Jorge Murtinho: “A sutil diferença entre convicção e teimosia”

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Reúna um bom número de amigos rubro-negros em torno de uma mesa de boteco. Peça as geladas, encomende uma generosa porção de jiló frito e, depois do sacrossanto primeiro gole, faça com que cada um diga qual seria seu time titular do Flamengo. Se vierem duas escalações iguais, a primeira rodada fica por minha conta.

Quem aceita o cargo de treinador do Flamengo não tem como esperar vida fácil. Não dá para agradar todo mundo, e o trabalho só pode ser feito se houver convicção. Até aí, creio, concordamos todos.

O problema ocorre quando a convicção vira teimosia, e o que separa uma da outra tem a espessura de um fio dental. Há dezenas de exemplos de técnicos brasileiros que morreram abraçados às suas crenças e jogaram por terra o que, com um gesto simples de humildade, poderia se transformar, se não em títulos, em um trabalho bem avaliado.

Em 2015 nosso treinador Cristóvão Borges, quase sempre um cara sensato e sereno, chegou a perder as estribeiras com repórteres que insistiam em questionar sua preferência por escalar três volantes, quando até o meu neto de cinco anos percebia que o time melhorava com a entrada de Alan Patrick. Ferrenhamente agarrado às suas convicções – já então transformadas em siderúrgica teimosia –, Cristóvão foi demitido sem deixar saudades. Ao contrário: em novembro do ano passado eu estava cercado de amigos rubro-negros, numa situação semelhante à do primeiro parágrafo, e todos comemoravam o anúncio da contratação de Cristóvão pelo Vasco.

Não tenho nada contra Zé Ricardo. Aliás, quando o assunto é técnico de futebol no Brasil, minha implicância não é com os mais novos – Zé Ricardo, Jair Ventura, Roger Machado, Rogério Ceni –, e sim com os medalhões. Entretanto, a teimosia não é exclusividade dos luxemburgos da vida, e temos visto recorrentes exemplos disso sempre que nosso time vai a campo.

Uma analogiazinha rápida: um dos maiores atacantes da história do futebol brasileiro, Reinaldo foi lançado entre os titulares do Atlético Mineiro quando tinha dezesseis anos. O treinador era Telê Santana. Logo após um de seus primeiros jogos, num domingo em que Reinaldo assombrou o Mineirão, Telê chamou-o no canto do vestiário e disse mais ou menos o seguinte: “No futebol o passado não conta; se você não arrebentar na quarta-feira, os gols que você fez hoje não vão adiantar de nada.”

Jogo no time dos que acham que Zé Ricardo deu padrão e regularidade ao Flamengo. Sim, ele recebeu reforços importantes – Réver para tapar os incômodos buracos do nosso sistema defensivo, Diego para fazer com que tivéssemos um salto de qualidade –, mas não me parece justo tirar os méritos de Zé Ricardo na arrumação daquilo que durante um bom tempo fora um bando.

Porém, tendo como exemplo o conselho de Telê a Reinaldo, não dá para ficar o resto da vida elogiando o que foi feito e fechar os olhos para inexplicáveis insistências e tantas teimosias. Em um time do tamanho do Flamengo, paciência tem limite.

No plano das escolhas individuais, convivemos com um dilema: ou Zé Ricardo está errando em não trocar algumas peças, ou o errado é Rodrigo Caetano, que não montou um elenco capaz de oferecer ao técnico eficientes opções – porque, na boa, parece que ele não as tem. Já chegou ao limite, por exemplo, a paciência com o argumento de que o time jogou bem mas não conseguiu o resultado por falhas individuais. Ora bolas, futebol não é assim? Se o cara tá errando muito, troca (problema do técnico). E se o técnico não tem por quem trocar, o problema é dos responsáveis pela montagem do elenco.

Entendo que é difícil tomar como base para avaliação um campeonato tão esvaziado quanto uma sessão do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, mas é preciso bom senso para admitir que certas coisas não têm funcionado. Se o estadual passou a ter importância perto de zero – algo que é percebido pelos torcedores, reconhecido pela diretoria e, obviamente, sentido pelos jogadores – deveria servir ao menos como um bom período de testes e para saber como estamos. E o que se escuta, o que se lê e o que se constata é que estamos patinando.

O clube segue no bom caminho. A contabilidade, a governança, a responsabilidade fiscal, o vermelho e preto da Arena da Ilha, a retirada dos contêineres de triste memória do nosso centro de treinamento, os salários em dia, os bons jogadores querendo vir, tudo isso é muito bacana e, bem mais que bacana, tudo isso é indispensável. Mas não nos dá o direito de, dentro de campo ou ali na área técnica, repetir na quarta-feira os erros que cometemos no domingo e não consertar no domingo os erros que cometemos na quarta.

