Abril de 1990. Maracanã, Rio de Janeiro. Paul McCartney levava cerca de 180 mil fãs ao delírio. Era a primeira vez do ex-beatle no Brasil. Também era a primeira vez que uma empresa então com cerca de três anos de fundação, a BWA, confeccionava ingressos para um grande evento.
Abril de 2013. A BWA é líder, com uma de suas divisões, a Ingresso Fácil, do mercado de confecção, distribuição e venda de bilhetes nos estádios de futebol do País. Tem contrato com dezenas de clubes. É responsável pela bilheteria de eventos como o carnaval de São Paulo. Administra e faz a gestão de duas arenas, a Castelão, em Fortaleza, e a Independência, em Belo Horizonte.
Nesses 23 anos, a BWA cresceu. E como! Fez amigos, ganhou inimigos, recebeu elogios por seus serviços, críticas por seus métodos e conviveu, e convive, com suspeitas de envolvimento com cambistas, falsificação de ingressos e tráfico de influência.
Há pouco mais de um mês, a empresa voltou à berlinda ao ser relacionada a uma gravação em que uma voz, atribuída ao presidente da CBF, José Maria Marin, acusa duas pessoas de usar a influência de Marco Polo Del Nero, presidente da Federação Paulista e um dos vices da CBF, para fazer negócios no futebol brasileiro.
A voz em nenhum momento cita nomes, mas o alvo do prometido esculacho seriam os irmãos Bruno e Walter Balsimelli, proprietários da BWA. Uma dupla que começou a vida empresarial no bairro paulistano de Santo Amaro produzindo crachás para companhias como a Varig, em 1987, e logo passou a confeccionar cartões magnéticos para bancos e operadoras de cartões de crédito. Até que surgiu o tal show do Paul.
Percebendo o filão, a dupla mudou os rumos da BWA. Entrou no futebol pelo São Paulo e pelo Morumbi, em 1992. “Fomos ao Morumbi e dissemos (aos dirigentes do São Paulo): ‘Eu vou fazer para vocês os ingressos e colocar as catracas’. E arranjei um patrocinador (a Unicór, um plano de saúde que já não existe) para a operação. O São Paulo acabou com a evasão de renda e ficou feliz”, diz Bruno, 53 anos, advogado e psicólogo de formação.
PADRINHO
A BWA entrou de vez em campo graças ao ex-presidente da FPF, Eduardo José Farah. Na final do Estadual de 1995, entre Corinthians e Palmeiras, Farah deu à empresa a incumbência de controlar as catracas do Estádio Santa Cruz, em Ribeirão Preto. “Montamos as catracas e fizemos os ingressos. Mas eles (FPF) vendiam. Bateu tudo e o INSS, que fez a fiscalização, me deu um documento comprovando que a operação foi perfeita”, garante Bruno.
Era hora de crescer. A empresa foi ao Sul, fez contratos com Grêmio e Coritiba, consolidou-se em São Paulo. Em 1998, levou o grupo VR a patrocinar o Paulistão – o dono da VR foi padrinho de casamento de Bruno. “Foi um contrato de R$ 41 milhões. Os estádios colocaram o nosso sistema (de controle e venda de ingressos). Foi fantástico. Depois disso, a gente começou a trabalhar com todos os clubes, definitivamente.”
Registros da época dizem que o trabalho não foi tão fantástico assim. Eram comuns reclamações sobre a deficiência do serviço. A empresa era acusada, entre outras coisas, de colocar à disposição dos torcedores poucos pontos de venda e de ter poucas catracas nos estádios, o que provocava enormes filas. Ela passou a ser alvo do Ministério Público e de órgãos de proteção ao consumidor.
Havia dores de cabeça piores na época. A empresa teve o nome incluído no relatório da CPI do Futebol, em 2001, por sua relação com Farah e com a FPF. Bruno chegou a ser integrante do Conselho Fiscal da entidade e comandou a B&B Comunicação Visual, que prestava serviços para a federação e foi acusada de receber por tarefas não executadas.
O empresário sempre garantiu não haver ilegalidades e diz que nunca foi protegido de Farah. “E hoje não tenho nenhuma relação com ele. Depois que saiu da federação, nunca mais o vi.”
Farah saiu de cena em agosto de 2003 e Marco Polo Del Nero assumiu seu lugar. É o atual presidente da FPF quem estaria sendo usado por Balsimelli para conseguir contratos – a gravação, cuja autenticidade não está ainda comprovada, sugere que eles são sócios.
Del Nero nega ter algo além de uma relação “estritamente profissional’’ com a BWA e diz ter até cortado privilégios da empresa. “Quando assumi a presidência, todos os ingressos eram feitos pela BWA e entregues à FPF, que repassava para os clubes”, diz o dirigente. “Isso era mal visto pelo mercado e assinei resolução repassando aos clubes o direito de escolher seu fornecedor.”
Ele dá como exemplo o fato de, atualmente, os quatro clubes grandes de São Paulo terem fornecedores diferentes – só o Santos está com a BWA.
