Flamengo, modificação do estatuto para responsabilizar pessoalmente eventual administrador brincalhão e por aí vai. São muitas conquistas fora de campo. Dentro, também obtivemos certo sucesso, considerando a necessária política de austeridade implantada, o custo benefício foi ótimo: uma Copa do Brasil e um Carioqueta. Porém, as campanhas no brasileirão de 2013 e 2014 foram pífias. A de 2015 ainda não empolga. Aliás, na balança empolgação x preocupação, por enquanto, a segunda vem tendo certa vantagem.

De qualquer forma, como já dito, a administração, de uma maneira geral, vem sendo a melhor das duas últimas décadas e está conseguindo resgatar a credibilidade do mais querido, temido e respeitado de todos os tempos. E todo mérito, em hipótese algum deve ser creditado a apenas uma pessoa, mas sim a todo o grupo, independente do cargo, se presidente ou vice. Não. Bandeira não é o único responsável pelo sucesso administrativo e talvez nem seja o principal, apesar de esbanjar serenidade, educação e ética em suas ações, principalmente nas entrevistas.

Durante a saga dos azuis ocorreram algumas modificações. Considero duas as mais significativas: a entrega do cargo de vice-presidente de futebol pelo Wallin, assumindo outra pasta no futebol, a do Patrimônio; e a saída do Luiz Eduardo Baptista, o Bap, até então vice-presidente de marketing. Voltando um pouco, é preciso relembrar que o noticiário dava conta de que os cabeças do grupo eram Wallin e Bap.

Então por que esse “abandono”?

No primeiro caso, em razão da crise vivenciada pelo time à época, Wallin apenas se remanejou dentro das vice-presidencias, trocando o futebol pelo patrimônio, permanecendo no grupo administrador do flamengo. No segundo caso, o Bap entregou seu cargo e oficialmente se desligou da Administração do clube, alegando desvios ideológicos.

Bap afirmou, em mais de uma oportunidade, que a filosofia implementada pelo grupo não vinha sendo mais observado pelo Bandeira, indicando como ápice a postura adotada diante das atitudes arbitrárias da FERJ, em destaque o preço dos ingressos do carioqueta 2015.

Daí surge o questionamento que me motivou a intitular esse punhado de palavras. Se o que o Bap fala é a pura e estrita verdade, não seria ele o dissidente do grupo, mas sim, o nosso Presidente que, sem sair do cargo, abandonou a filosofia do grupo que o colocou lá. Do contrário, seria sim o Bap o dissidente, pois abandonou o barco que sequer estaria à deriva, quanto mais afundando. Então por qual motivo?

Bem, o certo é que podemos lançar as mais diversas teorias sobre o real motivo. Mas, busco simplificar as coisas acreditando nas palavras ditas para justificar o ato, dando especial atenção aos fatos para verificar se há alguma incoerência entre o dito e o feito.

Por enquanto, e apenas por enquanto, optei por acreditar que o Bap saiu pelo motivo que alegou: abandono da filosofia de grupo pelo Bandeira, que apesar de participar das reuniões no Conselho Gestor, não seguia as orientações, agindo por conta própria. Porém, é fato, amplamente divulgado, que o Conselho Gestor ainda toma as decisões mais importantes sobre os caminhos trilhados pelo clube, mesmo após a saída do Bap.

É tormentosa, por demais,  a tarefa de conseguir chegar à verdade real dos fatos. Aprendi que numa história com dois personagens temos sempre três versões, duas dos envolvidos, com cada um defendendo seu ponto de vista, e uma terceira, a verdadeira.

Tanto Bap quanto Bandeira contam suas versões, ambas distintas, sobre quem efetivamente abandou o grupo. Há quem acredite que o Eduardo Bandeira de Mello foi mordido pela mosca azul da cadeira da presidência e se individualizou, deixando o poder subir à cabeça. Nessa hipótese, ele seria o dissidente.

Em contrapartida, há quem diga que o Bap é um egocêntrico e, com ciúmes, abandonou o grupo para futuramente pegar a Presidência (estranho porque ele não será candidato a presidente, mas sim o Wallin). Aqui, seria o Bap o dissidente.

Com essa dificuldade de se conseguir concluir quem de fato está ou não abandonando o grupo, entendo como lógico pensar da seguinte forma: se a principal força dos azuis que estão salvando o Flamengo é a coletividade; se houve uma subdivisão do grupo, agora dividido em duas partes, vou optar pelo lado que tiver maior adesão daqueles nomes embrionários do grupo: Wallin Vasconcelos, Carlos Langoni, Flávio Godinho, Gustavo Oliveira, Luis Eduardo Baptista, Rodolfo Landim, Romulo Dias, Rubén Osta, entre outros.

Porque apesar de toda essa confusão, algumas certezas residem em minha mente:

O Flamengo vem sendo salvo por um grupo de administradores e não por um indivíduo; quem colocou o Bandeira no poder foi o grupo capitaneado por Bap e Wallin; o Bandeira não fez nada, absolutamente nada sozinho. Nem tampouco todo o mérito deve ser dado ao Bap e Wallin; todo o mérito cabe ao grupo, ou seja, a todos os integrantes do grupo.

Lendo alguns comentários deixados pelos rubro-negros nos mais variados textos sobre política, vejo um endeusamento do Eduardo Bandeira de Mello. Como se ele tivesse agido com o Rambo nos filmes do Rambo. Sozinho, com a faca nos dentes, enfrentando e resolvendo todos os tipo de problemas. Não sei ao certo porque isso ao ocorre. Brincadeira. Sei sim. Ao menos penso que sei. Mas prefiro não falar da falta de interesse do torcedor em buscar informações sobre a organização administrativa do clube.

Acredito que muitos ignoram fatos importantes, e manifestam apoio irrestrito ao atual Presidente porque, no pouco de informação administrativa acessada, viu apenas o nome do Eduardo Bandeira de Mello; ou pelo simples fato dele ser o Presidente do Flamengo, ignorando, entretanto, que a administração na realidade é feita por um grupo que o colocou lá.

Portanto, estou com o grupo e me utilizarei dessa matemática, a da maior adesão dos supracitados nomes, para poder decidir a quem dedicar a confiança dos próximos passos administrativos do Flamengo, se ao Bandeira ou a Wallin e Bap. Dica. Já são dois contra um.

SRN,
Rones Bitencourt Barcelos


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