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“Tá aí o que você queria”: ex-narrador Januário de Oliveira relembra bordões e Fla-Flu

Aos 75 anos e com apenas 8% da visão no olho esquerdo, ex-narrador vive em Natal, palco do clássico carioca neste domingo, e recorda momentos marcantes da carreira

Quase 40 anos de carreira e muitas histórias para contar. O último capítulo não foi escrito da forma como queria, mas o diabetes o fez perder a visão e o obrigou a largar o que mais amava, que era ser narrador esportivo. Antes disso, fez de tudo. Natação, boxe, corrida de carro e o principal, o futebol. Nos estádios da vida, vieram os melhores momentos profissionais, mas também decepções e lamentos. Dono de bordões conhecidos até os tempos atuais, como “cruel, muito cruel”, “sinistro”, “tá aí o que você queria” e “tá lá um corpo estendido no chão”, Januário de Oliveira marcou a vida de grandes jogadores de clubes cariocas como o atacante “Super” Ézio, ídolo do Fluminense; do atacante Sávio, que virou “o Anjo Loiro da Gávea”; do lateral-direito Charles, que ganhou o apelido de “Guerreiro” pela raça durante as partidas do Flamengo; e do atacante Túlio, que virou “Maravilha” para a massa botafoguense e alegrou multidões de vários clubes brasileiros. Gaúcho, passou boa parte da vida no Rio de Janeiro e mora há quatro anos em Natal. Em entrevista ao GloboEsporte.com, recorda satisfeito das inúmeras vezes em que narrou um Fla-Flu, para ele, o clássico mais charmoso do futebol brasileiro, o qual a capital potiguar terá a honra de receber neste domingo, na Arena das Dunas.

Aos 76 anos e aposentado, Januário revela ser “uma máquina de acompanhar futebol”. Sem a visão do olho direito e com apenas 8% do olho esquerdo, acompanha todos os campeonatos disponíveis na televisão do apartamento em que vive com a família, em um bairro da Zona Leste de Natal. A menos de um metro do aparelho, confessa prestar mais atenção ao que é dito pelo narrador e se esforça para identificar os times em campo. Chega a assistir a cinco jogos por dia e reconhece a voz de todos os locutores esportivos da televisão brasileira.

FLA-FLU: O MAIS CHARMOSO

Januário de Oliveira foi responsável por transmitir vários clássicos entre Flamengo e Fluminense. Tricolor declarado, acompanhou cinco partidas nas arquibancadas como torcedor, mas a conta fica em dúvida quando busca as datas das partidas. Como narrador, fez ao menos quatro clássicos por ano, durante o período entre 1965 e 1998, e presenciou o surgimento de vários jogadores, a reverência aos diversos craques e a consagração de ídolos como Zico, pelo Fla, e Rivellino, pelo Flu.

Januário é daqueles apaixonados pela profissão, mesmo fora da área. A limitação da visão não lhe tira o prazer de acompanhar as partidas de futebol e, com a audição aguçada, acredita que o Fla leva vantagem sobre a atual formação do clube das Laranjeiras, que perdeu o atacante Fred para o Atlético-MG.

– O clássico é diferente. Os jogadores têm outro tipo de rendimento, mas, sinceramente, desde que o Fred saiu, o Fluminense não conseguiu uma vitória em cinco jogos. Acho que o time está muito fragilizado, e o Flamengo está subindo. A ideia de Fla-Flu pouca gente sabe que foi do jornalista Mário Filho, que batizou o clássico com esse nome em um jornal carioca. Então, o Fla-Flu é alguma coisa que não se pode explicar. Tem que ver. Quem não viu não pode perder a oportunidade de ir à Arena das Dunas, porque vai ver não um grande jogo, mas um espetáculo de que os dois são capazes de promover – enfatizou.

BORDÕES INESQUECÍVEIS

Para contar as diversas histórias futebolísticas e passar toda a emoção dos jogos, seja pelo rádio ou televisão, Januário de Oliveira gostava de brincar com os jogadores. Sem planejar qualquer apelido ou elogio para uma jogada executada em campo, mostrava todo carisma e simpatia por meio do microfone. Das diversas histórias, o gaúcho foi responsável por criar os bordões mais falados pelos torcedores.

Um dos exemplos ocorridos foi em uma partida entre Sport e Flamengo, na Ilha do Retiro. O ex-goleiro Gilmar Rinaldi falhou ao segurar uma bola recuada pela defesa e tomou um frango. Januário lembra que soltou a seguinte pérola: “Ah, Gilmar. Você foi muito sinistro com a torcida do Flamengo.” O termo “sinistro” acabou adotado para as jogadas lamentáveis cometidas pelos jogadores. Os atacantes vibravam com os gritos de Januário quando marcavam os gols, pois sabiam que o narrador soltaria o famoso “cruel”. O primeiro a receber a homenagem foi o ex-atacante Dener, falecido em 1994, após um acidente automobilístico. O ex-jogador, então jogador do Vasco, marcou quatro dos cinco gols na vitória sobre o Madureira. O último, depois de driblar praticamente o time adversário inteiro, tirou o fôlego do narrador e provocou a inesquecível frase: “Dener, você foi muito cruel!”. Outros jogadores também foram premiados com os bordões do antigo narrador, como Sávio, o “Anjo Loiro da Gávea”, Charles “Guerreiro” e Túlio “Maravilha”.

