Corinthians e Flamengo se enfrentam neste domingo, às 16h, na Arena Corinthians, e um personagem em especial já viveu a experiência de estar em ambos os lados. Renato Abreu, hoje com 38 anos, teve essa emoção durante sua longa carreira como jogador. Da época, o jogador relembra momentos alegres como a primeira vez que vestiu a máscara de urubu e tristes quando se recorda do problema da arritmia, lembranças que lhe trazem à tona o sentimento mais difícil de sua vida, quando pela primeira vez teve medo da morte.
Em pouco mais de uma hora de conversa com o LANCE na pizzaria que o jogador abriu na última semana, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, Renato deixou de lado os rótulos de cabeça quente e mostrou que o tempo lhe trouxe sabedoria nas palavras. Voz macia, sorriso frouxo e uma admiração quando houve a palavra Flamengo.
-Eu tenho muita gratidão ao Flamengo, por tudo aquilo que o clube me deu, pela recepção desde o primeiro momento. O Fla para mim, hoje, representa o sucesso que eu tenho no futebol, e isso eu devo muito ao clube. A oportunidade que me deu para poder estar no clube não como coadjuvante, como eu era no Corinthians, mas sim como um jogador principal. Eu só tenho gratidão ao Flamengo, independentemente de ter acontecido de sair do clube – revelou Renato Abreu com exclusividade ao LANCE.
Pouco mais de dois anos longe dos gramados, quando deixou o Santos, Renato Abreu admite que um retorno ao futebol é difícil. Experiente e pai de três filhas, o eterno Urubu-Rei não guarda mais grandes sonhos dentro das quatro linhas, voltando sua vida para família e o lado empresário. O veterano abriu recentemente uma pizzaria na Barra da Tijuca, batizada de Elleven, que traz como decoração momentos especiais de sua longa carreira como jogador:
– O que eu tinha que fazer no futebol e financeiramente eu já fiz. Um jogador com família bem estruturada tem com certeza uma carreira pós futebol. Tenho uma família maravilhosa e tudo que aconteceu na minha vida aconteceu graças a minha família. Tinha sempre minha esposa, meus pais por trás de mim.
Em 2012, você sofreu com uma arritmia cardíaca que acabou lhe afastando dos gramados por alguns meses. Como foi passar por esse momento delicado?
Na verdade quando você é atleta está acostumado a fazer exames. Lembro que no começo de carreira, minha arritmia era contrária, quando estava no repouso eu tinha uma arritmia, com o coração batendo diferente. E quando eu tinha o esforço, meu coração ficava normal, não tinha problema nenhum. E fui levando por todos os anos da minha carreira de uma forma normal. E eu lembro que na última vez que fiz o exame ergométrico pelo Flamengo, a moça olhou para mim e falou “Olha, deu uma alteração no seu batimento”. Eu virei e falei “É normal, todo ano isso acontece”. Daí o médico que estava na hora, me examinou, fez o ultrassom do coração e veio a notícia que eu estava com a arritmia devido ao esforço físico e teria que passar por uma pequena cirurgia para consertar isso. Só que não deu tempo nem de avisar para minha mãe e meu pai, porque a notícia explodiu na imprensa. Quando saiu na imprensa, muita gente me ligou e já disse que teria que parar de jogar futebol porque estava acontecendo o mesmo que houve com o Serginho e o Washington. E eu fiquei assim “Poxa, nem deu tempo de avisar minha mãe e nem deu tempo de ouvir o Serafin (médico do Flamengo) para saber como ia ser”.
Você teve medo de morrer?
Daí vem tanta coisa louca na cabeça que você não sabe se vai parar ou o que vai acontecer. Tanta coisa louca que eu parei e gravei um vídeo, né cara. Um vídeo maluco, agradecendo por tudo, como se estivesse me despedindo porque era uma coisa maluca que vinha na cabeça porque nunca havia feito cirurgia no coração. Já fiz cirurgia no púbis, joelho, sei que toma anestesia geral, mas agora era a anestesia e o coração. Aí vem as “m” na cabeça.