MONOPÓLIO
No entanto, a quase totalidade dos clubes do Estado tem contrato com a empresa. Seria influência da FPF? “Cada um escolhe sua empresa livremente”, rebate Del Nero. “Todos os clubes de São Paulo são meus. Sabe por quê? Pela competência. Dou computador, impressoras, catracas… A gente ensina os caras a trabalhar e tudo funciona 100%”, defende-se Bruno.
A BWA recebe um valor fixo mensal pela estrutura que coloca à disposição dos clubes pequenos e um porcentual que varia de 6% a 10% da renda bruta dos grandes, isso em todo o País – na maioria dos casos, o acordado é 8%.
Há, porém, outra ligação entre Bruno Balsimelli e o presidente da FPF. O escritório de advocacia do dirigente atende ao grupo empresarial. Apesar disso, eles entendem não haver conflito de interesses. “Nenhum, pois existe entre o advogado e a empresa apenas aspectos profissionais e que não envolvem nenhum interesse da BWA”, afirma Del Nero. “O Marco Polo é meu advogado desde 1998. É muito competente, ganhei várias ações com ele e quem atende minha conta não é ele, é o doutor Paulo Feuz”, pondera Bruno. “E tenho vários outros advogados.”
Na relação “estritamente profissional” entre a BWA e a FPF está o contrato para cadastramento dos torcedores. “Faço sim, com orgulho, pois entrego um belo trabalho’’, enche o peito Bruno. “A federação, de longa data, fez o cadastramento com a BWA por conta do melhor preço do mercado”, argumenta Del Nero.
SUSPEITAS
Ao longo de sua trajetória, a BWA se viu envolvida várias vezes em casos policiais. Em 2008, por exemplo, foi descoberto esquema de duplicação de ingressos em jogos do Coritiba. Seis pessoas foram presas, mas o próprio presidente do clube paranaense na época, Jair Cirino dos Santos, disse que a empresa não tinha participação no esquema.
Bruno é enfático em sua defesa. “A polícia encontrou máquinas (de confecção de ingressos) na casa de funcionários do Coritiba. Eu fazia a locação dos equipamentos e eles faziam isso.”
No ano seguinte, oito mil bilhetes de um jogo entre Flamengo e Grêmio, no Maracanã, foram apreendidos em uma operação da Polícia Civil fluminense batizada “Gol de Mão”. Eram ingressos de gratuidades. “O próprio Flamengo atestou que não estavam sendo vendidos.”
O empresário, porém, admite que funcionários seus podem ter se envolvido em esquemas fraudulentos e com cambistas. Garante que denunciou à polícia os que foram descobertos. “É claro, óbvio. Quando pegamos um funcionário fazendo coisa errada, denunciamos”, assegura. “Não temos um único processo criminal contra nós. E suspeitas de fraude eu deixo para a polícia resolver.”
Os clubes também não acusam a BWA de atuação ilegal. Muitos admitem relação turbulenta com a empresa, que levou a rompimentos de contratos, não renovação e troca de fornecedor, mas colocam como motivo a deficiência do serviço.
“A gente tinha problemas constantes com a venda de ingressos. A torcida reclamava”, recorda o ex-presidente do Palmeiras, Luiz Gonzaga Belluzzo, que em 2008 rompeu com a BWA. Alguma irregularidade? “Conseguimos apurar má operação na venda de ingressos”, afirma. “A prestação do serviço que era ruim. Havia problema com catracas, com ingressos que acabaram rápido, o borderô não batia. Mas em relação à honestidade deles não há dúvidas”, acrescenta o conselheiro Gilto Avalone, na época um dos maiores críticos da relação entre o clube e a empresa.
Balsimelli admite que teve “um problema sério” no Palmeiras. E que foi ele quem tomou a iniciativa de romper com o clube.
Mas e a suspeita com Marin? A empresa fez boletim de ocorrência numa delegacia de crimes virtuais em São Paulo e contratou um perito para avaliar a fita. Os objetivos são identificar se a voz é realmente a de Marin, quem divulgou e também quem inseriu o texto que aparece na gravação. “Tenho o direito de saber quem fez isso e por quê’’, diz Bruno. Ele sustenta que sua empresa não é o alvo das acusações. “O meu irmão não trabalha mais na empresa faz mais de um ano. Está no conselho. Não tem relacionamento com ninguém.”
Marin foi procurado insistentemente pelo Estado, mas não quis se manifestar. Del Nero também evitou o tema e nem sequer disse se alguma providência legal foi tomada. “Não comento o assunto”, limitou-se.
CONCORRÊNCIA
A BWA já chegou a alardear estar presente em 90% dos estádios do País. Nos últimos anos, porém, o mercado cresceu e a concorrência também. Hoje, Bruno calcula a participação de sua empresa em 70%. Não informa o faturamento, mas o mercado calcula que já superou a casa dos R$ 500 milhões/ano.
Sua maior concorrente é a Outplan, no mercado desde 2006 e que hoje tem 11 clubes como clientes.
Reprodução: Estadão