A cada rodada que passa o Flamengo mantém intacta a sua capacidade de assombrar. Não foi pouco o que fez o Flamengo na noite da quarta feira. O empate com o líder provisório, jogando fora de casa e durante mais de 50 minutos com um jogador a menos foi bacana, uma atitude macha, ok. Mas, oh-oh, existe lugar no mundo Flamengo para ficar comemorando empate em um jogo que deveria ter sido vencido sem maiores dificuldades não fossem as circunstâncias? Há controvérsias, prezados, há controvérsias.
Mas é ponto pacífico que mesmo empatando o Flamengo instalou o pânico na Porcolândia com tamanha intensidade que nossos anfitriões, muito pouco versados nas regrinhas de etiqueta sócio-esportiva, cometeram várias gafes. Que acredito terem sido motivadas não pela maldade, mas pela dificuldade de abandonar os costumes meio jecas adquiridos em seguidas competições nas divisões subalternas do futebol brasileiro, muito marcadas por um localismo démodé. A nobreza é uma qualidade interior, que já nasce com a pessoa e se manifesta nos momentos em que é preciso ser grande. Não há dinheiro no mundo que pague. Fica a dica para o próximo rendez-vous.
O que tem assustado mesmo aos arcoíristas, bem educados ou não, nem é o que o Flamengo tem feito, mas o que o Flamengo poderá vir a fazer. O futebolzinho que o Flamengo tem jogado é de uma eficiência infernal. Eficiência é relação entre os resultados obtidos e os recursos empregados. Essas goleadinhas de 1×0 e doutrinações de 2×1, entre outras miudezas nas quais o Flamengo adquiriu notável proficiência, tem feito a terra tremer e os maxilares da arcoirizada despencarem como se fossem as bandejinhas que ficam nas costas das poltronas na hora em que começam a distribuir aquela barrinha de cereal nojenta no avião. E ainda não começamos sequer a jogar bem. Que la sigan chupando!
Ainda é cedo pra afirmar categoricamente que esse ano o Flamengo cumpre com sua obrigação, mas estamos com mais da metade do caminho bem andado e as possibilidades são enormes. Tanto mais porque, de um jeito ou de outro, ainda não colocamos o pé no primeiro degrau do pódio. O que é extremamente positivo. Ainda temos uma meta a alcançar, ainda temos um lugar a chegar.
Nunca fui campeão de nada, todos meus conhecidos sempre foram príncipes em tudo, mas quero crer que é mais divertido lutar por algo que ainda não possuímos, movidos pelo tesão da conquista, do que simplesmente lutar para manter o que já temos. Tudo tem sua hora, mas faltando ainda 13 jogos pro fim do baba não parece muito Flamengo se exaurir para ser o primeirão e ficar sob cerco dos pequenos, lutando pra manter liderança. Não tenho provas, mas tenho convicção de que até temos capacidade para tal. Só acho que é chato e não empolga tanto a torcida quanto aquelas arrancadas sinistras tipo 2007, 2009.
Esse Flamengo de agora é timaço no ovo mas ao mesmo tempo é mulambo, cheio de remendo. Mas tem muita força no ataque, tem um meio de campo de perfil baixo pero cumplidor e uma defesa bem mal encarada, que quase não leva gol e ainda acha tempo pra fazer uma graça lá em cima. Ainda não somos a Laranja Mecânica reencarnada, mas hoje temos, finalmente, um time arrumadinho que não nos faz ficar dando scroll pra acha-lo na tabela do Brasileiro. Tá sempre no alto, que é o nosso habitat natural.
Se manter no habitat é algo que até o mais empedernido dos propinocratas arcoíristas entende que, no Flamengo, deveria ser algo obrigatório. É inconcebível que o Flamengo, até por ser o Maior do Mundo e papaizão de geral, não esteja todos os anos disputando a Libertadores. O que automaticamente estabelece um limite mínimo de moralidade rubro-negra para a boa convivência: G4 é o mínimo aceitável, na verdade G3, já que G4 é a Pré-Libertadores, que tem pinta de repescagem, um certo ranço SérieBzístico que não combina muito com a nossa roupa e as duas peladas antes de começar a fase de grupos da Liberta provocam um gasto extra pra Magnética. Eficiência, moçada, lembram?
