Fonte: Renato Mauricio Prado
O desejo de qualquer pai é que o filho siga os seus passos. O meu não era diferente. Queria que eu torcesse pelo mesmo time que ele (e conseguiu, apesar da péssima fase do Flamengo, na minha infância), que gostasse dos seus principais “hobbies” (no caso do velho, esportes em geral) e, sonho dos sonhos, seguisse a sua profissão. Até tentei, mas as coisas não aconteceram bem assim…
Falando com franqueza, seguir os passos do “velho” nunca foi exatamente fácil, embora tenha sido sempre o meu principal objetivo. Papai me contava, com orgulho, das mirabolantes façanhas do Mengo dos tempos de Biguá, Bria e Jaime, Domingos, Valido, Pirilo, Zizinho, Perácio e coisa e tal e eu era obrigado a torcer por Fio, Michila, Néviton, Buião, Onça e Caldeira… Dureza! Mas, confesso, essa era a parte mais fácil.
Complicado era praticar esportes com ele. Levava jeito para qualquer um. Voleibol era o seu predileto, mas brincava com talento também no basquete e no futebol era bamba (gíria da época para craque) e eu, um tremendo perna de pau…
No vôlei foi onde consegui me aproximar mais dele, mas ainda assim fiquei a léguas de distância. Embora eu tenha chegado a ser “federado”, como se dizia na época (ou seja, disputei campeonatos das divisões de base pelo Botafogo e pelo Flamengo), o velho sempre foi o melhor da nossa rede na praia de Ipanema. Jogando contra ele, me cansei de levar surras homéricas. E ao seu lado, sempre fui eu o ponto fraco da dupla. Não era mole, não…
Papai era oficial de marinha, submarinista, e optar pela carreira militar, na época em que fui fazer vestibular, soava quase como uma insanidade, entre a maioria dos jovens das turmas que eu frequentava na Zona Sul do Rio — vivíamos o início dos anos 70, não custa lembrar.
Ainda assim, mandei a opinião dos colegas às favas e segui o seu caminho, ingressando na Escola Naval. Seu olhar de orgulho, quando me entregou o próprio espadim na cerimônia do dia 11 de junho é algo que jamais esquecerei. No baile, à noite, no Clube Monte Líbano, flutuava no ar, mesmo quando não estava dançando com minha mãe, pois encontrar os amigos e colegas de turma e me apontar de longe, com a farda de gala e o seu espadim na cintura, era algo, certamente, bem próximo do Nirvana, na sua cabeça.
Na minha, entretanto, as coisas não andavam assim. Fora a alegria de o estar fazendo feliz, o resto tinha um sabor bem diferente. E pior. A Marinha que ele me pintou a vida inteira e eu esperava encontrar na Ilha de Villegagnon, não era exatamente a da vida real e muito cedo percebi que a incompatibilidade comigo seria absoluta e intransponível.
O resultado é que um ano e meio depois lá estava eu, na tolda da EN, já de roupas roupas de civil, esperando-o para voltar definitivamente para casa. Aliviado por estar dando fim a um sonho que se transformara em pesadelo, mas mortificado só de pensar como aquilo deveria estar sendo dolorosamente terrível para o meu “velho”.
E eis que ele chega, me dá um abraço forte, me envolve pelo ombro e sai comigo caminhando, rumo ao estacionamento. Lá, para minha surpresa, um fusca zerinho me esperava.
— Leva você. É seu, me disse com um sorriso maroto, me estendendo a chave e apontando o banco do motorista.
Estupefato, fui dirigindo pelo aterro do Flamengo, rumo a Ipanema, enquanto ele contava as histórias de vários amigos dele que também tinham passado pela vida militar, saíram e acabaram sendo até muito mais bem sucedidos que ele.
Anos mais tarde, quando eu já tinha optado pelo jornalismo, e fazia uma carreira de razoável sucesso, minha mãe me contou que naquele dia, papai chorara a noite inteira (e ele nunca foi de chorar). Diante de mim, entretanto, ele nunca admitiu frustração alguma. Ao contrário, a cada promoção me perguntava, orgulhoso:
— Na hierarquia da redação, esse seu novo cargo equivale ao que? Corveta? Mar e Guerra? Almirante? — insistia, com os olhos brilhando.
Como lhe explicar o autêntico abismo entre as duas profissões? Deixa pra lá. O fato é que ele vibrava com cada reportagem, artigo ou qualquer outra coisa que eu fizesse.
Porque, acima de tudo, inclusive do nosso Flamengo e da Marinha dele, o velho sempre foi “Alemão” F.C (sim, “alemão” era o carinhoso apelido com que me chamava).
Ele foi meu maior amigo, meu ídolo, meu herói. Por isso, desde que se foi, o segundo domingo de agosto nunca mais foi o mesmo.
Feliz Dia dos Pais! E Deus queira que eu esteja conseguindo ser para meus filhos, Michael e Luiza, ao menos 50% do que ele foi para mim.
Cadafalso
Trata de ganhar hoje, hein, Cristóvão…