Como era esse vídeo?
No vídeo em falo “Minha esposa, pai, mãe, obrigado por tudo”. Falo com a minha filha que ia nascer. E o engraçado que minha filha ia nascer no dia 9 e minha cirurgia estava marcada para o dia 10, ou seja, foi tanta besteira que veio na minha cabeça que minha filha ia nascer e se acontecesse alguma coisa logo em seguida eu não poderia vê-la crescendo. Como minha filha nasceu em SP, eu acompanhei o parto e tudo. A tarde teria que vir para o Rio para operar, mas minha esposa teria que ficar uns três dias em São Paulo para não complicar o pós-operatório. Daí quando eu acordei de manhã e fui para o hospital fiz esse vídeo no carro.
Esse vídeo ainda existe?
O vídeo ainda existe, guardado em um arquivo em casa. Mostrei o vídeo para minha esposa. E vai ficar guardado lá (rs).
Cuidado com isso aí, só tem essa e mais outra (disse ao seu assessor antes de responder). Isso aqui era uma galinha. eu comprava muitas máscaras para brincar com minhas filhas. Aí surgiu a ideia para o jogo contra o Botafogo, na final. Eu estava pensando em uma forma de homenagear a torcida, o que eu poderia fazer? Pensei no urubu e aí falei com minha esposa “pega essa máscara para mim, tira a crista da galinha, pinta de preto e pinta o bico de laranja”. Entrei com a máscara no hotel sem ninguém ver. Chegou no dia do jogo, como era uma máscara de borracha, não tinha como me machucar e nem machucar um adversário. Aí pensei “vou colocar na lateral da bermuda”. Ficou um volume, mas tudo bem. o Botafogo saiu com 2 a 0 na frente (primeiro jogo da final do Carioca-2007), mas aí sofri um pênalti, fiz o gol e fui comemorar. Saí enfiando a mão na bermuda, o Renato Augusto veio comemorar comigo quando eu tirei a máscara, ele virou para mim e falou: “o que é isso, cara?”. Eu disse: é um “urubu” e comecei a balançar os braços, voando como o urubu. Foi uma coisa que pegou, ficou marcado e isso para mim é um marco. Se hoje sou chamado de Urubu-Rei por muita gente, é justamente por causa disso, por causa da máscara, da homenagem a torcida. Eu lembro da época do Paulo Nunes, que pegava máscara do porco, e aquilo era uma homenagem para a torcida. As máscaras estão guardadas lá em casa, em lugar de destaque, junto com troféus.
Como foi a saída do Flamengo?
Eu estava no banco. a princípio eu jogaria como titular contra o Atlético-PR, mas o Jorginho acabou optando nos treinamentos por me tirar. Fiquei no banco naquele jogo e acabei entrando no segundo tempo e marcando gol de empate. Aí, nesse jogo eu tirei a camisa, para homenagear a torcida. Eu tirei a camisa e isso foi um fato isolado. Dos seis anos que eu fiquei no clube, eu nunca tirei a camisa para poder comemorar gol, o máximo era levantar a camisa e colocar atrás da cabeça, foi um caso isolado, uma única vez. Logo em seguida fomos jogar contra o Náutico, no Orlando Scarpelli. Neste jogo a gente estava perdendo por 1 a 0 e eu já tinha cartão amarelo e no fim do jogo, em um lance também isolado, pois não sou de fazer, acabei levantando mais a mão, a bola bateu na minha mão e fui expulso. Como já tinha um tumulto de o Flamengo não estar vencendo há alguns jogos e havia uma turbulência naquela época, muitos dirigentes foram para esse jogo, e tiveram uma reunião após a partida e ali, talvez, decidiram fazer alguma coisa. Aí entramos de férias, logo em seguida o campeonato parou porque tinha a Copa das Confederações para acontecer. Tivemos uma folga de duas semanas. e eu acabei viajando para resolver alguns problemas nos Emirados Árabes e, quando eu voltei, tive a surpresa. Era surpresa, pois eu tinha desligado o telefone. Quando eu coloquei meus pés no solo brasileiro, primeiro telefonema que eu recebi foi do meu empresário, dizendo que o Flamengo tinha rescindido contrato comigo e anunciado por meio de uma rede social do clube.