Jorge Murtinho

Fonte: República Paz & Amor

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  • O Zé é teimoso e o Caetano é cego. Caro Jorge, o que vc recebe de graça de quem vc não conhece ou é seu rival? NADA . No mundo globalizado do capitalismo! Nada. Foi assim que grande parte desse elenco veio pro flamengo. O flamengo é assim; de graça até injeção na testa. Vaz, Rever, Damião,Trauco, Guerreiro, Diego,Juan, Arão, Rômulo, Ederson. Diego foi o grande achado. Agora vou fazer um esforço imenso pra dizer quem mais joga futebol e alto nível pra jogar no flamengo. Trauco e Guerreiro. Não incluí o Conca porque nem sei se esse vai conseguir jogar. Os que o flamengo comprou; Donatti, Mancuello, Cuellar, Muralha, Berrio. Não vejo valor em nenhum desses. E ainda tem mais, M. Araújo, Gabriel, Heveton, Cirino talvez o heverton alguém queira. Só pra lembrar que o Zé tem culpa, mas a grande culpa é de quem formou esse elenco que só tem nome e pouquíssimo futebol. Nenhum treinador no.mundo muda o futebol deles, pois a maoria está em declínio. Basta entender o futebol atual pra saber que esse elenco é superestimado. O probléma maior é que estamos casados com ele.

  • Na minha opinião o Zé está errando mais, muito mais e repetindo os mesmos erros jogo após jogo que o CAETANO que lhe “deu” esse elenco!!

  • nem li, mas mesmo quem não é alfabetizado sabe que o zé ricardo não tem tanta coerencia nas suas escolhas…. da oportunidade para quem não merece, passa a mão na cabeça de quem ele não deveria, e enquanto aos outros jogadores, ele não utiliza e nem da uma sequencia… o donatti errou mais que o vaz pra so jogar “amistoso ” ? cuellar/ ronaldo jogam menos que o marcio araujo, para ele ser titular incontestável ?
    muralha é isso tudo mesmo, até para ser terceiro goleiro da seleção ?
    damião é melhor que vizeu ?
    gabriel/cirino..merecem mais chances que os mulekes da base ?
    berrio é para ser titular do flamengo?

    alguem me responde ai ? pq eu não devo saber mais de futebol …. não sei aonde o zé quer nos levar …

  • ZR é complicado, eu apoiei ele quando a diretoria o escolheu como técnico interino, mas eu esperava aquele ZR da Copa SP, que gostava de jogadas pelo meio, trocas de passe, muita posse de bola, marcação adiantada e jogadores técnicos, mas chegou no profissional e ele não é nada disso, é tudo o contrário, escolhe os jogadores titulares dando um peso maior nos aspectos defensivos do que os ofensivos, um completo retranqueiro medroso, incapaz de manter uma forma de jogar durante os 90′ de jogo, mas se a partir de agora ele voltar com aquela forma de jogo do Flamengo na Copa SP, eu apoio ele, se continuar assim como está, irei continuar criticando.

  • A ultima parte do texto ficou perfeita.

  • Jorge Mutrinho e Arthur Muhlenberg são os maiores cronistas rubro-negros hoje em dia. Mais um texto magistral do primeiro!

    Mas tem uma ressalva, entre a teimosia de Zé Ricardo e os tais equívocos de Rodrigo Caetano, eu fico com a primeira,pois o técnico deveria mostrar algo novo como alternativas ao que não temos. Vou falar o que sempre repito aqui: Mesmo que o tal 4-3-3, 4-2-3-1 ou 4-1-4-1 sejam as grandes tendências do futebol de hoje, não dá pra insistir nesse esquema se não temos pontas habilidosos. Berrío e Everton, que me desculpem, mesmo sendo os mais esforçados desses, não chegam perto de um Tardelli (coisa que precisamos).

    No entanto, no setor de meio campo temos jogadores de muita qualidade como Ronaldo,Cuellar, Arão, Rômulo, Mancuello, Diego, Paquetá, Matheus Sávio, Ederson (que é meia de ofício,não ponta) e Conca. Porque não povoar esse meio-campo num esquema com 4 deles? Ex: 4-2-2 losango com Romulo (se melhorar) mais atrás, Mancuello pela esquerda (que jogava exatamente assim na Argentina), Arão pela direita e Diego na frente.

    No mais, pessoal, se na filosofia implementada temos o 4-3-3 como esquema máximo, por que não trouxeram jogadores mais habilidosos no início? Estaria Zé Ricardo refém dessa filosofia (por ordem do clube,não pelas convicções)? Fica pra se pensar.

    • Concordo.
      O Arthur é irreverente, enquanto o Murtinho é mais sutil.
      Para mim, a teimosia do treineiro reflete seu panelismo, limitação técnica e falta de ousadia. Nosso time hoje não tem criatividade, variações e é um time sem alma, algo inadmissível para o Flamengo.
      E no mais, PASSOU da hora de limar as tralhas (caramujo, vaz, cirino, gabriel e o próprio Arão já está merecendo um banco faz tempo) e dar chances iiguais no time titular a Donatti, Juan, Cuellar, Ronaldo e Paquetá.
      Se repetir os mesmos erros no sábado, adeus Zé panela.

      • Donatti e Cuellar esbarram na questão envolvente ao limite de estrangeiros (com exceção de torneios internacionais).Tirando isso, merecem mais chances.