A improvisação era a alma do negócio. Uma falta dura sofrida pelo meia Zanata, ex-Vasco, em um duelo contra o Palmeiras, rendeu até música composta por João Bosco. A expressão “Tá lá o corpo estendido no chão”, para mostrar que o jogador ficou se retorcendo no chão, virou inspiração para a canção “De frente para o crime” do músico mineiro e autor de grandes clássicos da MPB. Januário ainda passou por uma das experiências mais angustiantes da vida. Escalado para narrar o jogo entre Fluminense e Campo Grande, as 20h, acabou enfrentando um atraso de quase duas horas por falta de energia no estádio. Após muita enrolação no microfone, onde confessa ter falado sobre diversos assuntos e até sobre política, ainda teve gás para narrar a partida. Assim que o árbitro deu apito inicial, Januário falou: “Tá aí o que você queria”, se referindo ao ouvinte para indicar o início da partida. Nascia outro bordão.

COMPANHEIROS DE PROFISSÃO

Januário de Oliveira começou a carreira na Rádio Farroupilha, em Porto Alegre. Com a mudança para o Rio de Janeiro, chegou a ser um dos principais nomes da Rádio Nacional e da Rádio Globo. Na televisão, atuou também como apresentador na TVE, Manchete e Bandeirantes. Na caminhada profissional, esteve ao lado de nomes consagrados do jornalismo esportivo, como Jorge Curi, Waldir Amaral e Luiz Mendes, todos na Rádio Nacional. Uma das perdas mais sentidas pelo ex-narrador foi a do companheiro por quase 10 anos de televisão, Luciano do Valle. Januário revelou ter sofrido muito com a perda do amigo e precisou ser socorrido por familiares.

– Eu tive muitos professores na minha vida e pude trabalhar com Jorge Curi, que é a referência esportiva do rádio brasileiro. Na televisão, seguramente, um dos maiores profissionais com quem trabalhei foi meu amigo Luciano do Valle. Outros dois importantes nomes são de Rui Porto, que morreu de infarto no aeroporto de Paris, e Luiz Mendes, que era conhecido como o Comentarista da Palavra Fácil – recorda.

DIABETES E O FIM DA CARREIRA

A descoberta do diabetes foi cruel e, por pouco, não levou Januário à morte. No Rio de Janeiro, enfrentou uma frente fria e teve uma forte gripe, que o levou a um pronto-socorro. Na entrada do hospital, recebeu o atendimento do médico plantonista, que diagnosticou a iminência de um infarto. Durante o atendimento, recebeu uma dose de soro glicosado e passou mal em uma maca, por conta da hiperglicemia. Constatada a doença, recebeu o diagnóstico e a recomendação de procurar um oftalmologista para “cuidar da visão”, que já sofria com problemas.

Ao longo dos anos, enquanto trabalhava na televisão em diversas competições esportivas, queixou-se com companheiros que estava com a vista embaçada. Em 1998, durante a Copa do Mundo da França, foi o responsável por narrar França x Paraguai, pelas oitavas de final, vencida pelos Bleus por 1 a 0. Voltou ao Brasil com o intuito de se reunir com a direção da emissora Bandeirantes e se aposentar. Após um longo encontro, deixou a profissão. Sete anos depois, com o avanço da doença, foi submetido a uma cirurgia, que ocasionou a perda da visão do olho direito e comprometeu o esquerdo.

Deprimido, ganhou o amparo de familiares e se mudou para Natal, onde mora com a sobrinha Daniela, o marido e o filho dela. Em um apartamento, tem o acompanhamento de um cuidador e de uma empregada, onde passa o dia com as vozes que o cercam.

– Eu estou convencido que o diabetes, que muita gente nem sabe o que é e não liga para ele, não toma o menor conhecimento, deveria se interessar um pouco mais, porque é uma coisa terrível. Eu sou prova disso. Hoje, eu perdi inteiramente a vista direita, na vista esquerda eu tenho 8% a 10%. Eu sou incapaz de identificar a fisionomia de uma pessoa em uma pequena distância. Eu só vejo o seu vulto e sou incapaz de identificá-lo a meio metro ou um pouco mais longe. Hoje, está dando para sobreviver – lamentou Januário.

Fonte: GE

Coluna do Flamengo

Ver comentários

  • Nossa, como ele tá velhinho! Narrador muito carismático. Adorava os bordões dele. Saudades da época que a Band cobria os esportes de forma decente e tinha ótimos narradores.

  • Eu estava querendo saber por onde esse narrador andava! Pra mim ele é um dos melhores narradores que já assisti. Lembro de ficar assistindo o campeonato carioca na Band com a voz desse mestre. Saudades!! Epoca que assistir campeonato carioca valia a pena!

  • Esse divertia minhas noites de Segunda Feira. Ótimo Narrador!

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