Líder e vice-líder do Campeonato Brasileiro separados por apenas um ponto, Palmeiras e Flamengo fazem nesta quarta-feira a partida que é considerada por muitos a ‘final’ do torneio nacional, mesmo faltando ainda 14 rodadas para o encerramento oficial. Esta, no entanto, não será a primeira vez que o clássico estará nos holofotes do país.
GAROTADA GOLEIA ‘SELE-FLA’
Há 37 anos, quando tinham como estrelas Jorge Mendonça e Zico, Palmeiras e Flamengo fizeram no Maracanã um duelo recheado de expectativa. Se enfrentaram pela terceira rodada da terceira fase do Brasileiro de 1979, valendo vaga na semifinal.
“Nosso time só tinha molecada. O Telê [Santana, técnico] tinha renovado tudo. A imprensa de Rio e São Paulo afirmava que a gente ia tremer no Maracanã, que ia afinar para os caras. Até os flamenguistas diziam que nossa perna ia ‘bambear'”, relembrou à ESPN Jorginho Putinatti, ex-meia do clube alviverde e que tinha 20 anos naquele jogo.
A história, no entanto, pregou uma peça e o resultado foi bem surprendente.
“Foi 4 a 1, não foi? Goleamos aquela máquina do Flamengo, que tinha Zico, Júnior, Adílio, Reinaldo… A gente fez 1 a 0. Aí o Zico empatou de pênalti. Eu pensei: ‘Agora estamos fo…'”, disse, ao risos. “Mas o Telê armou bem. Jogamos fechados, segurando a pressão do Flamengo e fizemos mais três gols, todos em contra-ataques”.
“Quem nos comandava era o Jorge Mendonça. Ele era muito diferenciado. Dava o ritmo, puxava e fazia fluir o time. Ele fez o primeiro gol”, relembrou.
O confronto decidiria o classificado para a semifinal. Por ter vencido os dois jogos anteriores com goleadas (5 a 1 no Comercial-SP e 4 a 0 no São Bento), o Palmeiras só precisava empatar. O Flamengo, que venceu os rivais por 4 a 0 e 2 a 0, necessitava de uma vitória simples para ficar com a vaga.
A ambição do presidente, Marcio Braga, era repetir o Santos de Pelé. Isto é, queria jogar a Libertadores e chegar ao Mundial. O Flamengo nunca havia jogado o torneio sul-americano e queria justificar a força do time montado.
O presidente disse à ‘Folha de S.Paulo’ que uma derrota seria ‘a maior zebra do campeonato’, definindo o otimismo no clube. “O Fla vencerá o Palmeiras e depois será o campeão de fato disputando o título dessa bagunça que se tornou o Campeonato Brasileiro [aquela edição teve 94 times]. Depois empreenderemos a conquista das Américas e seremos campeões do mundo”, acrescentou.
Do lado do Palmeiras, Telê Santana pregava calma, elencava qualidades de sua equipe, assumindo que era inferior ao Flamengo, e falava em ‘jogo do ano’.
Dos 11 titulares alviverde, somente um tinha mais de 25 anos: Beto Fuscão (29). O restante era bem jovem: Jorginho (20), Baroninho (21), Mococa (21), Pedrinho (22), Gilmar (23), Pires (23), Polozzi (24), César (25), Jorge Mendonça (25) e Rosemiro (25).
Apesar de toda a expectativa pró-Fla, o primeiro tempo foi 1 a 0 para o Palmeiras. O empate saiu aos 9 minutos do segundo tempo, com Zico. E os paulistas venceram com gols aos 24 (Carlos Alberto), aos 31 (Pedrinho) e aos 45 (Zé Mário).
Houve tempo ainda para uma polêmica. Quando o placar estava 3 a 1, Claudio Coutinho, técnico do Flamengo, tirou Adílio e colocou Beijoca. Mas no primeiro lance do atacante ele acertou um soco em Mococa, segundo a ‘Folha de S.Paulo’. Foi expulso e na saída de campo ainda arrumou uma briga com Rosemiro.