      • Mais uma grande notícia Elvis, em vez de Heverton Ribeiro teremos Damião por mais tempo. No flamengo é assim, de graça até injeção na testa.

    • Gostaria que ele testasse com uma trinca de volantes com Mancuello jogar na posição onde ele realmente jogava, Rômulo e Arão(ou Cuellar). Sem MA, por que com três volantes ainda precisar do MA é brincadeira.

      • O problema não seria uma trinca, mas como o Mancuello não ficaria sobrecarregado cobrindo o lado do Trauco.Ambos deveriam melhorar na marcação.

        OBS: Na Argentina o Mancu até que marcava bem.Não sei se essa queda de empenho na parte defensiva teria haver com o esquema tático ou com recentes problemas físicos do jogador.

        • O Mancuello é um 3º volante/meia que rende bem o seu futebol jogando pela esquerda, então o Zé com intenção de “queimá-lo”(só pode ser isso pra explicar a mudança inexplicável de posição dele) coloca o cara na ponta direita, não poderia dar certo!
          Apesar da qualidade técnica do jogador ele está com o corpo acostumado ao lado esquerdo, é até fisiologicamente impossível que ele tenha o mesmo rendimento dos dois lados indistintamente!!
          A mesma coisa aconteceu no jogo contra o FLU com o CAFU que é ponta direita e o Zé o colocou na ponta esquerda e o jogador não rendeu quase nada do que ele costuma render na outra ponta.

          Como podemos ver é um erro atrás do outro!!

        • Mancuello desde que chegou ao flamengo não jogou na sua posição de origem que é 3º volante na esquerda, jogou mais à frente com o Muricy e jogou razoavelmente bem, foi onde teve suas melhores partidas apesar de ser o campeonato carioca, no meio ele jogava mais próximo do que ele jogava na argentina, e agora joga de ponta algo que ele nunca jogou na vida, e ainda por cima no lado direito, o Mancuello tá jogando no lado oposto onde se destacou na sua carreira e se tornou ídolo, não gosto de criticar o Zé Ricardo mas ele está literalmente “queimando” o Mancuello, mas o Mancuello sabe que se não jogar do jeito que o Zé Ricardo quer, ele nunca vai entrar pra jogar.

  • existem erros tanto na composição do elenco quanto nas opções táticas e técnicas do treinador. sobre a composição do elenco discordo das renovações com juan e marcio araújo feitas ainda em 2016 e com gabriel e éverton neste ano e agora a intenção – se já não aconteceu- de manter leandro damião. quanto ao zr acho que está perdendo o elenco pela insistência – ditada pelas convicções dele ou pela pressão de bastidor – em escalar jogadores de rendimento e qualidade inferiores aos que estão no banco. não adianta dar chance de jogar uma ou duas vezes no ano, isso não engana ninguém gera insatisfação até mesmo em quem acaba de sair da base e começa a minar o ambiente. zr me parece perdido e sem poucas alternativas táticas bem treinadas e nas quais confie de verdade. não defendo de modo algum sua troca e torço para que como no caso do reinaldo a bola continue entrando. votos de que o zr entenda isso e mude de atitude. a bola mais do que nunca está com ele. srn

  • O elenco é de bom nível pro futebol americano.

    Ele que gosta de usar os mesmos jogadores.

    Aguardando ansiosamente por sábado e ver se ele realmente vai entrar com Vaz e MA (acho muito provavel).

  • Pois é. E quando alguém vai fazer algo a respeito?

  • concordo.

    Tambem apóio Zé como treinador e tem meritos para isso mas matem umas teimosias que vem desagradando 90% da torcida nao pelos nomes em si mas pelo que estamos vendo em campo….

    ainda há tempo zé, temos a obrigação de jogar mais que isso

  • #FORAZERICARDO!

    • kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

  • Num é que faz sentido? Ou SE está fazendo merda ou o cagão ê o Rodrigo Caetano, questão de lógica, é impossível os dois serem competentes.
    Um ou outro, ou os dois são ruins.

    • Faz todo o sentido. Entretanto , é sem sentido ter outros jogadores no elenco e não dá oportunidades para que eles possam mostrar se tem condições de atuar no Fla, e isso pesa contra o Zé Ricardo. Todas as vezes que o Donatti entrou no time esse ano, a meu ver, jogou melhor que o Rafael Vaz. O Ronaldo tem mostrado bastante qualidade. O Cuellar, desde o ano passado, vem jogando bem, quando tem oportunidade. Então por que não dá sequência de jogos para eles? Os caras entram em um jogo, jogam bem, mas nunca têm uma sequência em que seja possível avaliá-los realmente. Acredito que Márcio Araújo e Rafael Vaz não têm e nunca terão capacidade técnica para serem titulares, e olha que eles já foram muito bem (ou mal) avaliados.

      • Não acho que o Vaz seja ruim.O problema é esse excesso de confiança vindo dele.Se ele fizesse apenas o simples, e bem, os desempenhos seriam outros.

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