Foi há muito tempo, 40 eras antes do nada, que o bambu ensinou ao Flamengo a não lutar contra o vento, a vergar sem nunca se quebrar. E aí está o Flamengo, sempre nas cabeças, sempre o tema dominante nas conversas e resenhas, o paradigma inatingível, o mais amado, o mais secado, sempre imitado e nunca igualado.
E hoje quase todo rubro-negro sabe que o habitat natural do Flamengo é o topo da pirâmide alimentar do futebol mundial. É ali, naquele espacinho mínimo, tendo de um lado a beira do precipício e do outro o fio da navalha, que o indomesticável rubro-negro da Gávea mostra que não veio ao mundo a passeio.
Mas o Flamengo não mora lá em cima por causa de manchete, da fama ou do nosso desmedido amor. Acredite, o Flamengo só tá lá por causa dos títulos. São eles que colocaram e mantém o Mengão pairando altaneiro sobre toda a população da Arcoirislândia, eternamente na reca. É por isso que quando o ficamos mais de um ano sem ganhar nem carioqueta o alarme do nosso relógio biológico dispara.
Onde é que já se viu? Carioca, mesmo não valendo porra nenhuma, pra quem tem nosso tamanho, é obrigação. A atual situação da maionese do Mengão no rural inspira cuidados. Só tem 8 times disputando e estamos em 6º, o risco de nem ir pra semi é real. Nessa hora os inteligentes, os bem informados, os anti FERJ e os entusiastas da gestão em moldes profissionais chutam o balde e esquecem toda aquela teoria bonita de que o Carioca é apenas uma etapa da pré-temporada, um preparatório para os verdadeiros desafios e metem a boca na corneta. Tudo bem não dar importância pro Carioca, mas ficar fora das semi… aí também já é demais.
Em outros tempos uma situação semelhante provocava muros pichados, invasão do treino, vaias estrepitosas. Toda essa pressão sobre o time podia resultar em duas coisas: o time entrava numa e fazia o que tinha de fazer trazendo pra Gávea mais uma tacinha do Carioca pra juntar poeira em nossa sala de troféus ou o time se afundava ainda mais. O que geralmente acabava em uma barca extemporânea e umas contratações de impacto feitas no calor da emoção. Bem, acho que dessas fortes emoções aquisitivas estamos livres. Os carecas não fazem essa linha.
Ou seja, tudo indica que o Flamengo, agora com o fogo sagrado a lhe tostar os fundilhos, vai partir pra cima de Boavista e Bangu, entrar na semi disfarçado de underdog e passar a vara em quem brotar no seu caminho. Como, aliás, é da sua natureza. Porque é assim que a parada historicamente funciona na Gávea, quando a água bate na bunda é que o Flamengo costuma mostrar todas as suas qualidades. É no perrengue que o Flamengo é mais Flamengo. Algo me diz que vai rolar um grande renascimento nos próximos dois jogos. Porque é a única saída.
Meu otimismo não se baseia em nenhum aspecto técnico, não passa de wishful thinking de quem, realmente, não está preocupado com o Carioca, mas que conhece a substância da qual o Flamengo é feito. O futebol da nossa rapaziada ainda está muito longe do que esperamos, mas ainda assim é o Flamengo, cujo potencial para passar rodo jamais pode ser medido pela quantidade de pontos na tabela. O importante é o time não entrar em pilha errada. Nem o time e nem a torcida. Já fui convidado pro enterro do Flamengo centenas de vezes. E até hoje o defunto nunca apareceu.
Mengão Sempre
Arthur Muhlenberg
Fonte: República Paz & Amor