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Mauro Cezar: “Brasil e seus estádios que não lotam. Falta uma visão mais ‘Casas Bahia’ aos cartolas”

Dirigentes e torcedores de Corinthians e Palmeiras se orgulham das médias de público que vêm registrando em seus novos estádios, e das arrecadações repletas de zeros, ou seja, usualmente na casa dos milhões. Justo, afinal, são os melhores números apresentados no ainda pífio futebol brasileiro em matéria de presença nos estádios, com taxa média de ocupação sofrível: 40% ao final do primeiro turno da Série A 2016, como registra o blog Balanço da Bola — clique aqui e confira.

No mesmo link você pode observar que as taxas de ocupação de palmeirenses e corintianos, excelentes para nossos risíveis números, não passam de 75%, ou tres quartos dos lugares disponíveis em seus estádios. Seria a pior marca na última edição da Premier League, quando o rebaixadíssimo Aston Villa, que fez míseros 16 pontos em 114 possíveis, atraiu em média 33.690, ou 78,77% dos lugares existentes no centenário e modernizado Villa Park, na cidade de Birmingham.

O fato é que ainda sobram muitos lugares nos estádios brasileiros, especialmente pela dificuldade dos dirigentes em alterar os preços dos ingressos em função do apelo de cada partida. E do desprezo pela maioria da torcida. Isso mesmo, a massa mais numerosa é solenemente ignorada pela cartolagem, exceto quando dela precisam e, em desespero na luta contra o rebaixamento, reduzem o preço e os convocam. Eles sabem que esses formam a maior parte dos quais se podem contar sempre.

Na última rodada do Campeonato Brasileiro, o Palmeiras, em primeiro lugar desde o turno passado, atraiu 29.138 torcedores num domingo à tarde ao Allianz Park. Isso significa que sobraram 14.462 assentos, com 66,83% deles ocupados. Já o Corinthians, na segunda-feira às 20 horas, bateu o Vitória, voltou à terceira posição, a três pontos do líder, diante de 20.207 pagantes. Sobraram 28.793 lugares em Itaquera, que teve 41,23% de seus espaços ocupados, pior marca da história do estádio.

Os números dos dois rivais paulistas ainda são os melhores do país e bem superiores à maioria. Nem vale a pena citar outros exemplos, alguns sofríveis, com médias superadas facilmente pelo Portsmouth. Na quarta divisão, o time do Sul da Inglaterra atraiu 16.391 por partida na temporada passada, 77,68% da capacidade do seu Fratton Park. Nos dois jogos que lá fez no atual campeonato, 16.769, ou seja, seguem assíduos, mesmo sem sair da League Two só oito anos após ganharem a Copa da Inglaterra, quando eram da primeira divisão, a Premier League.

Os públicos de Corinthians e Palmeiras na rodada passada somaram 49.345, que praticamente caberiam apenas em Itaquera, ou 53,28% dos 92.600 lugares que as duas “arenas” oferecem. Isso com os dois times muito bem colocados no campeonato e sendo apontados como exemplares por jornalistas e outros cartolas. Mas ainda são índices que satisfazem apenas aos elitistas e sem visão, aqueles que com pouco se contentam e não querem ver o público mais “povão” nas arquibancadas.

Em 2013, a Via Varejo, dona das populares redes de lojas Casas Bahia e Ponto Frio, registrou lucro líquido de R$ 1,175 bilhão, alta de 240,2% em relação aos R$ 319 milhões obtidos em 2012. Mas o mercado piorou e o grupo fechou 2015 com 23 lojas a menos do que no ano anterior e um lucro líquido de R$ 3 milhões, valor 99,7% inferior ao apurado em 2014. Nem por isso o grupo muda seu foco e deixa de ter uma história de sucesso sem mirar os mais ricos, pelo contrário.

Décadas antes dessa crise mais recente e do aumento de poder aquisitivo da chamada Classe C, as Casas Bahia já faturavam muito atendendo tal público. “A riqueza do pobre é o nome”, dizia Samuel Klein, fundador da empresa e que morreu em 20 de novembro de 2014, aos 91 anos. O criador do maior império do varejo brasileiro deu crédito para os de salários mais baixos, deixando os concorrentes se engalfinharem na busca pelo mercado dos ricos ou classe média, os mais abastados.

