Fonte: República Paz e Amor
O Flamengo é um sonho sonhado pelo meu pai. Pelo seu pai. Pelos nossos pais. Pelos pais dos seis jovens remadores. O Flamengo é um sonho de sonho, transando o universo, limpando os mormaços. Um sonho sonhado no coração do meu pai, e dos pais de vocês. Mesmo daqueles que não são foram gerados por pais rubro-negros, afinal, segundo o Nelson, cada brasileiro, vivo ou morto já foi Flamengo por um instante, por um dia. O meu pai foi por mais de um instante. Foi Flamengo por toda uma vida. Uma vida de Flamengo. Me contava que antes de vir pro Rio de Janeiro, aguardava o trem chegar na sua cidade natal levando o jornal com notícias, nada atuais, sobre o Flamengo. O sonho sonhado do meu pai moldou em mim corpo, alma, mente e personalidade de rubro-negra. Do choro de decepção ainda na maternidade – quando ele soube que tinha nascido uma menina, e não um menino para ser levado ao Maracanã – até o dia do seu enterro, quando fui velar o corpo dele vestida com meu manto sagrado. Desde então, graças ao meu pai, o Flamengo foi sonho, realidade, fantasia, AMOR.
Da lenda do meu nascimento, até quando caminho pelas ruas do bairro, o Flamengo é a minha identidade. Não me reconheço como Viviane de Sant´Anna Mariano. Sou outra. Sou Flamengo. “Falazzz, Flamenguistazzzz” (é o salve do bebum do boteco), “Oi, menina do Flamengo” (quase sussurra o velhinho que não tira os olhos das pedras do dominó), “Fala Mengão” (grita o gerente da lanchonete de sucos se não paro pra tomar um 3 em 1), “Bom Diiiiiiiiia, Rubro-Negra”(saudação do porteiro tricolor, apesar do poderoso carrasco Avaí), “Você não é lá do Flamengo? Meu marido é sócio e te viu no clube” (me aborda a senhora ao meu lado enquanto faço as unhas no salão). E tem ainda o coroa do carteado: “E o Flamengo, einh?” numa entonação de cordel. Entretanto, o Gari que dá uma geral na rua todo dia de manhã, esse não…esse me chama de “LINDA”. Reconheceu minha beleza interior: SOU FLAMENGO.
Somos Flamengo. Somos um por milhares. Milhares por um. Como livres raios riscando os espaços. Apesar de Cristóvão. E sua lerdeza para fazer a leitura de um jogo. Somos Flamengo apesar do pai tricolor, vascaíno ou botafoguense. Somos Flamengo apesar do pai rubro-negro não estar mais do nosso lado, fisicamente, no lugar de uma vida na arquibancada do Maracanã. Somos Flamengo, apesar das ausências. Dos Pais. Da defesa. Do meio campo. De um camisa 10. SOMOS FLAMENGO.
O samba da Vila e esse enredo inspirado no Drummond clamava por liberdade, pela prisão sem tortura, por mentes abertas, sem bicos calados, pela inocência feliz. Nós, rubro-negros, queremos o mesmo do técnico, da diretoria, dos jogadores, do time. Uma coisa nós já temos, o rei que reinava como um ser comum. Mas, queremos outros. Esse já está imortalizado. Queremos mais ídolos. Eles alimentam nossa alma. Queremos uma categoria de base decente. Queremos craques. Queremos JOGADORES DE FLAMENGO. E só os “flamengos” entendem isso. Como eu entendo, como você entende. Como meus 11 leitores entendem. Como meu pai entendia. Ai meu Deus, falso sonho rubro-negro que eu sonhava? Ai de mim, eu sonhei que não sonhava. Mas sonhei.
Pra vocês,
Paz, Amor e Feliz Dia dos Pais.
PS: Essa menininha de chapéu, fashion e vanguarda, sou eu sonhando um sonho sonhado com meu pai, minha mãe e meu irmão num carnaval da Avenina Rio Branco.
Vivi Mariano