Falando em Magnética, que espetáculo, hein? O happening AeroFla foi espetacular, pelos números, pelas ardente palheta de cores, pela empolgação e pela moral que deu aos jogadores. Mas foi ainda mais espetacular o motivo de tudo aquilo. Jovens, não acreditem em tudo que leem na internet. O alegado motivo de desejar boa viagem ao time era apenas um bem bolado disfarce que ocultava os reais propósitos daquela multitudinária reunião de gente bem vestida e feliz. Mas agora que AeroFla foi um sucesso estrondoso eu posso contar tudo pra vocês.
A torcida carioca do Flamengo, privada de suas doses de Mengão há mais tempo do que a boa prática da medicina recomenda, não esperava poder ver por mais que uns poucos segundos aos nossos craques correndo do ônibus para a sala de embarque. Ninguém em sã consciência se daria ao trabalho de parar uma cidade inteira, sempre na maior paz, para tão pequeno e fugaz prazer voyeurístico. Não. A torcida do Flamengo saiu de casa e parou o Rio de Janeiro para algo muito mais importante. Para se encontrar com ela mesma. Pra se namorar e pra se aplaudir. Quero te encontrar/ Quero te amar/ Você pra mim é tudo/ Minha terra, meu céu, meu mar.
Aquelas gentes, vindas de plagas tão diferentes, todas elas, ansiavam por uns dos aspectos mais loucos do ser Flamengo, que é fazer parte de um todo muito maior que a mera soma das partes. A Magnética, o organismo colossal dais quais eu, você, mamãe, titia e a sua vizinha gatinha somos as células, precisava desesperadamente estar novamente junta, formada, amontoada, com os corpos trocando calor, cantando em uníssono e tocando o terror psicológico, mister na qual é catedrática. Foi épico e, imagino eu, assustador pra zinimiga.
Existem muitas maneiras de ser Flamengo, mas poucas são tão divertidas e catárticas quanto ser Flamengo coletivamente. Os AeroFlas tem que acontecer sempre. Por isso, aproveito que ainda não ganhamos porra nenhuma pra fazer um apelo ao presidente Bandeira: Presidente, é um absurdo que o Flamengo, com uma torcida desse tamanho, ainda não tenha um aeroporto próprio. Por favor, tome as devidas providências.
Mengão Sempre
Arthur Muhlenberg
Fonte: República Paz & Amor
“Eficiência é relação entre os resultados obtidos e os recursos empregados. Essas goleadinhas de 1×0 e doutrinações de 2×1, entre outras miudezas nas quais o Flamengo adquiriu notável proficiência (…)” — À meu ver, ACABOU-SE os tempos em que um time vencia outro por placares com diferença de 2 ou mais gols. No futebol moderno, os times devem buscar o resultado de 1×0 e à partir daí, definir as estratégias para manter o resultado e/ou ampliar o placar dentro das suas possibilidades, embora seja secundário.
Inclusive (se não me engano), foi assim que o Fluminense foi campeão em 2010… &;-D
Barcelona e Bayern? Esse tempo não acabou, e com o crescimento do time as goleadas vão vir…
Comenta Cara de Depressão. OU A PEPPA FUGIU ASSUSTADA?
Muito boa: “…apelo ao presidente Bandeira: Presidente, é um absurdo que o Flamengo, com uma torcida desse tamanho, ainda não tenha um aeroporto próprio. Por favor, tome as devidas providências…” Esse Arthur é como o Nelson Rodrigues comentando futebol no nosso tempo, show de bola.
Mais uma vez, extraordinário!
Do título à última linha.
Alfinetando a falsa nobreza do presidente chiqueirense, aludindo os versos de “Poema em linha reta” do Fernando Pessoa, junto com o cancioneiro popular carioca de Claudinho e Bochecha, exaltando o time e a torcida do Flamengo, claro, e dosando tudo isso com sarcasmo e plasticidade.
Genial!
Como bem disse o amigo rubro negro aqui Marcos Moura, é o nosso Nelson Rodrigues.
Ter um aeroporto próprio! Excelente! ?