Há duas histórias para contar sobre o domingo vivido pelo Maracanã. A primeira, a do reencontro. E este cumpriu com todas, ou quase todas as expectativas criadas. Um estádio novamente entregue ao futebol, à torcida, repleto de gente, de paixão e de tensão, pulsando ao sabor das sensações, nem sempre boas, transmitidas pelo jogo no gramado. Como deve ser.
A outra, a do jogo. De um Flamengo que pareceu ter menos certezas de como cumprir seu papel do que tinham os 65 mil rubro-negros na arquibancada e que receberam o time com um mosaico onde se lia “Tua glória é lutar”. O Flamengo lutou, mas não bastava lutar. Surgiu um time que no primeiro tempo abriu mão de ideias consolidadas ao longo do campeonato, tentou corrigir o rumo na segunda parte, mas faltou jogo para superar um rival que terminou com dez. O 2 a 2, em bom jogo, conta bem a história, ainda que a superioridade numérica tenha dado aos rubro-negros chances preciosas no fim.
Um desfecho um tanto insosso, espécie de anticlímax numa tarde fabricada para ser gloriosa. A volta do Maracanã deixa claro que o Flamengo tem um reforço importante na reta final, mas agora a distância para o líder Palmeiras cresceu para seis pontos. O caminho para o título se alongou. Será preciso ter mais argumentos em campo para corresponder à fé da arquibancada.
Especialmente nos momentos decisivos, futebol costuma exigir convicções. E Zé Ricardo sempre pareceu tê-las ao montar um time com aposta na velocidade e jogo pelos lados, ainda que ultimamente carente de alternativas, de diversidade. Ontem, ao escalar Sheik e Mancuello, mexeu radicalmente não só na formação, mas na característica, na vocação. A nova proposta, com um meia a mais e Sheik pela direita, tentando se aproximar de Guerrero, pode até ser mais elaborada, mais rica. Mas é difícil mudar num estalar de dedos um time condicionado a determinado comportamento. Surgiu um Flamengo menos veloz, cadenciado, com passes mas sem penetração. Migrou de um pólo a outro. Mancuello saía da esquerda para ajudar a armar, mas o corredor aberto jamais via uma bola invertida para Jorge. O time pendia para o lado direito e era quase inofensivo.
E sofria ao perder a bola. Diego, Mancuello e Sheik não têm a recomposição defensiva como ponto forte. Como um falso centroavante, Guilherme se movia e era marcado à distância, como no gol que gelou o Maracanã aos cinco minutos. A cabeçada de Guerrero, aos 15, empatando em impedimento, teve impacto emocional num estádio que restaurou a fé cega na vitória, mas cuja empolgação se diluía com as raras sensações de gol. A dificuldade defensiva se escancarou no belo gol de Rodriguinho, antes do intervalo.
O Flamengo do segundo tempo buscou um reencontro com suas características. A entrada de Fernandinho abriu a defesa do Corinthians e houve jogo pelos lados. Ainda que faltasse repertório, era um time lançando mão de ideias que lhe são mais familiares. Em campo, havia duas formas de viver o jogo. O Corinthians era razão. O quanto mais esfriasse o jogo, melhor. O Flamengo se via obrigado a ser mais coração, ser emocional, jogar ao ritmo de um Maracanã elétrico. Jogava a vida no campeonato, jogava o desfecho da jornada de reencontro com a torcida. Era muito.
Se faltava brilho, era preciso um estopim para que aquelas 65 mil pessoas ajudassem a fazer a diferença. Fernandinho já tentara pela esquerda e levara perigo. Até, aos 14 minutos, um córner terminar em gol de Guerrero.
O grito ensurdecedor de gol despertou o estádio, mas logo as manifestações viriam em ondas descontínuas, porque o Flamengo controlava a bola, mas não parecia perto do gol. A expulsão de Guilherme ofereceu o jogo ao Flamengo, que trocou Arão por Leandro Damião e não por um meia. Povoou a área, mas tinha pouco trabalho de bola, de construção. Eram seguidos centros. Guerrero e Sheik tiveram as chances finais, mas jamais o gol pareceu questão de tempo. O apito final antecedeu aplausos de uma gente que, ao contrário da equipe, não perdeu a convicção em seu papel. A torcida foi melhor do que o time.
Fonte: Carlos Eduardo Mansur | O Globo