No fim do ano passado, os sócios do Flamengo foram às urnas para eleger o novo presidente. Nesta terça-feira, um novo processo eleitoral mobiliza a Gávea. A escolha do Conselho Fiscal movimenta os bastidores do Rubro-Negro de forma semelhante à votação presidencial, com campanhas intensas nos corredores do clube. A votação começa às 8h e termina às 21h, e somente os integrantes do Conselho Deliberativo – na última votação, foram cerca de 800 presentes – estão aptos a votar. São três as chapas concorrentes. As das cores azul (que busca a reeleição com Mario Esteves Filho) e lilás (Sebastião Pedrazzi) são consideradas alinhadas com a atual diretoria. Já a branca (Francisco Gularte) é de oposição.
O resultado da votação será conhecido na noite desta terça-feira, e chapa vencedora toma posse em 1º de abril, iniciando uma gestão de três anos. O Conselho Fiscal é formado por, no mínimo, cinco membros efetivos e cinco suplentes. Também fazem parte do conselho os quatro primeiros sócios da chapa segunda colocada nas eleições – dois efetivos e dois suplentes –, desde que a soma dos votos das chapas derrotadas seja 20% dos votos válidos. A votação dos conselheiros é secreta, e o atual presidente é Mario Esteves, que concorre à reeleição.
Embora menos visada do que a eleição presidencial, a escolha do Conselho Fiscal tem movimentado muito a Gávea nos últimos meses. As chapas distribuíram panfletos aos sócios, colocaram cartazes na fachada da sede e enviaram mensagens de texto pelo celular (SMS) aos conselheiros, seja fazendo propaganda ou simplesmente pesquisando a preferência de voto. O investimento não é pequeno. Para uma chapa ser inscrita é preciso gastar, no mínimo, R$ 10 mil. O valor corresponde à emissão de certidões negativas de antecedentes criminais, quitação de dívidas e outras questões dos membros concorrentes.
O artigo 115 do estatuto do Flamengo especifica as atribuições do Conselho Fiscal. Além de analisar balancetes trimestrais e aprovar ou reprovar as contas anualmente, este poder tem a função de verificar a adequação das contas ao orçamento, alertar sobre gastos acima do permitido, possível não recolhimento de impostos, efetivação de penhoras a ativos do clube e outros fatos que comprometam a gestão financeira do Flamengo.
– Antes, o Conselho Fiscal só examinava as contas, o balanço e o orçamento no final do ano. Agora temos série de metas e limites impostos pelo novo regulamento, balanços trimestrais… Todas exigências que aprovamos aqui ganharam força de lei. O Flamengo aderiu ao refinanciamento e tem que se manter em todos os requisitos. Isso torna o papel do Conselho Fiscal muito mais sério e profundo. Exige mais responsabilidade e independência – diz Mario Esteves Filho, rebatendo de primeira os questionamentos sobre independência com a chapa de Bandeira. – Acreditamos que essa questão vem da visão de que o Conselho Fiscal ddeve exercer fiscalização política, o que achamos um equívoco. Se existe chapa que por definição é de oposição, me parece ilógico, se coloca a etiqueta de oposição, por definição, não tem independência. Ser de oposição e de situação significa falta de indepenência. Indepedencia é quando temos visão técnica, apartidária e em prol do Flamengo. isso que fizemos e pretendemos seguir fazendo.
– Precisa haver necessariamente independência entre os poderes. Se estamos vivendo a situação atual do Brasil é porque há essa independência. Não se pode ter o poder fiscalizador na base de apoio do presidente. Assim não existe garantia nas informações, o Conselho Deliberativo não exerce efetivamente seu papel e as informações para os conselheiros não são suficientes e necessárias para a tomada de decisão. Não quero ser oposição ao Bandeira, porque o Conselho Fiscal é técnico. Quero transparência e independência para analisar os números apresentados – explicou.
Segundo Gularte, o fato de o Conselho Fiscal ser formado por correligionários de Eduardo Bandeira de Mello acaba por esconder dificuldades e carências financeiras do Flamengo.
– O clube antecipou suas receitas até 2018, pegou mais de R$ 150 milhões de empréstimos em bancos privados, trocou sua dívida pública por dívida privada. Além disso, deve R$ 35 milhões ao Consórcio Maracanã e por isso não joga no Rio. Se jogar no Maracanã, paga, porque já recebeu a renda disfarçada de locação. Isso é uma maneira de pegar empréstimo sem passar pelo Conselho Fiscal. Tudo isso precisa ser transmitido para o clube.
Mário Esteves Filho rebate a afirmação, que vem desde debates para a eleição geral do clube, de que a série de empréstimos com bancos – e também com o Consórcio Maracanã, por exemplo – fizeram Flamengo trocar dívida fiscal por privada.
