“O espírito coletivo da rapazeada”

Compartilhe com os amigos

Vocês pensam que vida de blogueiro é uma teta, mas que nada.

Com a velocidade em que as coisas acontecem nas redes sociais, reafirma-se a atemporalidade da famosa frase do compositor Sinhô, sempre repetida em suas pendengas autorais no começo do século passado: “Samba é que nem passarinho. Tá voando por aí, é de quem pegar primeiro.”

Eu tinha alinhavado um post sobre as estatísticas do Márcio Araújo, só que um dos integrantes da Confraria Rubro-Negra do RP&A – e um dos mais lúcidos comentaristas aqui do blog – se antecipou e linkou, no grupo de WhatsApp, a matéria publicada no site da ESPN que seria o ponto de partida do texto. Minha ideia foi paspica.

Pensei, então, em escrever sobre a estranha história de jogar fora de casa mesmo na condição de mandante – já estava até com título escolhido e foto separada –, aí veio o patrão e abordou exatamente isso nos três primeiros parágrafos do post “Perfume de gardênia”. Bem-feito, seu Murtinho: piscou, um abraço.

Ciente de que bronca é arma de otário e que os bons cabritos não berram, bola pra frente. Pra não perder de zero, fisguei o mote do bem-vindo reagrupamento dos Novos Baianos e decidi exaltar o que de mais importante a gente tem visto nos jogos do Flamengo: o espírito coletivo.

No campeonato desse ano ainda não emplacamos três vitórias consecutivas – marca que, esperamos e cremos, será alcançada logo mais em Cariacica –, embora caiba registrar que essa história de não sei quantas vitórias seguidas pode ser uma falácia. E para tratar disso, voltemos ao assunto que não abandona nossos pensamentos.

Em 2009 houve um período de três ou quatro rodadas em que Palmeiras e São Paulo, que lideravam a competição, pontuaram muito pouco. Percebendo a oportunidade, o diretor de Futebol Marcos Brás estabeleceu, junto aos jogadores, a meta de conquistar quatro pontos a cada dupla de partidas disputadas. Havia, inclusive, um faz-me-rir a mais quando o objetivo era atingido. Pelas projeções, quatro pontos para cada dupla de jogos seriam suficientes para pôr o time na briga quando chegássemos à 35ª ou à 36ª rodada, e aí veríamos quem é que tinha mais garrafas para quebrar. Deu certo. De todo modo, em nenhum momento daquela arrancada conseguimos mais de três vitórias seguidas. Já em 2015, vencemos seis partidas consecutivas e terminamos em 12º lugar. Qual a vantagem?

Ainda passeando pelo passado recente, em 2011 mantivemos nossa invencibilidade por dezesseis rodadas, para depois amargarmos uma sequência de dez partidas sem ganhar de ninguém. Moral da história: em vez de altos e baixos, o que o Campeonato Brasileiro requer é equilíbrio. E isto só é possível quando se consegue jogar de forma coletiva e organizada.

Não acho graça em basquete e sempre me recordo de meu pai dizendo “não dá pra ver esse troço, tem gol toda hora”. A frase ficou na minha cabeça, e atribuo a ela minha falta de identificação com qualquer esporte em que destruir é mais difícil do que criar. Todavia, não me esqueço de um lance que vi envolvendo Michael Jordan. O Chicago Bulls trabalhava na quadra adversária, quando Dennnis Rodman errou um passe simples e deu o contra-ataque de graça. Jordan, que estava na altura da zona morta, disparou em perseguição ao inimigo. Não conseguiu evitar a cesta, e pouco se abalou. Entregou a bola a um dos juízes, recebeu de volta, recolocou em jogo e vida que segue. Nenhuma reclamação, nenhum esporro, nenhum ataque de estrelismo. O maior jogador de basquete de todos os tempos apenas fez o que tinha de ser feito e o que um esporte coletivo exige.

Outra boa lembrança é a de uma entrevista dos alemães Schweinsteiger e Thomas Muller, ainda no gramado do Maracanã, logo após a conquista da Copa de 2014. O desavisado repórter perguntou a Muller se ele lamentava não ter terminado a competição como artilheiro. Os dois campeões se entreolharam surpresos e caíram na gargalhada, como se dissessem “o que é que esse idiota está dizendo?”. Os caras tinham acabado de ganhar a Copa do Mundo, e o jornalista indagando a respeito de desprezíveis méritos individuais.