Você sente mágoa do Flamengo?
Fiquei chateado porque o meu objetivo era encerrar a carreira no clube, mas mesmo com essa dificuldade que teve, com o processo, eu sinto total gratidão pelo clube. Talvez a maior falha do clube não foi ter me mandado embora, acho que isso faz parte de qualquer profissão. E nós sabemos que isso acontece o tempo todo no futebol. Acho que o clube só errou na maneira de comunicar ao jogador, que tem uma história dentro do clube. Passei seis anos dentro do clube, ganhei títulos, ter uma identificação muito grande com a torcida e por ter passado um pouco da minha experiência para os jogadores da base, acho que poderiam ter tido um pouco mais de consideração comigo. Essa parte, talvez não foi pensada na hora de me mandar embora.
Não, graças a Deus já foi eliminado. Foi uma coisa que eu não queria, mas fui buscar meus direitos trabalhistas porque eu tinha mais um contrato para trabalhar. Procurei o Fla na época para um acerto e, enfim, naquela época não teve um acerto, mas pouco tempo depois a gente sentou, conversou e não teve problema nenhum.
Sonha com um retorno?
Sonhar a gente sempre sonha, claro que é uma outra diretoria, uma outra maneira de pensar. Talvez eles estejam entendendo qual é a grandeza do Flamengo. Talvez eles ainda não tivessem a noção que o Flamengo é enorme, muito grande mundialmente. Talvez tenha o maior ídolo da história do futebol que é o Zico. Então a gente, de uma certa forma, lembra do Flamengo. Para mim aqui no Rio é muito mais fácil, algum torcedor me ver trabalhando no Flamengo do que no Vasco, Botafogo ou Fluminense, que são clubes rivais e eu não tive oportunidade de trabalhar. A gente sonha em trabalhar no Flamengo, de uma certa forma, e conseguir ajudar de alguma maneira.
Mantém contato com alguém do clube?
Tenho contato. Estive no Fla recentemente para acompanhar o treinamento e pegar alguns exames para fazer um teste ergométrico que faço todo ano. E reencontrar o pessoal, saudade bate, tenho muitos amigos lá, ainda tenho contato por telefone. Claro que mudaram muitos jogadores, mas os profissionais que estão lá continuam amigos.
Você está afastado do futebol há algum tempo. Hoje, você se considera sem clube ou um ex-jogador?
Digamos que para jogar futebol hoje é mais difícil. Claro que ainda não descartei a possibilidade de ter um projeto, poder jogar um campeonato até porque me sinto bem, me cuido bastante. Então se pintar alguma coisa e se for do meu agrado eu jogo, mas não sou mais um menino que alimenta um sonho e tem um objetivo maior como Seleção e jogar na Europa. Graças a Deus tenho minha vida estável, tenho 16 anos de profissão e já tenho noção do que é o futebol. Já deu para financeiramente se estruturar, ter uma família e pensar em outros projetos. Então hoje penso muito mais em projetos que eu tenho pós carreira do que como jogador. Eu estudei bastante, fiz alguns cursos de gestão, e eu me preparei e sigo me preparando para poder trabalhar algum dia nesta parte. Ainda falta muito, mas projetos em relação a base é uma coisa que estou trabalhando para poder acontecer, até porque eu sei o quanto é importante para um atleta sair da base bem estruturado para chegar no nível profissional para saber lidar com a pressão.
Você acha que falta apoio e suporte aos jogadores da base?