Fato é que as classes C, D e E reúnem 68% dos brasileiros, enquanto A e B não somam mais de 32%, menos de um terço. Evidentemente essa proporção se distribui, com pequenas variações, entre as torcidas brasileiras. Mas os dirigentes desprezam essa massacrante maioria. Mesmo quando sabem que o estádio não lotará, preferem deixar vazias as cadeiras do que ajustar os preços dos ingressos para estimular a presença de mais torcedores e viabilizar a ida desses quase 70% aos seus jogos.

Quantos corintianos passam diariamente de trem, ônibus, carro, a pé, em frente à “Arena” do clube sem que jamais tenham pisado lá e sonhando com esse dia? Ela fica em Itaquera, região 76ª colocada no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano de São Paulo, que reúne 96 distritos. O mesmo vale para o Palmeiras, cujo Allianz Parque fica em Perdizes, terceiro nessa mesma lista, mas por onde passam tantos e tantos alviverdes, indo e vindo do trabalho, e que não conhecem a nova casa do clube.

É evidente que no futebol profissional e caro, jogos de maior demanda terão ingressos absorvidos prioritariamente por sócios torcedores e pelos que podem pagar mais. Entram aí a lei da oferta e da procura e a necessidade de faturar mais de cada clube. Mas em tantos e tantos cotejos, mesmos nos considerados exemplares Corinthians e Palmeiras, sobram cadeiras e mais cadeiras vazias. Não seria melhor ter um torcedor ali sentado, mesmo que ele só possa comprar um ingresso por ano?

Hoje esses e outros clubes com milhões de torcedores trabalham, na prática, com um universo restrito inferior a 100 mil que são associados. E pressionam a maioria a aderir aos seus programas com os ingressos caros, uma lógica perversa e burra que já recebeu a resposta popular há tempos: nesses termos os 68% não vão se associar. E não o farão porque têm outras prioridades e o orçamento mais apertado. Isso não faz deles menos apaixonados pelas cores dessa ou daquela agremiação.

Nos programas de sócios torcedores há pacotes de aproximadamente R$ 10 que não direito a nada, nem a um ingresso por R$ 30 num jogo de menor apelo reservado dias antes pelo site. O sujeito apenas paga, como um dízimo. As opções mais interessantes, que têm contrapartidas, são mais caras e economicamente favorecem apenas aos que podem frequentar a maioria das pelejas. É tudo pensado apenas nos 32%, ou menos, ou seja, mais ricos e a tal classe média tão badalada nesse país.

Se os quase 70% mais pobres pudessem se revezar indo aos jogos de menor demanda e tendo a chance de conhecer e eventualmente visitar as casas de seus clubes, as cadeiras vazias ficariam mais raras, ou seriam 100% ocupadas de vez. Os 43.255 lugares não vendidos na rodada mais recente em jogos dos clubes com as melhores médias, comercializados a R$ 20, por exemplo, significariam mais R$ 865 mil. A renda de Corinthians x Vitória foi de R$ 930.524 com gente pagando até R$ 180. Ninguém se propôs a pagar R$ 450 por uma cadeira no setor Oeste Vip, mostra o borderô.

No caso específico dos dois clubes — insisto, nem vale a pena citar os demais, com números muito piores — se abre mão, por exemplo, do público neutro, gente que gostaria de conhecer as “arenas”, ou quem está de passagem por São Paulo e teria interesse em ir a um jogo. Mas com esses preços? Um turista que pagaria, digamos, R$ 50, dificilmente desembolsará o dobro ou triplo disso. E é claro que não se tornará sócio torcedor. Preferem as cadeiras vazias do que vender por um valor mais justo.

Sem falar nos visitantes, sempre explorados. Um ingresso domingo na torcida da Ponte Preta custou R$ 110 e segunda-feira o pessoal que apoiou o Vitória pagou R$ 100. No jogo entre Corinthians x Flamengo, só 67% do estádio foi ocupado e milhares de rubro-negros não puderam ir a Itaquera porque apenas 2,2 mil ingressos foram colocados à venda para eles. Se disponibilizassem os 10% estipulados pelo regulamento, seriam 4,9 mil e pelo menos mais R$ 200 mil nas bilheterias.