Eu também discordo de várias das opções do Zé Ricardo, sobretudo a que se refere a Márcio Araújo – não por uma questão do nome em si, mas do conceito –, porém me parece inegável que, ao contrário do que vinha acontecendo nos últimos tempos, agora temos um time jogando futebol. Muito ainda precisa e há de ser feito. Carecemos de reforços em algumas posições. Sinto falta, acima de tudo, de um meia-atacante de maior movimentação, que não se limite a ocupar as faixas laterais do campo. (Sem discutir qualidades ou defeitos de cada um, há vários desses indivíduos no atual futebol brasileiro. Gabriel Jesus do Palmeiras, Luan do Grêmio, Robinho do Atlético Mineiro, Valdívia do Inter.) E continuo achando que, independentemente da dupla que escalarmos, nosso miolo de zaga é perigosamente lento. Ok: tudo isso fica para o ano que vem. Não há time sem pontos fracos no futebol brasileiro, e temos os nossos. Entretanto, com a seriedade e o espírito coletivo que estamos demonstrando, não há quem possa nos assustar.

Uma das evidências do coletivismo rubro-negro está na partilha dos gols. Fizemos poucos, é verdade – entre os clubes que ocupam as seis primeiras colocações na tabela, somos o que menos gols marcou –, mas temos um reparte raro. Quatro de Guerrero, quatro de Vizeu, três de Alan Patrick, dois de Arão, dois de Damião, dois de Diego, dois de Éverton, dois de Jorge, dois de Mancuello, um de Cirino, um de Ederson e um de Réver, além dos gols contra de Felipe Azevedo (Ponte Preta) e Rodrigo Caio (São Paulo). Nossa tabela de artilharia deixa claro que não há egoísmo ou buscas individuais, todos se ajudam e as responsabilidades se dividem. Um time, e não um bando.

Acabou chorare, ficou tudo lindo – ou quase tudo – e o pessoal anda sentindo um certo cheirinho por aí. Vocês conhecem minhas cismas e manias, e por elas acho prudente não me meter com essas coisas. Mas, às duas e dez da tarde do dia 7 de setembro de 2016, devo confessar que esse tal negócio tá cheirando mais do que a costela defumada que minha mulher acaba de tirar do forno.

Alguém está servido?

Jorge Murtinho

Fonte: República Paz & Amor

Compartilhe com os amigos

Veja também

  • Os jogadores do Flamengo estão se mostrando um grupo com muita união e vontade para vencer os adversários. O Zé Ricardo é um bom técnico, tem muitos méritos no que foi construído pela equipe até o momento, isso é indiscutível. Mas não podemos fechar os olhos: Ele carece de mais experiência e está aprendendo no Flamengo. Alguns jogos ele perde pontos, por seus problemas em fazer a leitura do jogo. Como o jogo de ontem, em que demorou a ler o que acontecia na partida ou achou que a Ponte não faria um golzinho e bastava entregar a bola pros caras jogarem e segurar até o fim. Acho que ele precisa de alguém experiente do seu lado, mas com ideias mais modernas de futebol. O Jayme não tá ajudando, deve querer que ele caia, sei lá… Garanto que se tem um auxiliar legal, ia trocar uma idéia, falar “tira o Márcio porque a gente precisa qualificar a saída de bola, ele tá sem função hoje”. Errar é humano, e o Zé erra, e precisa de ajuda em alguns momentos pra suprir essa inexperiência. O Jayme, todos sabemos o futebol que ele gosta que as equipes pratiquem: de marcação e contra-ataque! É mais um que aposta no futebol ultrapassado. Acho que pelo futebol jogado em 2009, talvez fosse legal ressuscitar até o Andrade como auxiliar nessa equipe técnica. Enfim, minha opinião.

    • Fabio, você merece elogios pelo seu comentário, tanto quantoo o autor da coluna!

      Gostaria de postar aqui a definição mais exata que eu li sobre o VSQ:

      “Leonardo Basilio
      Márcio Araújo, como sempre falhou. ÚNICO VOLANTE do mundo que não marca, não faz falta, não leva amarelo. Falhou igual no gol do Calleri do SP em Brasilia. Em jogos decisivos ele irá falhar sempre. O certo, que não foi a última vez. Ele é insubstituível. Quando a zaga sobe, ele fica atrás para garantir, GARANTIR que não temos defesa!
      Márcio Araújo é igual arame liso: cerca, cerca, não marca e não machuca ninguém”.

      Aquele abraço

      • Valeu Douglas, sempre respeito e leio os seus comentários. Eu também não gosto do Márcio Araújo, por todos os motivos que você citou. Já nem critico mais, mas em uma partida como a de ontem, ele e um cone era a mesma coisa, porque ele só faz a função de cobrir espaços, e não era necessário. O Flamengo precisava de alguém pra qualificar e dar opção na saída de bola. Quem acompanhou o jogo e os comentários ontem, viu que eu bati na mesma tecla quase todo o segundo tempo… Alguns acham que é perseguição, que sou menos flamenguista, mas estou apenas dando minha opinião sobre o que vi no gramado com bola rolando. E você quando faz suas críticas, sofre com o mesmo tipo de problema. Alguns confundem, e acham que torcer é apoiar tudo, até o que está dando errado…

      • Obrigado por entender meu ponto de vista rs

Comentários não são permitidos.