“A festa da vitória no vestiário foi muito bacana. Teve uma baita euforia no ônibus durante a volta. Aquele resultado foi incomum, ninguém imagina. Chegamos em São Paulo nos sentindo os campeões. Acabou dando confiança excessiva. A gente pensou: ‘Pô ganhamos do Flamengo. Ninguém vai nos parar nem o Inter [rival da semifinal]. Mas acabamos parando no Inter. Perdemos em São Paulo [3 a 2] e empatamos em Porto Alegre [1 a 1]. Nosso time era melhor, chutou mais ao gol, mas acabamos eliminados, fora da final”, disse Jorginho.
O TROCO RUBRO-NEGRO, COM JUROS
“Falar do 4 a 1? Eu não lembro de derrota, não lembro. De vitória eu lembro, mesmo que tenha sido de 1 a 0, mas contra o Palmeiras lembro do 6 a 2. Vamos falar dela”, disse Zico, ao ser procurado pela reportagem da ESPN.
O jogo mencionado por ele ocorreu no ano seguinte pela edição do Brasileiro de 1980. O palco foi novamente o Maracanã e o duelo foi pela segunda rodada da segunda fase – um quadrangular que definiria os dois classificados para a terceira fase.
No noticiário só se falava de uma coisa: a desejada vingança rubro-negra.
“Não era raiva, mas no ano anterior, quando eles ganharam de 4 a 1, comemoraram um dos gols fazendo careta, debochando. A gente ficou com aquilo guardado. Aquele gesto. Jogos de times grandes não é comum ter goleadas, esses placares atípicos. Mas a gente acabou dando o troco, muito bem dado aliás”, relembrou Zico.
O Galinho nem jogou a partida inteira. Saiu antes do jogo e do placar estar próximo de ser concluído.
“Quando eu sai ainda estava 3 a 0. Estava chovendo muito e eu senti uma contratura. Resolvi sair para evitar estourar a lesão. A meta nossa era conquista do Brasileiro. Não a vingança com o Palmeiras. Fizemos de cada jogo uma final. Ao sair de campo eu fui direto para o vestiário e já comecei a me tratar. Tinha essa consciência”, relembrou.
“Lembro que fiz um golaço de falta. Gilmar montou a barreira ao contrário. Eu bati a bola por fora da barreira. O outro foi de pênalti, que eu mesmo sofri, numa tabela com o Tita. Até o momento que eu estava em campo foi uma das maiores partidas do Flamengo. Para ajudar, na hora de sortear o lado de cada clube, o Palmeiras optou por defender do lado da torcida do Flamengo, onde a gente acostumava atacar no segundo tempo. Isso só aumentou a nossa força naquele início de jogo”, completou Zico.
Antes da partida, o clima não repetiu 1979. Do lado flamenguista foram dadas entrevistas elogiando o Palmeiras e pregando humildade. Já os palmeirenses, com um time considerado até mais fraco do que o ano anterior, viam no técnico Oswaldo Brandão o homem capaz de segurar a ‘máquina rubro-negra’. E estavam mais ‘soltos’.
“Se o Coutinho [técnico do Flamengo] bobear, eu arrebento com ele lá no Maracanã”, disse Brandão à ‘Folha de S.Paulo’ naquela época.
“O Brandão era diferente do Telê. Ele até passou as imagens do 4 a 1 e disse que tínhamos condições de repetir. Só que nosso time era mais fraco do que o ano anterior e o primeiro gol, se não me engano, saiu aos 10 minutos. Eu pensei comigo mesmo: ‘Vamos tomar um saco’. E tomamos mesmo”, disse Jorginho.
Mesmo derrotado, o Palmeiras acabou classificado para a terceira fase, atrás do Flamengo. A aventura alviverde terminaria antes da semifinal, enquanto o time rubro-negro manteve o embalo e chegou até a final, ganhando do Atlético-MG o primeiro título brasileiro de sua história.
“Só perdi um jogo naquela campanha. Perdi para o Botafogo-PB. O duelo contra o Atlético-MG, o primeiro da final, em que perdemos, eu não joguei. Foram as únicas derrotas do Flamengo naquele ano do título de 1980”, relembrou Zico.
Fonte: ESPN