Vitupérios nunca foram o meu esporte, mas sou obrigado a me aventurar no perigoso terreno do autoelogio para avisar que esta é, muito provavelmente, a mais sincera resenha de um jogo de futebol que já escrevi na vida. Supondo que urbi et orbi já tem pleno conhecimento do amargo placar do jogo do Flamengo ontem em Figueirense julgo desnecessário ressaltar que não vi um segundo sequer da funesta partida. Suponho também que é justamente na minha ausência ao macabro evento na Ilha do Desterro que se alicerçam a imparcialidade e a franqueza que impregnam as mal traçadas que se seguem.
A primeira franqueza é a admissão da reprovável alergia que o Flamengo desenvolveu na década e meia do presente século pelas competições internacionais. Esta urticária transnacional, originada em um desvio de caráter de sabe-se lá que gene torto encadeado em nosso DNA, é a responsável pelo Flamengo estar pagando mico diante de várias cepas de cucarachos desde a inolvidável conquista da Mercosul 99. Façam a conta vocês mesmos, desde o gol do Lê no Porco, isto é, 17 anos, foram 6 Libertadores e 3 Sulamericanas em que o Flamengo, me desculpem o eufemismo, foi mal para caralho.
Nós, os rubro-negros de saco de adamantium, que estamos o ano inteiro aturando essa conversinha soporífera de não ter casa pra jogar, que viagem cansa, o fator campo isso, o mando aquilo, que assim esse menino morre, doutor, somos o melhor visitante do Brasileiro. E nem assim perdemos aquela velha mania de tropeçar nos pequeninos, protagonizando estabacos homéricos que são a alegria das massas iletradas que se abrigam nas irmandades bárbaras sob a bandeira arco-íris. Alguém aí quer trocar de time porque vão te zoar?
Mesmo para os mais tarados existe um limite para a perversão, mas parece que neste caso específico de se fuder em competição internacional e perder pra time pequeno o Flamengo está ansioso para abrir uma exceção ou, ao menos, estabelecer novos parâmetros e benchmarks na putaria. Porra, perder de 4 pro Figueirense, que está tão lá embaixo na tabela do Brasileiro que é praticamente um dos líderes da Série B? É um resultado teratológico, que contraria a lógica, o bom senso e as relações interpessoais, comprometendo a convivência, a tolerância, a vida em sociedade e o interesse público. Além de foder com o resto da nossa semana.
A segunda franqueza é constatar que apesar do seu alto custo o elenco do Flamengo não é suficiente pra jogar o Brasileiro e a Sula em alto nível de competitividade. O time que foi a campo, com uma defesa formada exclusivamente por come-e-dormes que jogaram juntos pela primeira vez provavelmente no treino-apronto de terça-feira, tinha tudo pra passar vergonha e neste aspecto conseguiu exceder todas as expectativas. Parabéns aos envolvidos.
A Sulamericana é o caminho mais curto e molezinha pra Libertadores, um fato incontestável. Como incontestável também é o seu potencial de desviar o foco da campanha no Brasileiro, aumentar a possibilidade de contusões e desfalques e, por último mas não menos importante, sua capacidade de baixar a bola do Flamengo. Olha que se tem uma coisa que o Flamengo anda precisando é baixar a bolinha. E digo o Flamengo como um todo, time, torcida, comissão técnica, dirigentes. Todos humanos, todos suscetíveis aos doces encantos do oba-oba, sintoma colateral dos mais corriqueiros aos que se encontram sob os efeitos do ácido heptanóico, droga recreativa que se tornou tendência nos últimos fins de semana em Pindorama.
A derrota do Flamengo, uma derrota bojuda, ostensiva e escandalosa, pode ter sido a chave para o sucesso futuro. Uma derrota tão escrota que pode até ser útil, do ponto de vista de erradicação da palhaçadinha. Como aquele tapa na cara que faz os histéricos e os surtados recobrarem momentaneamente a sobriedade e as boas maneiras à mesa.
Os 4 gols que levamos pela proa, que numa primeira leitura precipitada e clubista podem parecer uma severa e merecida punição à nossa vaidade, soberba, arrogância, incompetência ou falta de vergonha na cara, podem muito bem ser o aviso salvador que alguém lá em cima que vai muito com a nossa cara está nos dando.
Para de inventar moda, Flamengo.
Mengão Sempre
Arthur Muhlenberg
Fonte: República Paz & Amor