– Isso é uma besteira muito grande. Esse conceito ele chega às raias do non sense. Demonstra desconhecimento de gestão financeira, normas contábeis que preocupam bastante. O Flamengo estabilizou e procurou equacionar necessidades de caixa com instituições financeiras. Ao equacionar a dívida fiscal, aumentou a credibilidade, passou a ser visto como instituição séria, cumpre com Fisco e funcionários, com próprios credores. Quando a chamada oposição diz isso, ela talvez esteja ainda presa nesse modelo do passado do não recolhimento de tributos. Talvez queira que esse pensamento fosse levado adiante.
– O Flamengo tem eleição a cada três anos, está tendo composição de novo conselho, a mudança é estatutária. Se estou concorrendo com quem tem direito a se reeleger e com a chapa branca, isso é algo estatutário. Acho que eu não posso fazer o que ela (Chapa Azul) tenho feito, eu tenho que fazer o que penso. A equipe da Chapa Azul é muito boa, há dois que trabalharam comigo e são de excelentes níveis. Todas as chapas são qualificadas – disse Pedrazzi.
Apoiado pelo vice-geral Maurício Gomes de Mattos por conta de discordância entre os grupos políticos FAT (Flamengo Acima de Tudo) e o SoFla (Sócios pelo Flamengo), Pedrazzi rejeita rótulo de “Azul que fiscaliza Azul”.
– Azul não fiscaliza ninguém, isso é intriga de associado. Conselho Fiscal é um órgão tecnico, não tem que fiscalizar beltrano ou sicrano. Tem que fiscalizar contas. Não tenho objeção a ninguém, são todos capazes de exercer a função. Conselho Fiscal não tem função política, quem têm são os conselhos de Administração e Deliberativo – prosseguiu.
Conselho Fiscal defende operação com banco de vice de finanças
No ano passado, o banco Brasil Plural emprestou R$ 3 milhões ao Flamengo, para cobrir a falta de pagamento de um parceiro. A instituição financeira tem como diretor e sócio minoritário Claudio Pracownik, que é vice-presidente de finanças do clube. A chamada lei de responsabilidade fiscal do clube proíbe este tipo de relação, a não ser que haja justificativa financeira e seja aprovada pelo Conselho de Administração e pelo Conselho Fiscal. No Profut aprovado pelo governo e que permite refinanciamento de dívidas fiscais também há menção em casos do tipo, com previsão de penalidades ao clube que “celebrar contrato com empresa da qual o dirigente, seu cônjuge ou companheiro, ou parentes, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, sejam sócios ou administradores”. Para Mario Esteves Filho, este é “assunto pacificado” no clube.
– Não dei nenhuma declaração sobre isso ainda. A questão da participação do banco, como estruturador da operação financeira, foi analisada por nós. Nosso estatuto prevê que em caso de justificativa econômica e financeira vantajosa o caso pode ser justificado, com aprovação do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal. A operação que estava sendo apresentada era financeiramente mais vantajosa para o Flamengo, na medida que tinha menor taxa de administração e de colocação. O credor do Flamengo não é o banco, são os investidores – diz o atual presidente do Conselho Fiscal.
Pela chapa lilás, Pedrazzi disse não sentir qualquer incômodo com o fato de o Flamengo já ter pego empréstimo com o Banco Brasil Plural.
– Se tiver dentro do mercado, se as taxas estiverem compatíveis com mercado, não tenho objeção nenhuma. Acho que no estatuto tem alguma restrição, mas o Conselho Fiscal nao está lá para ver se Seu Claudio Pracownik fez algo certo ou não, tem que ver taxas. Conselho fiscal vai analisar o que está acontecendo, serve para conferir o que foi planejado e ver se está em orçamento. Não tem que se alongar, não tem que falar se está investindo mal em jogadores ou não.
Mas Gularte discorda dos outros dois candidatos e está longe de ver assunto pacificado. Pelo contrário, ele questiona justamente a independência do Conselho Fiscal para lidar com este caso.
– Num clube sem autonomia no Conselho Fiscal acontece esse tipo de coisa. Todo o patrimônio foi dado como garantia sem passar pelo Conselho. Em 120 anos nunca tinha acontecido. Existe um domínio dos poderes centralizados nas mãos do grupo diretor. Isso fere a lei, pois é proibida a obrigação circular entre os associados. O Mario Esteves, por exemplo, nunca vai contra o Só Fla. Estamos vivendo a ditadura da maioria. Existe um poder soberano em todos os conselhos, que é o Só Fla – disse Gularte.
Fonte: GE