Quando era pequeno não tive a base que muitos jogadores tem hoje que é ter uma vida inteira dentro do clube. Se pegar o Flamengo hoje você vê jogadores que estão lá desde seus 9 anos e chegam ao profissional. Eu não tivesse essa oportunidade e sei que isso é importante, tendo a transição da base para o profissional. Muitas vezes o jogador que chega da base, vem com status de grande jogador, que fez gols e é isso ou aquilo, mas esse pensamento dele acaba quando ele entra no profissional, onde tem que conquistar tudo novamente. E muitos acham que estão bem maduros, mas sofrem porque não sabem lidar com essa transição da base para o profissional. Então eu gosto muito de falar com eles sobre isso, esse dom, as conquistas da base, precisam ser mantidas no profissional e ter um pouquinho a mais para buscar o seu espaço.
E você acredita que esses jogadores são superestimados?
Flamengo tem uma frase muito marcante “Craque, o Flamengo faz em casa”. Então essa frase é muito forte, pesada e o jogador que atua na base do clube já sofre e quando vai para o profissional a pressão é constante. Quando estive no Flamengo eu conversava muito com os mais jovens, porque o futebol é isso. Tem que jogar com alegria, fazer sua profissão com amor, mas ao mesmo tempo é cobrança o tempo todo. Então até mesmo nos treinamentos cobrava muito deles, mas aí depois que sai cada um tomou seu rumo.
Você treinou um tempo com o Adriano durante a última passagem pelo Flamengo. Como ele é dentro do grupo?
O Adriano é um cara super tranquilo, se dedica muito por quem está do lado dele. Claro que tem as coisas dele fora de campo, mas dentro do trabalho sempre foi um cara que ajudou. Ele algumas vezes assumia o erro de ter acontecido algumas coisas. Lembro que na época ele estava com o tendão machucado, ele chegava e fazia os treinamentos. Um cara super bacana, fácil de trabalhar, pelo lado da imprensa pode ser um cara diferente, porque é um cara da mídia. Hoje é um Imperador, só que as pessoas esquecem que o Adriano é uma pessoa normal como qualquer outra, tem os seus problemas, tem as suas dores de cabeça e as vezes está com um problema familiar. E muitas vezes as pessoas não entendem isso. E ele por ser um cara de mídia, a imprensa acaba pegando um pouquinho no pé mais do que qualquer outro jogador. Posso falar com propriedade que sempre foi um cara que ajudou.
É um fenômeno. E temos que considerar tudo que teve em volta. Ronaldinho as vezes teve uma saída conturbada por fatos isolados. Problemas como dívida financeira e as pessoas acabam colocando a situação que ele saiu brigado, com um rótulo de mercenário, que ele não é. Ele é um cara que chegava pontual nos treinos, um cara que ajudava nos treinos, no vestiário, no campo. Enfim, um cara que sempre nos ajudou. E posso falar com propriedade que era um cara muito amigo.
Em sua história como jogador, você também ficou conhecido por apelidar companheiros. Como era essa brincadeira?
Eu tenho essa facilidade de fazer essas brincadeiras sadias. E lembro que em 2005, estávamos em uma maneira difícil. Papai Joel chegou já de óculos escuros e com prancheta e começou a contar um monte de histórias: “Temos que mudar isso aqui, Flamengo não pode ser desse jeito. Temos que pegar Obina, aquele corpão, aquele negão, cheio de sarda na cara, e vem para cima dos caras. E no gol aquela muralha, Diegão, a bola não vai entrar. E nós temos o nosso boi bandido (Diego Souza) que vem destruindo tudo”. Daí eu comecei a pegar aquilo e apelidar alguns. Vinicius Pacheco tinha uma testa que brilhava e coloquei o apelido de ferro de passar roupa por causa do cabelo bem cavado. Diego Mauricio era Droguibinha, Negueba chamei de Seu Jorge, Galhardo era o Visconde de Sabugosa, Luiz Antonio chamava de Michael Jackson e o Adryan era Maria Gadú.
Fonte: Lance
Salvou o flamengo algumas vezes da derrota com aquele chute que recolhia goleiro com bola e tudo!