Mas nada supera a tolice dos dirigentes do próprio Flamengo. Domingo, em Brasília, na estreia de Diego, jogaram os ingressos nas alturas, com preço médio de R$ 63. Resultado, apenas 30,98% dos 72.788 lugares foram ocupados. O público de 22.522 pagantes lotaria o estádio de Cariacica, onde o time tem atuado. Mas na capital federal, num estádio imenso, era obviamente necessário oferecer preços mais populares.

Se o custo médio fosse de R$ 40, bastariam 40 mil rubro-negros para renda R$ 200 mil maior. Sem falar em algo não menos importante: casa cheia, atmosfera, mais gente apoiando o time. A pergunta é: quem decide isso conhece algo de futebol? Frequentou estádio? Já sentou numa arquibancada? Sabe qual é a realidade de um assalariado?

Enquanto isso, aqueles caraminguás que o povão ainda pode reservar para um pequeno “luxo” são direcionados a algo mais justo, como a prestação de uma televisão, um fogão novo, uma máquina de lavar roupas! Com parcelas que se encaixam no orçamento do cidadão e dão em troca algo real, palpável. A paixão não é concreta, mas é muito maior do que o desejo por um aparelho eletrônico ou um eletrodoméstico. Contudo, ela soa como exploração quando se vê os preços dos ingressos.

Falta aos dirigentes percebar o óbvio: estamos no Brasil, país cuja população tem renda média de apenas R$ 1.113. Falta quem note que entre os 68% das Classes C, D e E não há quem possa pagar R$ 450 por um ingresso numa decisão. Mas são milhões que desembolsariam R$ 20, R$ 30 em partidas menos concorridas e que, juntos, proporcionariam muito mais do que esse meio salário-mínimo por um jogo de futebol. Falta aos clubes alguém com a visão do criador da Casas Bahia.

Fonte: ESPN

Coluna do Flamengo

Ver comentários

  • Excelente texto! As diretorias dos clubes brasileiros não conhecem os próprios torcedores, essa é a verdade! Se um torcedor comum tivesse 100, 200 reais, ele não gastaria com estádio porque certamente tem coisas mais urgentes. Grande parte dos brasileiros têm que abrir mão de muita coisa pra poder fechar o mês.

  • Corretíssimo Mauro, eles não conseguem enxergar que o ingresso mais caro para o clube é aquele que ele deixa de vender. Não adianta nada cobrar um ingresso absurdamente caro se ninguém se propor a comprar, e isso atrapalha o espetáculo e até o desempenho do time, o que seria do Mengão sem a magnética empurrando o time, fazendo o jogador suar sangue, colocando aquela bola do Pet no ângulo, basta rever o gol e verá a nação mandando a energia pra decidir a partida. SRN

  • Por isso é sou à favor de estádios pequenos ou de médio porte, com 25 a 30mil torcedores... &;-D

  • a ida para o estadio esta restrita a um grupo, sempre os mesmo que se revezam na ida aos estádios, no jogo contra o grêmio foi o meu 4º jogo do fla no df, como sou sócio não pesou muito, mas pra quem não e não da pra ir em todos so vai em um, o clube perdeu dinheiro domingo, muitos torcedores colocou as olimpíadas como empecilho, mas não foi, o ingresso caro que tirou o torcedor do estadio, porque não e só ingresso, temos condução, metro esta de greve, almoço caríssimo, lanche uma vergonha o preço, dentro do estadio uma garrafa de água a 7 reais, então os dirigentes tem que pensar mais sobre isso, 70 mil lugares e só conseguiu vender 22 mil, algo esta errado ai e não e no torcedor.

  • Concordo com o Mauro. Há jogos em que o preço deve ser popular. Não sei porque o Flamengo não levou o jogo de volta da Copa Sul-Americana para o Rio de Janeiro. Num estádio daqueles do Fluminense ou Botafogo certamente iriam 14, 15 mil pessoas, quase a mesma capacidade de Cariacica.

  • Não acredito que em Brasília, no último jogo, diante das gratuidades e meias-entradas, o público foi menor em decorrência do preço. Como alguém já escreveu aqui, acho que a explicação reside nos jogos das olimpíadas. Não podemos nos esquecer que o Mengo ainda esta em fase de recuperação financeira.

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