A camisa 1 era de Willami. A número 2, do pequeno Romulo. Na arena de futevôlei montada no clube recreativo em Picos, interior do Piauí, a dupla bombava nas partidas da modalidade nos anos 2000. Aos oito anos de idade, o menino nem tinha tanta força para dominar a bola no peito e devolver para o seu parceiro. Não importava, afinal pai e filho só queriam se divertir. E aquele garoto dava um jeito de dominar com o pé e passar de cabeça. Se foram mais de 15 anos. A dupla do futevôlei acabou, mas a parceria segue firme. E Willami/Romulo se faz presente no Flamengo. Ao ser tornar reforço do Rubro-Negro para a temporada 2017, o volante deu ao pai – torcedor de carteirinha do time carioca – uma alegria que fez até hoje a ficha não cair. Com o filho na Gávea, Willami passa a ter o lado torcedor e o lado pai. E já tem um pedido.
– Ah, rapaz… Eu já fico pensando em Libertadores. Quero ver como vai ser minha reação. Sinceramente, a ficha ainda não caiu. Só quando a bola começar a rolar e eu poder viver essa emoção de ele defender na Libertadores o clube que torço desde criança – disse Willami, que relembrou a tentativa do filho ser capoeirista, as notas 10 em matemática e o primeiro presente dado após a fama no futebol: um carro.
Em Picos, o pai de Romulose emocionou ao ouvir seu nome na coletiva de apresentação. Veio o filme da trajetória do filho até o Flamengo: a saída de Picos para o Porto-PE com apenas 13 anos; a passagem pelo Vasco; a convocação à seleção brasileira; a prata na Olimpíada de Londres; a cirurgia séria no joelho; e os cinco anos na Rússia, no Spartak Moscou.
– Jamais imaginava esse momento, não posso ser hipócrita. A gente via o esforço dele, mas você nunca espera ver um filho seu nesse nível, principalmente saindo do interior do Piauí. Ele foi perseverante, batalhador, esforçado e nunca pensou em desistir. Você nunca espera que ele vá chegar, por exemplo, à seleção brasileira. Que ele dispute uma Olimpíada. Que ele jogue uma Libertadores. Quando tudo isso acontece é uma surpresa, uma emoção grande. Quando a gente volta a jogar futevôlei nas férias, digo a ele: “você agora é o número 1” – conta Willami.
Para mais felicidade do pai, Romulo está mais perto. A decisão da volta do jogador ao Brasil teve muito o peso familiar, considerado fundamental na avaliação de Willami. No tempo em que o filho esteve na Rússia, o pai o visitou em raras oportunidades. Matar a saudade desse tempão vai ser rápido, e ele espera conhecer o CT do Fla em breve – no máximo, em dois meses.
– Fica mais fácil o contato de abraçar, de estar perto, ficar junto. Na Europa, as coisas não são fáceis. A vida também é muito corrida de treinos e viagem. Aqui a gente tem todo o apoio afetivo, se precisar de uma palavra ou do abraço do pai. Isso não deixa de ser gratificante. Falo com ele todos os dias (via aplicativo de mensagem). Daqui a um mês ou dois vou conhecer o Ninho do Urubu. Todo torcedor tem vontade de conhecer a Gávea, como funciona o Centro de Treinamento. Não sou diferente. Vai ser eu e ele.
No coração do senhor de 48 anos ainda bate um sonho.
– Que Romulo volte à Seleção. Ele tem que contribuir muito. Acho que ele tem condições de voltar pelo futebol dele. Com fé, ele vai ganhar um título pela Seleção, e que venha a Libertadores agora. Tenho certeza que não vai faltar trabalho (no Flamengo). Ele quer ser titular. Romulo não gosta de ser reserva. Ele vai mostrar para o torcedor que tem essa capacidade.
NO POEIRÃO, O ROMULO CAMISA 10
Antes de ser a camisa 27 do Flamengo, Romulo era a 10 do Palmeirinha – primeiro time do ainda franzino garoto em Picos. Não demorou muito para Gilmar Rodrigues, na época treinador, perceber algo diferente no menino que era seu vizinho. Os uniformes lá de 1999 eram comprados com a arrecadação de R$ 1 de cada jogador da escolinha. Eles ainda são guardados por Gilmar. Calções e a única camisa, a 15, ainda resiste à ação do tempo.
– Ele fazia gols, sempre tive um carinho por ele porque era diferenciado. Era um meia avançado que sempre fazia gols. Estão aí os troféus que eles conquistaram, aqui no estádio de Picos, no Helvídio Nunes. Ele era um dos jogadores de destaque, era o camisa 10. Na época, para ser um camisa 10 tinha que ser bom de bola. Era um jogador de estilo, agressivo e rápido. Tinha presença na área e sabia fazer gols de cabeça – relata Gilmar, de 56 anos.
– É um sentimento muito bom, um tempo em que era muito feliz. Isso são as provas de que treinei Romulo, que ensinei os primeiros passos de bola a ele – se emociona, ao olhar para os uniformes expostos no sofá da sala de sua casa.
O treinador da escolinha do Palmeirinha, homenagem ao Palmeiras da década de 90, é atualmente radialista. O perfil disciplinado de Romulo nos anos 90 é recordado. No futebol, Gilmar faz questão de destacar o jogador refinado, de boa marcação que treinava no campo Poeirão, campinho de terra batida em Picos. Onde era o Poeirão, Gilmar conta um lance protagonizado pelo seu pupilo.
– Na época do Palmeirinha, um momento nunca saiu da minha mente foi na final do Campeonato Picoense infantil. Robson pegou a bola pelo setor esquerdo, levantou na área, e ele (Romulo) cabeceou. Chamava ele de ‘cabecinha de ovo’, ele muito franzino, a canelinha fina. Ficou gravado e marcou, foi o gol do título. Ele agora é uma estrela. Torço para o sucesso dele. É uma semente para a nossa juventude, abre janelas. Espero que ele possa se firmar no Flamengo e voltar à Seleção para coroar a carreira dele. Que ele seja uma referência. O Romulo está aí, é uma realidade.
Fonte: GE
Só de colocar o inominável no banco já eleva muito o nivel do time principal.